entrev_02.jpg

“Os EUA (de Bush) estão longe de cumprir as exigências da OMS”

 

 

entrev_03.jpg

“Se houver um caso de gripe no Brasil, o estrago para a economia será imenso”

 

 

DINHEIRO ? Os recentes casos de gripe aviária podem se agravar e se transformar numa pandemia mundial?
EGLI
? A pandemia virá logo. É só questão de tempo. E isso é uma previsão da OMS, não minha.

DINHEIRO ? A gripe aviária é a doença do futuro?
EGLI
? Ela será um problema quando for transmitida de pessoa para pessoa. Apesar do mundo estar mais preparado que na gripe espanhola, os riscos são maiores.

DINHEIRO ? Haverá medicamentos para todos?
EGLI
? Não dá para saber. Hoje não haveria. Há países muito bem preparados, com condições de cobrir até 20% de sua população e outros que não têm como cobrir nada. O governo americano, por exemplo, está longe dos 20% que é o recomendado pela OMS.

DINHEIRO ? O mundo está preparado para conter uma pandemia? Que continente pode sofrer mais?
EGLI
? Ninguém está preparado. Por isso estamos compartilhando patente com as empresas que têm condições de produzir o Tamiflu. Meu maior temor é a África, que não teria infra-estrutura para reagir.

DINHEIRO ? E o Brasil?
EGLI
? O governo brasileiro está tomando as medidas necessárias. Entre os países da América Latina, o Brasil é o melhor preparado, é o País que levou mais a sério o problema. O fato é que o Brasil precisa proteger sua avicultura. Tem um fator econômico nessa conta. Se um caso de gripe aviária for detectado aqui no Brasil o estrago para a economia será imenso.

DINHEIRO ? Seria um problema de saúde que se tornaria problema econômico?
EGLI
? Em alguns países o risco não bateu no bolso. Mas estima-se que a pandemia reduziria o PIB mundial em 6%.

DINHEIRO ? Os casos que surgiram na Europa elevaram o risco de um contágio no Brasil?
EGLI
? Em princípio sim. Esses casos da Europa são bastante preocupantes. Mas, para o Brasil, o maior risco é o caso registrado na Nigéria, que pode atingir de forma mais intensa a América Latina.

DINHEIRO ? Quem mais está preparado?
EGLI
? Os países nórdicos, como Inglaterra, estão bem preparados. Mas ninguém fez uma simulação verdadeira e se conscientizou da seriedade desse problema. Especialmente nos portos e aeroportos. Os países têm de cuidar em primeiro lugar de seus médicos, bombeiros, que terão de atender os cidadãos em caso de pandemia e que fazem com que o país funcione. E ninguém pensa nisso.

DINHEIRO ? Isso resultaria em milhões de dólares em encomendas de medicamentos…
EGLI
? A indústria farmacêutica, muitas vezes, é mal entendida. Considerada como parte do problema e não parte da solução. A gente quer superar isso. Muito do atual progresso da medicina veio graças ao avanço da indústria farmacêutica, que desenvolveu e inovou em novos medicamentos, tratamentos, diagnósticos. Se fala sobre o preço dos remédios, mas não sobre quanto foi investido neles.

DINHEIRO ? O Tamiflu, único medicamento que combate o vírus, se tornou aposta mercadológica da Roche?
ERNEST EGLI
? Ele foi criado para combater o vírus da gripe. Só nos EUA morrem 50 mil pessoas por ano com gripe. Nem sabíamos da existência da gripe aviária. Três anos após o lançamento, ele não era um êxito comercial.

DINHEIRO ? Mas ele rendeu US$ 1 bilhão em negócios em 2005…
EGLI
? Os primeiros casos da gripe de aves foram detectados há três anos pela Organização Mundial de Saúde, que nos pediu para elevar a produção. Não chegamos a fazer testes clínicos mas o medicamento foi considerado eficaz porque impede a reprodução do vírus que tenha a proteína N em sua composição, como o H5N1 da gripe aviária. Essa proteína não é mutável.

DINHEIRO ? Em quanto foi ampliada a produção do Tamiflu?
EGLI
? Investimos milhões de dólares para aumentar em 10 vezes a capacidade de produção. Uma decisão de risco pois não havia garantia de êxito comercial.

DINHEIRO ? Quem pode produzir o medicamento além da Roche?
EGLI
? Autorizamos laboratórios da Ásia. O Shanghai Pharmaceutical Group, da China, e o Hyderabad, da Índia.

DINHEIRO ? O Brasil poderia obtê-la?
EGLI
? A Roche selecionou por capacidade técnica. No caso do Brasil, recebemos uma proposta, mas o laboratório nem tinha instalações para a construção de uma unidade fabril. Foi por isso que demos a licença para chineses e indianos. O processo de fabricação do Tamiflu é complicado, exige investimento elevado.

DINHEIRO ? Qual será a perda de faturamento com a liberação de patentes para os asiáticos?
EGLI
? Tem de haver equilíbrio entre ser socialmente responsável e cuidar dos interesses comerciais. Vamos supor que a Roche não aceitasse que essas duas empresas produzissem o medicamento e amanhã tivesse início uma pandemia e a Roche sozinha não desse conta de fabricar tudo o que o mundo precisa? Seria o caos.

