20/07/2004 - 7:00
DINHEIRO ? Cerca de 60% das vendas de CDs no Brasil já estão nas mãos dos piratas. Qual a saída para as gravadoras?
ANDRÉ SZAJMAN ? Não vejo nenhuma perspectiva positiva. O problema deixou de ser financeiro, de falta de dinheiro. Já é cultural. As pessoas acham normal comprar produto pirata. CDs, DVDs, tênis, perfumes, tudo. O governo devia fazer um trabalho de conscientização e repressão, e isso não está acontecendo. Em São Paulo, os policiais até batem papo com os camelôs que vendem CDs falsificados. É a barbárie. O fato é que o Brasil não é mais um mercado interessante. Virou o 12º do mundo. Já foi o terceiro, movimentando US$ 1,3 bilhão. Atualmente movimenta R$ 600 milhões. Não vejo saída. A pirataria só tende a aumentar.
DINHEIRO ? Mas um CD hoje custa R$ 30. O preço alto não empurra ainda mais o consumidor para a pirataria?
SZAJMAN ? A indústria fonográfica é vítima da incompetência governamental. O setor de entretenimento depende muito do crescimento do PIB. Nosso produto é supérfluo. Na hora do aperto, as pessoas compram feijão e não CD. É um jogo complicado. Na verdade, ninguém gosta de preço alto ? nem o consumidor, nem o lojista, nem as gravadoras. Mas é uma composição de custos. A carga tributária de um CD é de quase 30%. Há também investimentos em marketing, gastos com produção, distribuição, a margem do lojista. Tudo isso entra no preço final. O pirateiro só pega o hit, a música que está bombando nas rádios, e põe para vender. Não dá para competir. O meu preço de venda ao varejo é de R$ 15. Sabe quanto eu ganho por CD vendido? Dois reais.
DINHEIRO ? Esses custos não poderiam diminuir se as gravadoras abandonassem a tática de ?inventar? artistas de qualidade duvidosa e gastar horrores para promovê-los?
SZAJMAN ? Depois da pirataria, o que jogou a indústria fonográfica no poço foi a falta de visão e estratégia de seus executivos. Quantos milhões eles investiram para criar artistas que eram ?cases? de marketing e desapareciam três anos depois? Talvez esses executivos tenham ganhado dinheiro, mas para a indústria isso foi muito ruim.
DINHEIRO ? Onde mais eles falharam?
SZAJMAN ? Ao acreditar que suas companhias devem ser meras vendedoras de CDs, por exemplo. Esse modelo já era. Nós vendemos música. E as pessoas hoje estão consumindo música de várias formas: comprando DVD, baixando no computador, no celular. Mas o foco todo ficou concentrado no CD. Mais preocupados com os próprios bônus do que com o futuro do negócio, os executivos não acompanharam a evolução do comportamento da sociedade. Foi um postura arrogante. Agora estamos pagando o preço de um esquema viciado.
DINHEIRO ? Viciado? Como assim?
SZAJMAN ? A venda de CDs tem dois estágios: da gravadora para o lojista e deste para o consumidor. Só que a venda para o varejo é, na verdade, uma consignação. O lojista pode devolver os CDs que não forem vendidos. Aí mora muita sacanagem. O executivo vendia um milhão de cópias de determinado artista, mas 500 mil retornavam. Só que seus bônus já haviam sido calculados sobre 1 milhão de cópias.
DINHEIRO ? Antes, o principal executivo de uma gravadora era um diretor artístico. Nos últimos tempos, ele foi substituído por diretores financeiros. O que você acha disso?
SZAJMAN ? Para mim, é o fim. Eu não acredito nisso. Nosso negócio é arte e temos que gerir bem essa arte. Não somos um banco com uma divisão que vende CD. Agora, porém, esse é um mal necessário. Cortar custos, mandar gente embora, esse é um trabalho financeiro.
DINHEIRO ? Foi um erro combater o Napster (programa de troca de músicas pela internet) daquela maneira, processando usuários, promovendo uma Inquisição digital?
SZAJMAN ? Totalmente. As gravadoras é que deviam ter fundado o Napster. Na época, havia uma nova mídia surgindo: a internet. Os executivos das gravadoras nem a enxergavam como mídia, sei lá o que eles achavam. A vaca leiteira secou justamente porque esses caras não enxergaram que as coisas estavam mudando.
DINHEIRO ? Mas isso já está sendo corrigido, não? A Sony Music já abriu sua loja virtual.
SZAJMAN ? O problema é que ainda pecam na forma. Tem gravadora que decidiu vender música pela internet e colocou o preço lá em cima. Sai mais caro baixar um CD, que não vem com caixinha e encarte, do que comprar na loja.
DINHEIRO ? O Steve Jobs, dono da Apple, parece ter acertado a mão nesse ponto. Com sua loja de música digital, o iTunes, ele vendeu mais de 50 milhões de faixas em 2003.
SZAJMAN ? Pois é. Foi 70% de tudo o que os americanos consumiram em música digital legal no ano passado. O Jobs diz que o segredo está no preço. Uma faixa deve custar US$ 0,99 e um disco completo, US$ 9,99. Algumas gravadoras querem aumentar os valores, mas ele diz que isso pode matar o iTunes.
