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“Temporão erra ao atribuir à mídia o problema do consumo de bebidas no País”

 

 

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“O prefeito Kassab exclui um setor de comunicação de forma drástica”

 

 

DINHEIRO ? O Brasil é uma potência criativa em publicidade. Podemos falar o mesmo sob o viés de negócios?
JOSÉ CARLOS DE SALLES NETO ? Do lado criativo, realmente, não devemos nada para nenhum país do mundo. Em qualidade de mídia, também não. Mas em negócios perdemos de lavada. Enquanto nos Estados Unidos o investimento gira em torno de US$ 200 bilhões, aqui a verba publicitária é de US$ 12 bilhões.

DINHEIRO ? Isso porque no ano passado o Brasil subiu uma casa no ranking dos países que mais investiram em publicidade chegando à sétima posição…
SALLES NETO ? Mas ainda há muito espaço para evoluir. Para se ter uma idéia, enquanto nos países desenvolvidos o investimento em comunicação varia de 1,5% a 1,7% do PIB, aqui gira em torno de 1%.

DINHEIRO ? Ainda assim, não param de surgir agências no Brasil. Em curto prazo qual será o comportamento do mercado?
SALLES NETO ? Nos próximos anos o crescimento deve ser cadenciado. Em uma perspectiva de crescimento de 5% do PIB, como prevê o governo, o mercado publicitário deve crescer de 8% a 10% ao ano. Mas o desempenho do setor está muito atrelado à economia, para o bem e para o mal.

DINHEIRO ? E a mídia digital? A publicidade online funciona?
SALLES NETO ? A mídia online, esta sim, além de crescer ano a ano, o fará de maneira vertiginosa. Só no primeiro semestre, a publicidade na internet cresceu 30%. Mas temos que considerar que a sua participação é muito pequena e não chega a 2% da verba publicitária.

DINHEIRO ? Neste ritmo a participação mudará rapidamente…
SALLES NETO ? Sim, a cada três anos a internet deve duplicar sua performance no mercado.

DINHEIRO ? O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, quer censurar a propaganda de cerveja. Como o sr. avalia essa briga entre governo e a indústria cervejeira?
SALLES NETO ? Acho que é inoportuna e inadequada. O ministro Temporão está fazendo tempestade em copo d?água. Na verdade, o mercado publicitário tem um instrumento que é referência mundial: o Conar (Código de Auto-regulamentação Publicitária). Esse código estabelece todas as normas para o setor e é obedecida fielmente pelo mercado. Ali, inclusive, tem regras para o mercado de bebidas. Se existe alguma mudança a ser feita, esse assunto deve ser debatido no Conar. Basta o ministro sentar junto ao mercado e, se houver a necessidade, mudamos a regra de maneira simples e rápida.

DINHEIRO ? O sr. seria a favor ou contra uma restrição maior na publicidade de cerveja?
SALLES NETO ? Eu sou contra. O problema da bebida no Brasil não é da propaganda. Não que a propaganda não estimule venda. Ela é feita para isso. Mas o problema é a venda de álcool para menores e para pessoas que estão dirigindo. E esses temas são de responsabilidade do governo. Se estiver dirigindo bêbado, vai para a cadeia. Ponto. É menor de idade? Então vai para a cadeia quem bebeu e quem vendeu. Agora, o governo não tem poder fiscalizador e quer impingir o problema para a indústria da propaganda. Isso é um absurdo.

DINHEIRO ? Recentemente, um anúncio da Peugeot que usou a ministra do Turismo, Marta Suplicy, foi censurado e saiu do ar.
SALLES NETO ? A ministra foi extremamente inconveniente e imprópria naquele momento. Ela disse publicamente a frase ?Relaxa e goza?, e quando se é uma pessoa pública, evidentemente, tudo o que se fala fica à disposição no mercado. A agência utilizou uma frase mal colocada para fazer propaganda de oportunidade. Não há nada de errado com isso, muito pelo contrário. E até onde eu sei não houve censura. Esse tipo de anúncio tem um tempo certo para circular e é um prazo curto. Depois perde impacto.

DINHEIRO ? O projeto da TV pública, comandada pelo ministro Franklin Martins, foi vendido como uma grande novidade. Mas não é fato que essa TV já existe?
SALLES NETO ? Acho que eles estão reinventando a roda. TV pública para noticiar fatos do governo não goza de credibilidade absolutamente nenhuma, já que é parcial. E, se é para ficar anunciando fatos como faz a Hora do Brasil, vira um negócio sem audiência alguma. Então a TV pública vai ter um papel medíocre, sem nenhum significado maior. E o objetivo de levar a informação do governo para o público não vai ser cumprido como se espera. Fora que esse papel a mídia já cumpre com muita competência.

