02/01/2015 - 14:00
O presidente mundial da suíça Nestlé, o belga Paul Bulcke, conhece bem o mercado sul-americano. Ele trabalhou na região por 16 anos, nas décadas de 1980 e 1990, atuando como executivo da multinacional no Peru, no Chile e no Equador. A temporada foi longa o suficiente para que Bulcke passasse a nutrir uma grande empatia pelo continente. “Morar aqui por um extenso período foi um privilégio”, afirmou o CEO, que esteve no Brasil em dezembro para anunciar a construção de uma nova fábrica na cidade de Montes Claros, em Minas Gerais. “Para conhecer a região, de verdade, é preciso viver nela.”
Nesse quesito, Bulcke excedeu a rotina tradicional de executivos estrangeiros em ouros países, aventurando-se de forma arriscada. Em uma ocasião, ele e sua mulher cruzaram o Peru em um Fusca, numa época em que o país andino lutava contra o avanço do grupo terrorista Sendero Luminoso. “Hoje, a América Latina tem, na sua maior parte, uma democracia consolidada”, afirma o executivo. “Existem problemas aqui e ali, mas sou um otimista.” A experiência e a empatia de Bulcke com o continente explica, em grande parte, o motivo que leva a maior empresa de alimentos do mundo, com uma receita de US$ 70,4 bilhões no ano passado, a investir no Brasil mesmo em um período de incertezas e desaceleração do crescimento.
A instalação de uma nova linha de produção, a 29ª da Nestlé, no País é uma mostra de que a companhia tem planos de longo prazo e confia na recuperação da economia brasileira. A fábrica irá produzir cápsulas de bebidas da marca Dolce Gusto, de cafés, chás e chocolates em porções individuais. Trata-se da marca líder em um setor que cresce a passos largos, na esteira do sucesso da Nespresso, também da Nestlé, cujas cápsulas de café gourmet mudaram a forma de se consumir o tradicional cafezinho. Segundo Nathan Herszkowicz, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café, as vendas nesse segmento crescem a taxas acima de 35%, enquanto o café em pó amargou uma queda de 1,3%, no ano passado.
Fruto de um investimento de R$ 200 milhões, a primeira fábrica de café em cápsulas da Nestlé fora da Europa deve ser inaugurada no segundo semestre de 2015. A unidade vai abastecer o mercado local e os demais países latino-americanos. Sua capacidade de produção será de 350 milhões de cápsulas por ano. Não é a primeira vez que a Nestlé dá mostras de confiança no País em meio a incertezas. Em 2002, logo depois da eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto os mercados financeiros entravam em crise diante da troca de governo, a companhia suíça anunciava a construção da maior fábrica de café solúvel do mundo, inaugurada dois anos depois na cidade de Araras, interior de São Paulo.
“O que os países sul-americanos mais têm em comum é um bom futuro”, afirma Bulcke, que se orgulha de ter mantido os investimentos da gigante suíça no continente durante as três décadas passadas, marcadas por crises econômicas e políticas em quase todos os países da região. O investimento na marca Dolce Gusto também está relacionado a uma mudança estratégica da Nestlé, em direção a um portfólio mais saudável. Desde que assumiu o comando das operações globais, em 2008, Bulcke vem promovendo uma reformulação nas mais de duas mil linhas de produtos da companhia.
Isso afeta, também, o Brasil, onde a Nestlé faturou US$ 5,7 bilhões no ano passado. “Temos promovido reduções dos níveis de gordura, sal e açúcar dos nossos produtos, além de informar o consumidor sobre o que ele está comendo”, afirma Juan Carlos Marroquin, presidente da Nestlé no País. “Também estamos aumentando o foco nos produtos para fortificação. Neste ano, serviremos mais de 16 bilhões de porções desse tipo de alimento.” No caso da Dolce Gusto, o executivo prevê que o Brasil, maior produtor e segundo maior consumidor de café do mundo, se torne o principal mercado da marca em cinco a dez anos.