15/10/2008 - 7:00
AMARÍLIO MACÊDO É UM homem de uma tranqüilidade quase desconcertante. De fala pausada e trato simples, ele admite que passou recentemente por dias conturbados na J.Macêdo, controladora das marcas Dona Benta e Petybon e dona de mais de 27% do mercado de farinhas no Brasil. Quando tudo complica, diz o presidente do grupo, ele usa da sua já popular dose de paciência e firmeza. “Sangue-frio e jogo de cintura sempre ajudam muito”, conta o cearense de 63 anos e filho do “seu” José Dias de Macêdo, o fundador da companhia, que, aos 89 anos, é presença comum nos escritórios, em Fortaleza. O desabafo de Macêdo conclui a avaliação sobre os tempos confusos vividos pela empresa nos últimos meses. A J.Macêdo sofreu um bocado com a disparada no preço do trigo em grão, matéria-prima que compõe mais de 70% da farinha vendida pela empresa. A entressafra no início do ano e a decisão da Argentina de reduzir a exportação para garantir o abastecimento interno encareceram o produto. Para completar o cenário, o aquecimento da economia chinesa puxou para cima o valor dos fretes marítimos. Os custos de produção do grupo dispararam. A alta chegou a 25% de janeiro a junho. Um plano de conteção de perdas foi colocado em prática. “Nós antevíamos esse risco desde 2007. Por isso, montamos um estoque de trigo maior no ano passado e reajustamos os preços para equilibrar as contas”, diz ele.
Foi o pulo do gato da empresa. A J.Macêdo aumentou 35,6% suas tabelas de junho de 2007 até os primeiros meses do ano. Foram altas escalonadas para reduzir o impacto no bolso do consumidor. Assim, repassou de forma integral a elevação dos custos de produção. Os preços de seus produtos subiram no varejo, mas as vendas não caíram. Ao contrário. A participação de mercado da empresa no segmento de farinhas de trigo (em volume vendido) registrou ligeira subida de 27,7% no bimestre abril-maio para 27,8% no mesmo período de 2008. Em massas alimentícias, foi de 12% para 12,1% e em misturas para bolo subiu 0,2 ponto percentual, atingindo 42,2% em maio. “O reajuste veio num momento de mercado aquecido. Foi algo necessário”, conta Marcos Póvoa, diretor comercial da empresa. Nas categorias de mistura e farinha, a companhia manteve-se na liderança de mercado, apesar da concorrência das marcas regionais, com seus preços baixos e políticas de promoção agressivas. Esse desempenho é facilmente explicado. “Dona Benta e Sol têm alta penetração nas classes A e B e elas são vistas como marcas de status. A Dona Benta é o Omo das farinhas”, brinca Sheila Albuquerque, diretora da consultoria Focodata. Na empresa, as vendas somaram R$ 745 milhões entre janeiro e junho deste ano, 31% acima de 2007. Analistas estimam pelo menos R$ 1,5 bilhão em 2008 (25% acima de 2007).
Nessas previsões, a principal pedra no caminho é o dólar. O preço da tonelada do trigo voltou a cair com a colheita da safra no Brasil (de até US$ 500 em 2007 para US$ 315 em setembro), mas o repique da moeda americana encareceu o grão. Na quarta-feira 8, o dólar foi a R$ 2,45, maior valor desde 2005. Cauteloso, Macêdo fala pouco do assunto. Prefere chamar o diretor comercial e sacar discretamente a pergunta: “A gente pode contar isso?” E completa: “Mesmo com essa questão da moeda, podemos alcançar equilíbrio se o trigo mantiver a tendência de baixa.” Sem perceber, o consumidor paga mais caro pelos produtos e ainda vai ter acesso a uma nova linha da marca Dona Benta, que levará o nome de Sítio do Picapau Amarelo. A empresa negociou com a Globo Marcas para adquirir o direito de uso da marca em 16 produtos. O contrato é uma batalha antiga de Macêdo. Foi ele quem deu a principal guinada na empresa, há cerca de cinco anos, quando o grupo parou de vender trigo para a indústria e passou a fabricar produtos só para o varejo. Foi ele também quem começou a falar com a família de Monteiro Lobato para fechar o acordo para a nova linha. Tudo bem planejado, como Macêdo prefere.