DINHEIRO ? Na história recente do País, houve uma certa promiscuidade entre poder público e alguns publicitários. Essa relação é conturbada. Como tratá-la?
SALLES NETO ? Dentro das normas estabelecidas com honestidade. Se houve algum deslize por parte de alguns, é lamentável. Mas não dá para generalizar

DINHEIRO ? As regras do poder público para a contratação de serviços publicitários são bem estabelecidas?
SALLES NETO ? A contratação do governo é via licitação. E, no caso de agência de propaganda, o valor não é o que pesa. O valor é diferente de uma agência para outra, mas a qualidade também. Além disso, neste caso, há um envolvimento de pessoas que precisam ter afinidade de idéias. Não estou dizendo que deve haver um favorecimento de amigos. A licitação deve indicar caminhos, mas depois tem que ter uma avaliação pessoal. Tem gente que diz que o governo favorece a agência que trabalhou na campanha. Mas, óbvio, que se uma agência trabalhou em uma campanha é porque há afinidade de idéias, de propostas. Agora tudo isso tem que ser feito de maneira clara.

DINHEIRO ? Outro assunto polêmico foi a decisão do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, de retirar toda a publicidade externa da cidade. Como o sr. avalia o projeto Cidade Limpa?
SALLES NETO ? Acho que o prefeito Gilberto Kassab determinou a exclusão de um setor de comunicação de uma maneira drástica. Talvez isso pudesse ter sido mais bem negociado e administrado para não reduzir de 100 para zero. De outro lado, acho que os empresários desse setor foram extremamente irresponsáveis. Abusaram da exposição da mídia e não souberam auto-regulamentar a atividade. Há críticas para os dois lados.

DINHEIRO ? Na opinião do sr. São Paulo ficou melhor ou pior depois do projeto Cidade Limpa?
SALLES NETO ? Acho que não ficou melhor nem pior. Acho que vai ficar bom.

DINHEIRO ? Por quê?
SALLES NETO ? A limpeza total tira um pouco do brilho da cidade. Um painel, um back light bem produzido, bem localizado, com uma iluminação diferenciada dá um ar de grande metrópole para a cidade. Por outro lado, não dá para ser do jeito que era. Na hora que essa regulamentação for feita, vamos chegar a um ponto benéfico para todos.

DINHEIRO ? E nas mídias tradicionais? Podemos esperar alguma grande mudança?
SALLES NETO ? Começanos a registrar o surgimento de uma nova tendência que chamamos de advertorial, uma mistura do editorial com o comercial. Na verdade, é a produção de matérias que privilegiem alguma empresa ou produto. É uma prática que começa a ser implantada, mas que precisa ser feita com cuidado pelos meios de comunicação. Se a mistura acontecer indiscriminadamente, a credibilidade do trabalho editorial poderá ser prejudicada.

DINHEIRO ? Uma novidade já em curso no Brasil é o jornal gratuito. Por que eles demoraram tanto para chegar e qual será o papel deles?
SALLES NETO ? Eles demoraram para chegar porque as classes A e B dificilmente usam transporte coletivo, como acontece em outros países. Assim, eles seriam distribuídos somente para classes C, D, E, que têm um poder de consumo menor. Para driblar isso, a distribuição mudou e os pontos de entrega são cruzamento com grande número de carros. Eles terão que fazer um forte trabalho para se posicionar no mercado, para criar uma imagem positiva e, a partir disso, conseguir uma melhor participação na distribuição das verbas.

DINHEIRO ? No meio digital, a grande novidade foi o Second Life, que se tornou alvo de comunicação de grandes empresas. Esse canal é eficiente? SALLES NETO ? Não. O boom foi pelo lançamento. Tudo o que é novo atrai a atenção. Em pouco tempo ele será só mais um instrumento na internet.

DINHEIRO ? Existem chances dos bureaus de mídia, muito comuns no Exterior, chegarem ao Brasil?
SALLES NETO ? Em curto prazo, é impossível. Dentre outras razões porque os meios de comunicação têm um pacto de não trabalharem com bureau de mídia no Brasil.

DINHEIRO ? Na semana passada, a família Bancroft vendeu o Grupo Dow Jones para o bilionário Rupert Murdoch. Como o sr. avalia essa operação? SALLES NETO ? O Murdoch, um megaempresário da comunicação, tem utilizado seu império da maneira mais descarada possível para favorecer seus negócios privados. Hoje ele têm o The Wall Street Journal na mão, e, se ele utilizá-lo para estes mesmos fins, vai ser uma perda muito grande para o mercado e para ele como empresário. Tomara que ele perceba que manter a credibilidade do The Wall Street Journal pode ser uma ferramenta mais importante e poderosa do que se ele o usar em prol de seus interesses particulares.

DINHEIRO ? Ele chegou a assinar um acordo garantindo a independência editorial do jornal…
SALLES NETO ? Na hora da negociação, o executivo acaba aceitando uma série de regras que favoreça a viabilidade da operação. No começo, Murdoch pode tentar trabalhar com essas nova norma, mas a história dele mostra uma intervenção direta na redação das suas publicações. Credibilidade se constrói com o tempo, a grupo Dow Jones conseguiu chegar lá, e, com o Murdoch tudo isso pode ruir.