14/06/2006 - 7:00
“A sociedade está cada vez mais passiva. O brasileiro vota muito mal”
“Kirchner só cria empecilhos. Um ano é a geladeira, no outro é o sapato”
DINHEIRO ? A economia brasileira está crescendo, mas abaixo do que deveria. Qual o motivo?
HÉLIO MAGALHÃES ? O Brasil só será bem-sucedido na hora que conseguir ocupar um espaço significativo nos negócios no mundo. O problema é que o progresso que temos feito ? a estabilidade democrática e a solidez macroeconômica ? não tem nos impulsionado em termos de competitividade. Os emergentes todos têm problemas. A China, a Índia, a Rússia e o México têm problemas. Só que eles têm caminhado numa velocidade muito maior do que a nossa.
DINHEIRO ? O País está perdendo chance de crescer?
MAGALHÃES ? Há 20 anos, o Brasil tinha 1,5% das importações americanas. Hoje, tem menos de 1%. Os Estados Unidos continuam importando e alguém ocupou esse espaço. Brasil e China exportavam a mesma coisa na década de 80. Agora a China exporta seis vezes mais. O fato é que crescemos menos porque nos falta uma estratégia comercial.
DINHEIRO ? Para o governo ela existe. É a diversificação dos mercados que o Itamaraty apresenta como positiva…
MAGALHÃES ? Acho válida a diversificação de mercado, mas não são esses acordos que vão colocar o Brasil no nível de relevância que poderia. As exportações para a África no ano passado foram de US$ 4 bilhões contra US$ 22 bilhões para os Estados Unidos. A situação do Brasil é muito ruim. Não progredimos no Mercosul e em Doha, desprezamos a Alca e não buscamos acordo bilateral com o maior mercado do mundo. É como abrir uma loja e afirmar: rico não entra.
DINHEIRO ? É política equivocada?
MAGALHÃES ? Acho é que há uma mistura de ideologia na política externa que atrapalha. Não posso descartar um parceiro só porque ele tem uma ideologia diferente da minha. Os Estados Unidos são o maior mercado mundial. Só no ano passado 23% das exportações brasileiras foram para os americanos. Poderia ser mais se tivéssemos um acordo funcionando.
DINHEIRO ? O sr. se refere à Alca ou a um acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos?
MAGALHÃES ? Tanto nos Estados Unidos como no Brasil não se quis avançar a Alca. O Brasil priorizou o Mercosul, que não progrediu como deveria. Ao contrário, o que se vê é um Brasil perdendo em todas as discussões. A Argentina cria regras para se proteger e o Brasil as aceita com certa freqüência. Assim abre mão de ter um comércio saudável no Mercosul.
DINHEIRO ? O Mercosul acabou?
MAGALHÃES ? Por causa do Mercosul o Brasil está preso num bloco e não pode ir para um acordo bilateral. Esse bloco não tem feito progressos. O Uruguai está saindo, o [Néstor] Kirchner só cria empecilhos ? um ano é a geladeira, no outro é o sapato. Num acordo de livre comércio não se pode ter proteção como as que a Argentina impõe.
DINHEIRO ? Como o sr. viu o embate com a Bolívia?
MAGALHÃES ? O Itamaraty adotou uma estratégia equivocada na América Latina. Não se é líder porque se quer. Líder se é. Essa estratégia gerou inimizade entre os que deveriam apoiar a gente. Essa busca por liderança tem de ser repensada sob o ponto de vista estratégico. O que é melhor para o Brasil em termos de perspectivas de comércio?
DINHEIRO ? Há outros erros?
MAGALHÃES ? A idéia de querer sentar no Conselho de Segurança da ONU. Temos problemas sérios de segurança em São Paulo. Para que sentar na ONU? Isso colocou México e Argentina contra nós. Claro que diversificação de mercado é importante, mas vender para quem compra pouco vale a pena? Comércio é um negócio. Não se pode misturar isso com bandeira, partido.
DINHEIRO ? Isso é estratégia do PT?
MAGALHÃES ? Tem a ver com a ideologia do governo e do partido do governo. Tenho certeza que se o presidente não quisesse que essa política fosse implementada ela não seria. São quatro anos de governo a ser completados. O que ganhamos? Exportamos 30% mais? Isso não aconteceu por causa dessa política. Foi por causa da competitividade que adquirimos, especialmente nos últimos 20 anos.
DINHEIRO ? O superávit comercial é positivo?
MAGALHÃES ? Sim. Mas relativamente não ganhamos nada. O saldo comercial é uma evolução. Além disso, os preços favoreceram o Brasil e nós exportamos muito. Mas o fato é que poderíamos ter aumentado muito mais as exportações.
DINHEIRO ? O que o sr. espera do próximo governo?
