O desempenho da indústria brasileira vai depender do crescimento da economia mundial, na avaliação do ministro Mauro Borges, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Ele não arrisca um número, mas lembra que o mundo vai crescer neste ano mais do que em 2013, beneficiando o Brasil. “É inevitável que uma retomada da economia mundial aumente nossas exportações”, afirma Borges. No cargo há pouco mais de dois meses, o economista mineiro estava no comando da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), órgão subordinado ao MDIC e no qual foi gestada a política de conteúdo nacional para o setor automotivo, que ele defende e vem sendo questionada pela União Europeia. Sem motivo, a seu ver. “Toda vez que um país emergente se propõe a ter uma política de adensamento da cadeia produtiva, há uma reação de quem sempre fez o mesmo”, diz nesta entrevista à DINHEIRO. “Como se a gente não tivesse direito.”

DINHEIRO – O câmbio estava bem favorável ao exportador no início deste ano, em torno de R$ 2,40, mas agora já caiu para R$ 2,20, e a volatilidade voltou. Qual é o câmbio ideal para o Brasil ser competitivo no comércio exterior?
MAURO BORGES –
Não existe um câmbio ideal. O câmbio competitivo é um que não seja volátil. A política muito acertada do Banco Central de se antecipar e dar liquidez para o mercado tem sido decisiva para a estabilidade do dólar no Brasil na comparação com outros países emergentes. Como todos os países emergentes, estamos operando com um novo patamar da moeda.

DINHEIRO – A indústria estava começando a crescer neste início de ano. Essa volatilidade cambial não pode prejudicar a recuperação do setor?
BORGES –
Não acredito que a volatilidade tenha voltado. Acho que estamos caminhando para uma estabilidade da política monetária americana. A calibragem do tapering (retirada dos estímulos monetários nos EUA) está sendo feita agora, e só agora ficou claro que a recuperação americana será um processo mais demorado. E foi isso que levou a um ajuste nos mercados emergentes. Esse patamar, de R$ 2,20, é um patamar de maior estabilidade.

DINHEIRO – A ação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) teve interferência menor no mercado do que se esperava?
BORGES –
Já estava precificado. O Fed vinha dando sinais, há algum tempo, de que o tapering poderia ser recalibrado. Acredito que o mercado de câmbio foi reprecificando os ativos. Aqui no Brasil, eles ficaram muito atrativos para o capital estrangeiro.

DINHEIRO – O Brasil está barato?
BORGES –
Está relativamente barato. O País esteve muito caro no período da crise. O processo de apreciação do real tornou o Brasil muito caro em relação a outros emergentes e agora estamos caminhando para um ponto de equilíbrio. Se olharmos o movimento das bolsas, vemos ativos de altíssima qualidade no Brasil com preço abaixo do que seria o valor real. Do ponto de vista da indústria, estamos caminhando para um momento de estabilidade.

DINHEIRO – E isso significa uma indústria crescendo em que nível?
BORGES –
A recuperação da atividade industrial no Brasil depende da recuperação da economia mundial. Todas as previsões indicam que o mundo vai crescer neste ano mais do que cresceu no ano passado e vai crescer no próximo mais do que neste ano. É um processo relativamente lento, mas firme.

DINHEIRO – Um balanço da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostra que, no ano passado, o Brasil teve aumento nas importações, enquanto as exportações permaneceram estáveis. Ou seja, está diminuindo a fatia do País no comércio mundial.
BORGES –
Depende de como se olha. Há 20 anos tínhamos uma participação de 0,5% no comércio mundial. Hoje temos 1,5%, 1,3%, dependendo dos termos de troca. É uma mudança substancial. O nível de inserção do Brasil na economia mundial se aprofundou muito nesse período, e isso veio para ficar. Temos uma balança estruturalmente superavitária, se tirarmos a conta petróleo. E esse déficit na conta petróleo logo vai mudar, com o esperado aumento da nossa produção interna. É inevitável que uma retomada da economia mundial aumente as exportações brasileiras.

DINHEIRO – E isso vai acontecer durante o ano de 2014?
BORGES –
Oxalá. Tomara que aconteça.

DINHEIRO – Quando o petróleo vai deixar de impactar negativamente a balança? No ano passado, o déficit foi de US$ 20,2 bilhões.

BORGES – As previsões, tanto da Agência Nacional do Petróleo (ANP) quanto da Petrobras, indicam que a produção nacional vai aumentar neste ano. A manutenção das plataformas antigas está acabando, elas estão voltando a produzir normalmente, e o volume extraído do pré-sal também está crescendo. Com isso, haverá uma redução na importação líquida de petróleo. Mas é muito difícil prever o ritmo.