DINHEIRO ? Os genéricos prejudicaram os negócios?
EGLI
? Sim. Ninguém investe num país que ameaça com quebra de patentes. Não se pode estimular o genérico fazendo ameaças à indústria que investe em pesquisa.

DINHEIRO ? O sr. está se referindo à política adotada quando José Serra ainda era ministro da Saúde do Brasil?
EGLI
? O Brasil já superou essa fase. Realmente o genérico teve um impacto forte na indústria do País. No caso da Aids, o que houve foi uma ameaça do governo para abaixar preço. Hoje não temos mais pressões desse tipo.

DINHEIRO ? Isso tirou o País do foco dos investimentos?
EGLI
? Sim. A valorização do real, a pressão para queda dos preços mais as ameaças de quebra de patentes nos assustaram. Hoje a situação é mais tranqüila. Esperamos que esses problemas sejam parte do passado e que nunca mais voltemos a falar nesse tipo de coisa. Acho que o Brasil tem muito potencial. Convivemos com o genérico apesar de acharmos que ele não cumpre o seu papel.

DINHEIRO ? Como assim?
EGLI
? Porque o genérico no Brasil não chega aos mais necessitados. Ele chega à classe média, mas não atende a população realmente carente. Para essas pessoas será necessário um outro tipo de política. Outras formas de acesso.

DINHEIRO ? O Brasil tem chances de voltar a receber investimentos da Roche?
EGLI
? O Brasil tem potencial para voltar a ser o receptor dos investimentos da indústria farmacêutica na América Latina. Acho até que o Brasil tem potencial para daqui a cinco, seis anos, virar base de exportação para produtos de biotecnologia.
Mas o Brasil ainda tem dificuldades, especialmente na aprovação de preço dos medicamentos que vão entrar no País.

DINHEIRO ? Mas o preço que se pratica na Europa e nos EUA para o brasileiro é caro.
EGLI
? Sim. Mas o preço não é o problema. Na Europa, por exemplo, existem sistemas de reembolso bancados pelos planos de saúde e pelos governos. No Brasil há um problema estrutural de amparo social.

DINHEIRO ? Quando a Roche voltará a investir no Brasil?
EGLI
? Hoje temos argumentos para convencer os acionistas da Roche na Suíça a investir no Brasil. Um deles é que a Roche Brasil cresceu 32% em dólar por conta da valorização do real. Isso faz com que eles nos vejam com outros olhos. Há boas perspectivas. Outra boa notícia é que o mercado brasileiro está alcançando o mexicano. Somou US$ 7 bilhões contra US$ 7,2 bilhões do México.

DINHEIRO ? Para o sr. a valorização do real é boa notícia?
EGLI
? Para mim é uma boa notícia. Claro que a valorização tem seus impactos negativos e óbvio que eu preferiria que o crescimento vigoroso do Brasil fosse menos por conta da valorização do real e mais por conta do crescimento real do PIB e do poder aquisitivo.

DINHEIRO ? Na sua opinião, a vinda de novos investimentos depende desses fatores?
EGLI
? Eu acho que depende de uma consolidação do mercado brasileiro como o maior da América Latina. Esperamos um crescimento substancial também em 2006. A economia terá de ajudar e só o câmbio não vai bastar. O nosso plano é investir US$ 5 milhões por ano em cinco anos na manutenção do atual parque industrial. Não prevemos um investimento adicional neste momento, mas obviamente um ambiente favorável poderia ajudar nisso.

DINHEIRO ? Em comparação com outros países da América Latina, onde a Roche tem investido mais?
EGLI
? O México tem sido o principal alvo dos investimentos. Hoje só temos fábrica no Brasil e no México. No ano passado aprovamos um investimentos de US$ 50 milhões para a construção de uma fábrica nova no México. O Brasil, naquele momento, não tinha os fundamentos para brigar por essa fábrica.

DINHEIRO ? E hoje? O Brasil já tem como atrair esse tipo de investimento?
EGLI
? Esses investimentos são sempre planejados com três ou quatro anos de antecipação e por isso vai demorar para que o Brasil recebe um investimento desse porte. O motivo? Porque só agora a situação do País voltou a permitir que se possa planejar investimentos de novo.

DINHEIRO ? A fábrica do Rio opera com quase 50% de ociosidade. Essa ocisidade seria usada na fabricação do Tamiflu no Brasil?
EGLI
? Sim. Mas temos de ter muito cuidado. O Brasil não vai produzir matéria-prima para a fabricação do Tamiflu. A fábrica do Rio seria usada para uma das etapas do processo, que é o encapsulamento dos medicamentos. No Brasil não há condições para a produção da substância ativa do remédio, que é feita nas fábricas da Europa e dos EUA, em unidades com maior complexidade.

DINHEIRO ? Se uma etapa da produção vier para Brasil o o governo pagaria menos na compra de Tamiflu?
EGLI
? Não. O Tamiflu que seria negociado no caso de uma pandemia tem um preço fixo no mundo inteiro. Também fizemos uma doação para ONU de 3 milhões de cápsulas e vamos entregar mais 2 milhões neste ano.