DINHEIRO ? As gravadoras ganham dinheiro disponibilizando seus acervos no iTunes?
SZAJMAN ? Acho que não, mas certamente deixam de gastar tanto com divulgação. A Apple paga às gravadoras US$ 0,65 por faixa vendida. Descontados os direitos autorais e outros encargos, sobram US$ 0,10. Nem o Steve Jobs ganha dinheiro com o iTunes. A loja serve mais para vender o tocador de MP3 dele, o iPod. Cerca de 30% da receita da Apple já vem do iPod. Para as gravadoras é mais um instrumento de divulgação. Nós fechamos contrato com eles há dois meses. É importante ter o nosso conteúdo acessível para o consumidor no momento em que ele quiser, onde ele quiser e na forma que ele quiser.
DINHEIRO ? O CD vai morrer? Vai ser totalmente substituído pela música digital?
SZAJMAN ? Morrer, não. Mas suas vendas vão diminuir muito, seguramente. As novas gerações compram bem menos CDs. Para a garotada que nasceu com a internet, baixar música é o processo natural, não ir à loja.
DINHEIRO ? Além da música digital, que alternativas as gravadoras têm para não depender tanto da venda de CDs?
SZAJMAN ? Parcerias com operadoras de celular são o grande negócio do segundo semestre. Usar músicas reais nas campainhas dos celulares, os chamados ?true tones?, é uma febre na Europa. A Sony e a Universal criaram divisões para cuidar só disso. No momento, eu estou liberando com os artistas as suas músicas para celular e conversando com duas operadoras. Já fizemos um teste no Rio de Janeiro com a Oi e foi ótimo: em oito dias, vendemos cinco mil músicas.
DINHEIRO ? E a Trama tem outras fontes de receita?
SZAJMAN ? O lance é trabalhar o artista em todas as frentes possíveis. Temos, por exemplo, um departamento que faz a venda de shows para eles. Normalmente, o artista tem um empresário que fica esperando o telefone tocar para vender um show. Na Trama, nós é que corremos atrás. Isso, aliás, é algo que eu nunca entendi. A grande receita dos artistas vem dos shows. Mas as gravadoras, que investem na produção, na divulgação, em tudo, nunca deram bola para os shows. Hoje, nós ganhamos com os shows de quase todos os nossos artistas.
DINHEIRO ? E isso já representa uma boa fatia do seu faturamento?
SZAJMAN ? Este ano devemos fechar com vendas de R$ 18 milhões, 20% a mais do que em 2003. Os shows ainda são uma parcela pequena. O que está se mostrando um bom negócio é distribuir CDs de selos independentes. Os artistas produzem, gravam e, como não têm estrutura para fabricar e distribuir, nós cuidamos disso. Oferecemos o serviço há um ano e meio e ele já representa 30% da nossa receita. A venda de CDs, 50%.
DINHEIRO ? Está havendo um movimento de grandes artistas se desligando das gravadoras. Lobão, Fernanda Abreu, Gal Costa e agora o Djavan, que acaba de lançar um CD independente. Como você avalia isso?
SZAJMAN ? Para artistas de renome e que têm recursos guardados é interessante e pode funcionar. Para o Djavan é fácil levantar patrocínio e investir do próprio bolso na gravação de um CD independente. Mas li que ele também quer lançar novos artistas. Aí começa a ficar arriscado. O artista tem que estar focado na sua obra, não em marketing, distribuição. De modo geral, eles não têm know-how para isso. Tenho dúvidas quanto ao sucesso de uma verticalização completa. Por isso, essa debandada não é algo com que a indústria deva se preocupar.
DINHEIRO ? Você já pagou jabá (a prática de oferecer dinheiro para que as rádios toquem determinada música)?
SZAJMAN ? Para mim não existe jabá. O jabá historicamente era assim: pegava-se uma mala cheia de dinheiro sem origem, de caixa dois, e a levava para o radialista. Dizia-se para ele: ?Toma aqui para você tocar a minha música?. O jabá foi oficializado. Hoje, você vai à rádio e leva uma música. Se eles gostarem, dizem que custa R$ 20 mil para tocá-la duas vezes por dia durante dois meses.
DINHEIRO ? Mas isso é jabá.
SZAJMAN ? Não é, porque eles dão nota fiscal de mídia. Além de tocar a música, eles dão espaços comerciais na programação, anúncios. Mas me dê licença: isso está errado! Eu não tenho que pagar para tocar p… nenhuma. A rádio é uma concessão pública que está aí para informar, informa mal e só pensa no dinheiro. As rádios hoje, em termos de mídia, perdem para a internet. Investe-se menos em rádio do que na internet. Os donos de rádio têm que repensar o seu negócio.
DINHEIRO ? Mas a Trama participa disso ou suas músicas tocam no rádio porque os programadores gostam delas?
SZAJMAN ? Para estar no jogo de uma forma maior, a rádio é um veículo importante. Mas isso já está aí, não adianta querer criminalizar o jabá. É como a história da numeração dos CDs. Isso não adiantou nada. Só criou mais custo e encareceu o CD para o consumidor. Você pode fabricar mil cópias do CD número 1, mais mil do número 2. Isso lá é controle?