DINHEIRO – Neste ano, o petróleo ainda terá um impacto negativo na balança comercial?
BORGES –
A conta petróleo é que vai definir o tamanho do nosso superávit (no ano passado, ficou em US$ 2,56 bilhões, o menor desde 2000). O déficit será menor e com isso o superávit será maior do que no ano passado.

DINHEIRO – O governo pensa em novas desonerações para este ano?
BORGES –
Este é um ano de um esforço fiscal importante, para manter os fundamentos da economia. Não temos nenhuma previsão de nova renúncia fiscal. O ministro Guido Mantega (Fazenda) já disse isso. Mas a política industrial é muito mais do que isso. Ela é baseada numa política consistente de desenvolvimento tecnológico, de adensamento das cadeias produtivas, de aumento da produtividade.

DINHEIRO – A produtividade está aumentando no Brasil?
BORGES –
Está aumentando. Mas depende de escala industrial. Uma vez que a indústria volte a ter um crescimento mais consistente, teremos ganhos de escala e de produtividade.

DINHEIRO – Uma parte da política industrial brasileira, que é o incentivo à produção nacional, está sendo questionada pela União Europeia, na OMC. O sr. acredita que os europeus vão abrir uma reclamação?
BORGES –
Considero que é improvável, uma vez que o que temos praticado, em termos de adensamento tecnológico de cadeias produtivas, é amplamente praticado por diversos membros da OMC, entre eles países europeus e Estados Unidos. Acredito que as reclamações são pouco consistentes. Mas, toda vez que um país emergente se propõe a ter uma política de adensamento da cadeia produtiva, há uma reação de quem sempre fez o mesmo. Como se a gente não tivesse direito de praticar políticas desse tipo.

DINHEIRO – Essa política industrial está dando certo, está trazendo mais investimento?
BORGES –
Está dando muito certo. O Brasil tem consistentemente atraído investimentos de alta qualidade. Inclusive o investimento estrangeiro direto tem contribuído para a estabilidade da balança de pagamentos. Essa política de adensamento das cadeias tem sido fundamental para dar consistência ao tecido industrial brasileiro.

DINHEIRO – A Argentina mudou de postura em relação ao Brasil? O sr. nota uma postura mais amigável nas negociações?
BORGES –
Desde que assumi o ministério, a Argentina tem tido uma postura propositiva e de cooperação. Tanto no que toca à oferta comum do Mercosul para o acordo de livre comércio com a Europa quanto ao comércio bilateral e ao acordo automotivo.

DINHEIRO – Como está a negociação para a renovação do acordo automotivo?
BORGES –
O acordo atual vence em julho, e estamos vendo a possibilidade de renová-lo por mais 12 meses, nos moldes atuais, enquanto negociamos um aprofundamento da integração da cadeia automotiva. Já tivemos uma reunião e temos outras programadas.

DINHEIRO – Qual é a sua expectativa para o acordo Mercosul-União Europeia?
BORGES –
Altamente positiva. Nós conseguimos convergir com a Argentina numa oferta comum. Estou muito otimista e acredito que vamos apresentar uma oferta bastante competitiva aos europeus, entre o fim de maio e o início de junho.

DINHEIRO – Esse acordo pode colocar o Brasil num outro patamar de abertura comercial e comércio exterior?
BORGES –
Sem dúvida nenhuma. O Brasil já é um grande player no comércio internacional e vamos aprofundar ainda mais essa inserção comercial.

DINHEIRO – O Brasil vai tentar negociar outros acordos de livre comércio?
BORGES –
O Brasil já tem acordo de complementaridade econômica com quase todos os países da América Latina.

DINHEIRO – E pretende negociar com outras regiões? O Mercosul tem acordos com 15 países, enquanto a União Europeia mantém 48 acordos do gênero.
BORGES –
Nossa maior expectativa é a volta das negociações para um acordo multilateral, no âmbito da OMC. Houve avanços nesse sentido, na reunião de Bali, inclusive com a nossa contribuição. O Brasil adota uma política de acordos regionais como uma política subsidiária que consideramos ideal, aquela na qual todo mundo ganha, que é o acordo multilateral de Doha. Nosso padrão de acordos comerciais é mais parecido com o americano, que tem um número menor. Para um país de grande dimensão, o processo de realização de acordos é mais complexo.

DINHEIRO – Estados Unidos e União Europeia estão negociando um acordo de livre comércio. Se formarem esse bloco, o Brasil não fica de fora de um grande mercado?
BORGES –
Não estamos no mundo das suposições. Na realidade, estamos muito mais avançados do que os Estados Unidos no acordo com a União Europeia, apesar de toda a propaganda que se faz. Já temos na mesa uma possibilidade concreta de realização de acordo muito maior do que eles.