28/03/2022 - 14:50
Problemas complexos não costumam ocupar a agenda midiática cotidiana. O que sempre será um problema, pois forçar seu debate é parte da solução. Nesse cenário é que deve ser colocada a junção de três indicadores: o crescimento-envelhecimento populacional + os preços da medicina. A inflação específica da saúde será pelo menos o dobro da inflação média no mundo. Enquanto a variação global de preços está em 4,4%, de acordo com relatório do Morgan Stanley Research baseado em dados do Haver Analytics, os custos (e não os preços) na saúde chegam a 8,1%, segundo a Global Medical Trends Survey 2022, da Willis Towers Watson (WTW). Um padrão que deve se manter no médio prazo.
O problema, porém, se agrava em regiões mais pobres e desiguais. À medida que os custos devem subir 6,7% na Europa e 7,6% nos Estados Unidos, avançarão 10,6% em países de África & Oriente Médio e 14,2% na América Latina. Três em cada quatro companhias da área de seguro saúde ouvidas na pesquisa (participam mais de duas centenas de companhia líderes de 61 países) dizem que os preços seguirão elevados pelo menos nos próximos três anos além de 2022.
+ Precisamos abandonar nosso modelo de saúde caro, reativo e ineficiente
De acordo com a pesquisa, o câncer – que sempre ocupou as primeiras posições nos levantamentos anteriores e só perdeu o posto durante a pandemia por tratamento adiados – continua sendo o principal indicador que afeta os custos médicos, seguido por distúrbios cardiovasculares e
musculoesqueléticos. Além disso, alguns tratamentos que afetam partes consideráveis das populações não são cobertos por planos privados. Mais da metade das apólices de grupo, independentemente do tamanho, têm exclusões para alcoolismo e uso de drogas (52% a 53%), por exemplo. O que faz esse tipo de tratamento tombar para o setor público.
No caso brasileiro, apesar da excelência do modelo SUS, ele tem gargalos quase inevitáveis para atender 75% dos brasileiros que não têm acesso à saúde privada. Uma legião de 150 milhões a 160 milhões de pessoas – equivalente à oitava maior população do planeta, maior que Rússia, Japão e México, por exemplo. O SUS da vacina está para o SUS do dia a dia dessas pessoas como o metrô de domingo para um paulistano está para o metrô na Linha Vermelha, que atende a Zona Leste da cidade, nas horas de rush. É o mesmo sistema com experiências opostas.
Como vivemos num mundo que não só fica maior (de 7,9 bilhões hoje para 9,7 bilhões em 2050, segundo a ONU), mas igualmente fica mais velho (a expectativa média de vida de 73,4 anos hoje subirá mais 4,2 anos até 2050, segundo o site Statista), o tempo de cobertura de saúde precisará se esticar. Junte isso ao fato de que os custos da medicina não devem dar sossego, a questão é matemática: não haverá dinheiro. Na pesquisa da WTW as seguradoras classificaram as redes contratadas de provedores (75%) e a pré-aprovação para serviços de internação (67%) como os dois principais métodos de gerenciamento de custos. E aí vem o que deve ser a solução, a telemedicina. Com 63% de citações, o tema subiu do quinto lugar na pesquisa realizada em 2020 para o terceiro na de 2021, mostrando que mais companhias do setor reconhecem o potencial da telemedicina para melhorar o gerenciamento de custos.
É inevitável fazer com que as soluções tecnológicas abracem a saúde – e a saúde pública em particular – para não termos de discutir em três ou quatro anos o SUS do jeito porco que foi discutida a Previdência. Porque essa mudança não passa apenas pela tecnologia, ela envolve mudança de regulações e principalmente de comportamentos. Leis que regulem portabilidade de dados clínicos e campanhas de educação maciça para dar sustentação a mudanças de hábito, tanto de pacientes quanto da classe médica, estarão igualmente nessa agenda. Uma agenda de Guerra.