11/04/2014 - 21:00
Em maio de 2013, o estudante Afanásio Maximiano Guimarães, morador de Rochedo de Minas (MG), invadiu o galinheiro de seu vizinho Raimundo Gomes Miranda. Na ocasião, fazendo jus ao nome, afanou um galo e uma galinha, que custavam R$ 40. Quatro meses depois, o juiz Júlio César Silveira de Castro aceitou a denúncia de crime de furto. Se condenado, Guimarães poderá cumprir pena de um a quatro anos de prisão. A defensora Renata da Cunha Martins, insatisfeita com a decisão, pediu o arquivamento do processo. Ela alega que o valor dos bens em questão é muito baixo.
O pedido foi ciscando de instância em instância até chegar, acreditem, no Supremo Tribunal Federal (STF), jurisdição máxima da Justiça brasileira. Na terça-feira 8, o ministro Luiz Fux deu seu parecer sobre o caso, rejeitando o arquivamento da ação penal contra Guimarães, remetendo-a a instâncias inferiores. Casos como esse, infelizmente, não são raros no STF. Por lá já passaram ações que envolvem furto de barras de chocolate, de porta-moedas e inúmeros ladrões de galinhas, como Guimarães. Esses processos chegam à instância máxima da Justiça brasileira porque os advogados usam o princípio da insignificância.
Trata-se de delitos de baixo potencial ofensivo. Se a lei permite, nada mais justo que utilizem todos os recursos disponíveis para livrar os réus da prisão ou para atenuar suas penas. É inacreditável, no entanto, que não tenham sido criados mecanismos para resolver esses casos em Varas de pequenas causas ou em outras instâncias da Justiça. Essa medida simples ajudaria o STF a destrancar sua pauta e reduziria a montanha de processos que lá se acumulam. No ano passado, o principal tribunal brasileiro recebeu nada menos que 53 mil ações. Em um levantamento de 2013, chegou-se ao espantoso número de 425 mil processos judiciais parados em 14 tribunais à espera de serem julgados pelo Supremo.
Para efeito de comparação, a Suprema Corte americana recebe aproximadamente dez mil petições por ano (chamadas pelo termo técnico de writ of certiorari) e escolhe cerca de 80 (é isso mesmo, 80) para julgar. Não bastasse essa distorção, o STF custa caro em demasia para se dar ao luxo de se ater a casos menores. Por ano, seus gastos chegam a R$ 562 milhões. Essa grana toda sai dos cofres públicos para pagar os salários dos ministros e de seus funcionários, além de todas as despesas operacionais. Em uma conta simples, isso significa que cada um dos 11 ministros custa ao País R$ 51 milhões anualmente.
Vamos combinar: essa dinheirama não deveria ser gasta para julgar ladrões de galinha, em casos que só atravancam a pauta (diga-se, novamente, que eles têm todo o direito de recorrer ao STF, se a lei assim permitir). Sem esses assuntos na pauta, os ministros do STF poderiam investir cada centavo de seu supremo tempo em casos de interesse constitucional ou em demandas que envolvem um grande contingente de pessoas. Não faltam exemplos de temas relevantes que estão parados. Um deles é o julgamento da correção da poupança dos planos econômicos, uma conta que envolve milhões de brasileiros e pode ultrapassar os R$ 300 bilhões, segundo algumas estimativas. Mas existem coisas que só acontecem no Brasil. Esse, infelizmente, é mais um dos absurdos tipicamente nossos.