“Nosso tempo está desnorteado. Maldita sina que me fez nascer um dia para consertá-lo”. Assim clama o príncipe Hamlet ao final do primeiro ato da peça homônima de William Shakespeare, após ter conversado com o fantasma de seu pai, que lhe revela o covarde assassinato do qual tinha sido vítima.

Passados mais de quatro séculos, e levando em conta a atual situação em nosso País, é espantoso atentarmos para a atualidade dessa exclamação: nosso tempo está desnorteado. E a amarga sina de enfrentá-lo e procurar evitar desastres continua a ser um grande desafio a todos aqueles imbuídos de responsabilidade de gestão e liderança, seja no lar, nas associações ou nas empresas.

O atual clima de polarização política, agravado pelas tempestades passionais inevitáveis neste contexto, estão afetando todos os ambientes da vida social brasileira, causando estragos incalculáveis que podem trazer consequências nefastas e irreversíveis. No ambiente corporativo, tal fenômeno demanda, e irá demandar cada vez mais, um posicionamento coerente, equilibrado e sábio por parte dos gestores. Já não bastassem as inúmeras questões impostas pela pauta ESG, envolvendo aspectos de conscientização em relação aos temas ambientais, de diversidade e outros característicos da boa governança no contexto atual, o problema da política se impõe como um desafio extra e, certamente, dos mais graves e difíceis.

Neste momento, é bom aprender com Hamlet, que, diante de sua “maldita sina”, em vez de agir de forma sábia e equilibrada, fica paralisado entre o apelo das paixões e o excesso de razão, contribuindo para que tudo termine em tragédia. Mais para o meio da peça, percebendo sua inépcia e incapacidade de resolver satisfatoriamente seus dilemas, Hamlet reconhece em seu súdito e amigo Horácio aquilo que lhe falta: equilíbrio, bom senso. Hamlet louva em Horácio a capacidade de não se deixar levar pelas paixões, e assim conseguir agir de forma serena e eficaz no instante oportuno.

Creio que no atual momento, nunca as lições de Shakespeare poderiam se mostrar mais úteis. No reconhecimento de seu papel de contribuir para a sustentabilidade social e humana no ambiente corporativo, o gestor deve estar muito bem-preparado para lidar com as eventuais tempestades que o contexto de polarização política e ideológica possa desencadear.

Não se trata, obviamente, de adotar o posicionamento cômodo e superficial do velho “futebol, religião e política não se discute”, já que hoje parece ser bem claro que tudo pode e deve ser discutido – na medida em que um dos valores mais importantes seja justamente o desenvolvimento do senso crítico, da capacidade de julgar e decidir cada vez melhor. Por outro lado, é preciso reconhecer que discutir não é uma qualidade inata do ser humano, mas como diria Dostoiévski, “toda uma ciência e uma arte”. Para se fomentar um clima de discussão construtivo e produtivo, é preciso primeiro promover uma educação política, no sentido que propunha a grande filósofa Hannah Arendt.

A sabedoria política deve anteceder a discussão, e um dos pontos fulcrais desta sabedoria é a de se abster da discussão quando se percebe que a força dominante das paixões não encontra o devido tratamento pela instância racional. Para se discutir, é preciso que haja condições favoráveis e oportunas. Uma das grandes tarefas do novo gestor, nesse contexto de promoção da sustentabilidade humana no âmbito de uma governança humanizada, é, sem dúvida, a de fomentar o desenvolvimento dessa educação política fundamentada no equilíbrio e no senso crítico. Porém, o primeiro passo para o bom cumprimento desta missão é o de reconhecer o momento oportuno.

Neste sentido, mais uma vez Shakespeare vem em nosso socorro, por meio de um personagem da peça A Tempestade que faz um contraponto extraordinário a Hamlet: Próspero, o duque traído e exilado de Milão. Baseado na experiência de quem muito viveu e sofreu, Próspero sabe que para consertar as coisas politicamente é preciso esperar o momento oportuno. É preciso esperar que cesse a tempestade.