24/07/2002 - 7:00
No Japão antigo, o samurai que caía em desgraça frente a seus pares era condenado a vagar pelo mundo, tal como um cavaleiro errante. Apelidados de ronin, esses guerreiros dificilmente conseguiam recuperar o prestígio, o poder e a admiração. A crise econômica, que há mais de cinco anos jogou a economia do Japão no mais profundo processo recessivo do pós-guerra, fez emergir uma nova categoria de ronin. O líder desse exército é o empresário Isao Nakauchi, de 79 anos. Criador e supremo dirigente de um império composto por mais de 300 empresas ? que incluem desde os segmentos varejista e hoteleiro até mesmo um estádio e um time de beisebol ?, Nakauchi atingiu o Olimpo no início da década de 90, quando tornou-se o maior empregador do país, com faturamento anual de US$ 40 bilhões. A derrocada do modelo econômico japonês, no entanto, fez o veterano empresário vergar os joelhos sob o peso de uma dívida de US$ 17,6 bilhões. No início deste ano, com a falência batendo-lhe à porta, o velho samurai começou a sair de cena e a preparar sua longa jornada de cavaleiro errante. Na segunda-feira 14 veio o golpe derradeiro. Para viabilizar o projeto de reestruturação dos débitos ? que contou com a participação do governo japonês ? Nakauchi e herdeiros aceitaram ceder parte do controle da cadeia de lojas Daiei aos bancos credores: Mizuho, Sumitomo Mitsui e UFJ. A rede foi por muito tempo a meca do consumo japonês, uma espécie de Wal-Mart asiática com 356 lojas no país. Da solidez do passado, sobrou um rombo superior em US$ 2,5 bilhões aos ativos da Daiei.
Sem freio. A iminente perda do controle acionário da Daiei representa um duro golpe para a família. Afinal, foi com esta bandeira que Nakauchi se tornou um dos mais prósperos empresários do país. Depois de servir ao Exército na II Guerra Mundial, ele voltou para casa, em 1945, e assumiu o comando da pequena farmácia da família na região de Kobe. As duras lições da guerra moldaram seu caráter empresarial. Em sua bíblia só cabiam dois mandamentos: ?nunca confie em ninguém? e ?o segundo colocado é sempre um perdedor?. Arrasado por duas bombas atômicas, o Japão tornou-se um campo fértil para empreendedores ousados. ?À exceção de drogas e mulheres ele negociou de tudo no mercado negro?, conta Shinichi Sano, biógrafo do magnata.
Após consolidar-se no segmento varejista, ele partiu, então, para um ambicioso projeto de diversificação. Montou redes de salões de beleza e restaurantes; comprou um shopping center no Havaí e, por fim, gastou US$ 1 bilhão na construção de um estádio e na formação de uma equipe de beisebol. A fúria expansionista, financiada pelos bancos, tinha como lastro os imóveis e terrenos amealhados por Nakauchi até a década de 80. Com a implosão do mercado imobiliário, uma boa parte dos ativos do Grupo Daiei virou pó e as dívidas subiram à estratosfera. Ainda assim, ele se recusou a pisar no freio. Em 1994, comprou os três maiores rivais no varejo. E foi essa manobra que precipitou o naufrágio do conglomerado. Sem outra alternativa, o magnata procurou os bancos para negociar. Abriu mão da fatia de 8,7% das ações que detém no grupo e renunciou até ao generoso plano de aposentadoria bancado pela Daiei, no valor de US$ 17,4 milhões, para ajudar na capitalização do império. Na pele de um ronin contemporâneo ele segue pela estrada apenas com os poucos bens que lhe restaram.