MAGALHÃES ? Vai depender de quem venha a ser o próximo governo e dos compromissos que serão assumidos na campanha.
DINHEIRO ? Lula está à frente nas pesquisas… MAGALHÃES ? A campanha política não começou ainda. O presidente ainda não declarou oficialmente sua candidatura, o PSDB está se articulando. Outra coisa: o brasileiro não vai prestar atenção nessa eleição enquanto ela não for para a televisão e enquanto não acabar a Copa. Estamos em plena Copa do Mundo e o Brasil vai parar para assistir.
DINHEIRO ? A Amcham vai apoiar qual candidato?
MAGALHÃES ? A Amcham não tem partido político. Não temos cor. Queremos apresentar propostas que ajudem a melhorar o ambiente de negócios do País. Colaborar com o debate político para melhorar a competitividade.
DINHEIRO ? De que forma?
MAGALHÃES ? É preciso reduzir a carga tributária, definir os marcos regulatórios e estimular investimentos em infra-estrutura. Nós vemos o custo do Estado como um problema muito mais sério que a taxa de juros. Nós criticamos os que batem na taxa de juros porque eles batem na causa errada.
DINHEIRO ? Qual é a causa certa?
MAGALHÃES ? É o custo do Estado. A taxa de juros é conseqüência. Com um Estado mais enxuto, taxa tributária menor e uma economia estável, a taxa de juros não precisaria ser tão alta.
DINHEIRO ? Qual a saída?
MAGALHÃES ? A expansão do Simples é uma saída, ao lado da reforma na legislação trabalhista e do combate à pirataria. É preciso ainda definir os marcos regulatórios de setores como o de energia e telecomunicações e recuperar o poder de ação das agências reguladoras. Elas perderam poder e ficaram paralisadas nos últimos anos.
DINHEIRO ? São temas que estão há tempos na pauta do Congresso e que não avançam…
MAGALHÃES ? A gente pode começar por pequenas coisas. Sei que as reformas trabalhista e tributária não são fáceis de ser aprovadas. Mas o fato é que não se avança quando União, Estados e Municípios querem ganhar. Alguém vai ter de ceder.
DINHEIRO ? Qual o principal efeito negativo disso?
MAGALHÃES ? Inibe investimentos. Todo investidor procura retorno e segurança nas regras do jogo. Sem retorno, não investe. Sem investimento não há emprego, distribuição de renda nem redução da criminalidade. Eu acho que o exemplo hoje não é positivo.
DINHEIRO ? O sr. parece pessimista…
MAGALHÃES ? O Brasil vive um bom cenário e o capital virá para cá. Não temos condições de resolver o problema de infra-estrutura sozinhos. Teremos que atrair investidores externos e para isso é preciso ter regras claras.
DINHEIRO ? É outro problema?
MAGALHÃES ? Não estamos aqui para julgar o governo, mas é fato que não caminhamos nos marcos regulatórios e infra-estrutura. Também não temos metas. O que queremos ser daqui a dez anos? E isso tem de ser feito para tudo, especialmente para a educação. Não existe país no mundo que tenha se desenvolvido sem investir em educação.
DINHEIRO ? Tem a ver com a qualidade da gestão?
MAGALHÃES ? Acho que é muito importante o Brasil passar por uma discussão estratégica do que nós queremos para que se faça um choque de gestão pública. Hoje, o próprio governo reclama que não consegue avançar na velocidade que gostaria. A dúvida que fica é se o governo depois desses quatro anos de mandato aprendeu quais foram os problemas e se, uma vez reeleito, vai fazer mudanças.
DINHEIRO ? Quem entre os candidatos apresenta melhores condições para efetivar essas mudanças?
MAGALHÃES ? Eu não vejo do governo atual sinal de que haverá uma mudança drástica do ponto de vista da competitividade. A tendência é discutir muito mais as situações específicas da pobreza, dos programas sociais, do que tentar montar uma estratégia que possa abranger ou ter uma amplitude maior que os programas específicos.
DINHEIRO ? E outro candidato?
MAGALHÃES ? Um governo que venha da oposição nos dá apenas uma certeza: não vai haver ruptura da política econômica. O Brasil não vai passar por aventura macroeconômica, sendo governo Lula ou Alckmin. Vai existir continuidade. Mas o fato é que precisamos de muito mais do que isso.
DINHEIRO ? Do quê?
MAGALHÃES ? O fato é que ninguém ? nem o Lula, nem o Alckmin ? vai conseguir sozinho. A sociedade tem de pressionar o Congresso. O problema é que a sociedade está cada vez mais passiva, as pessoas não se indignam mais. Além disso, o brasileiro vota muito mal. Será um sinal muito negativo se os deputados envolvidos com o escândalo do mensalão forem reeleitos. Sem ética nada será resolvido neste país.