capa_01.jpg

REVOLUÇÃO FAMILIAR Os irmãos Jefferson (esq.) e Anderson Birman criaram e reinventaram a Arezzo

 

 

Arezzo, diz o Google, é o nome de uma cidade italiana plantada a meio caminho entre Roma e Florença, na ensolarada região da Toscana. Mas pergunte na cidade gaúcha de Campo Bom, vizinha de Novo Hamburgo, e a resposta será outra. Ali, no coração da região sapateira do Vale dos Sinos, povoada por alemães desde o final do século 19, Arezzo é sinônimo de sapatos e sucesso. A empresa que leva esse nome instalou-se na cidade há sete anos, vinda de Belo Horizonte, e ajudou a mudar a topologia empresarial da região. Além de criar sapatos femininos de grande reputação, a Arezzo inventou um jeito novo de fazer calçados: ela é a única grande companhia brasileira que não tem fábricas. Assim como as grandes marcas americanas, que desde os anos 70 terceirizam sua produção para fora dos Estados Unidos, a Arezzo aluga plantas no Vale dos Sinos para fazer os produtos de que necessita. Livre das preocupações industriais, concentra-se naquilo que considera ser o núcleo do seu negócio ? criação, marketing e comercialização. Não por acidente, é o mesmo e bem-sucedido modelo de negócios da Nike. A Arezzo retira o seu faturamento dos royalties de 39% que recebe em cada nota fiscal emitida em sua rede de lojas. ?O centro do nosso negócio passou a ser a rede franqueada?, diz o mineiro Anderson Lemos Birman, 50 anos, fundador da empresa.

Fotos: Biô Barreira
capa_02.jpg

 

PRÓXIMA GERAÇÃO: Alexandre Birman, 27 anos, no comando de R$ 80 milhões de vendas da Schutz
 

Com 200 lojas espalhadas pelo País, instalada próximo ao topo da pirâmide de consumo, a Arezzo converteu-se em uma máquina de moda. Ela distingue-se no mercado brasileiro por ter uma forte identidade de marca em um cenário dominado por commodities e produtos baratos. Somado à cadeia de lojas exclusivas, esse perfil original permite à Arezzo trabalhar com sapatos de maior valor agregado, como fazem as grandes marcas estrangeiras. E, assim como elas, a Arezzo concentra seus esforços em girar rapidamente os estoques das lojas, lançando quatro novos modelos por dia. Na sede da empresa, em Campo Bom, há uma equipe de 10 estilistas, comandada pela mineira Claudia Narciso, que segue de perto as tendências da indústria mundial de calçados. Na semana passada, Claudia acabara de voltar de uma viagem de seis dias por cinco países europeus, atrás de novidades. O próprio Anderson passa a maior parte da semana no Sul, morando em um hotel barato, para acompanhar pessoalmente o processo de criação de protótipos. Abaixo do seu escritório funciona um ateliê com 50 sapateiros. Ali são feitos manualmente cada um dos modelos imaginados no andar de cima. Aprovar cada um desses projetos é um trabalho que, mesmo depois de 30 anos, Anderson acha difícil delegar ? o que o obriga à cansativa rotina de viagens semanais. ?Aqui no Vale temos a melhor tecnologia industrial, mas a informação da moda está em São Paulo?, diz ele. ?Se morasse aqui eu teria mais conforto, mas seria menos eficiente.?

Agora que o faturamento anual da marca bateu em R$ 200 milhões, e já está se tornando difícil encontrar pontos adequados para novas lojas da marca, o próximo passo é avançar sobre o mercado externo ? não somente com produtos, mas com lojas. Anderson calcula que para entrar com o pé direito no mercado americano, com um volume de vendas que justifique o investimento, é preciso instalar pelo menos quatro lojas. ?Se fizer isso com pressa sai errado?, diz ele, mineiramente. Esses planos cautelosos assentam-se sobre uma longa, turbulenta e, ao final, bem-sucedida experiência empresarial. A marca Arezzo, escolhida com o dedo sobre o mapa da Itália, foi criada há 30 anos. Birman tinha 18 e seu irmão Jefferson, 21. O pai deles, judeu de origem russa, tinha ganho muito dinheiro na construção pesada e perdeu boa parte da fortuna em 1972, no primeiro crack da Bolsa de Valores no Brasil. Os rapazes foram incentivados a criar seu próprio negócio para manter o padrão de vida que mantinham. Em 1973, Jefferson foi abordado por um conhecido, fabricante de sapatos, por conta do modelo Spinelli que levava nos pés. O sujeito disse que era possível fabricar em Belo Horizonte um sapato como aquele, desde que se tivesse o maquinário correto. Noventa dias e US$ 100 mil em gastos depois, nascia a Arezzo. Em vinte anos, porém, os custos industriais de BH tornaram-se proibitivos ? e os irmãos Birman começaram a planejar o movimento que os levaria a reinventar sua empresa. Desativaram gradualmente as linhas de produção de Belo Horizonte (que empregavam duas mil pessoas), colocaram de pé o modelo de terceirização industrial no Vale dos Sinos e, como ponto final, transferiram o cérebro criativo da empresa para Campo Bom, no centro do maior complexo calçadista do Brasil. No Rio Grande do Sul estão 37% das 7.500 fábricas de calçados do País e a metade dos empregos produzidos pelo setor. Em 2002 o Estado exportou 115 milhões de pares, equivalentes a 80% das vendas externas do Brasil. Também funciona ali há 30 anos um sistema de produção introduzido pelos compradores americanos cuja principal figura é o agente. Os cerca de 100 agentes existentes na região fazem a ligação entre os fabricantes locais e seus clientes no Exterior: contratam a encomenda junto ao cliente estrangeiro, distribuem a produção pelas fábricas do Vale e acompanham cada etapa da produção, do teste de protótipos ao embarque da mercadoria. ?Aqui é muito fácil fabricar sapatos?, diz Anderson. ?A região tem isso no DNA.? A Star Export, que administra a produção da Arezzo, é um dos maiores agentes da região. Com apenas 150 empregados, tem sob sua tutela 35 fábricas e comanda uma produção anual de 20 milhões de pares. A empresa tem apenas dois clientes: a Brown Shoes, maior atacadista americano, e a própria Arezzo. ?O Birman se preocupa com a marca e com o cliente. Quem cuida da produção somos nós?, diz Marcio Jung, da Star. É de se perguntar, tendo isso em vista, por que mais empresas não aderem ao modelo americano adotado pela Arezzo. Mesmo Alexandre Birman, de 27 anos, filho de Anderson, mantém no Vale uma companhia de grande sucesso, a Schutz, que opera no sistema tradicional ? tem 750 empregados, fatura R$ 80 milhões por ano e exporta 40% da sua produção. ?O modelo da terceirização requer grande volume, muita experiência de quem contrata e uma relação de confiança entre as duas partes testada por anos?, diz Anderson. ?Nem todo mundo tem isso.?