12/04/2006 - 7:00
Luigi, filho do fundador: “O nosso panetone é melhor do que o dos italianos”
Massimo Bauducco tinha pouco mais de 20 anos, quando estagiava na Philips. Aproveitou os poucos meses em que trabalhou na fabricante de eletroeletrônicos e vendeu cinco mil panetones para a companhia distribuir entre funcionários e clientes. A historinha circula, já com contornos de lenda, nos corredores da empresa que Massimo, hoje com 47 anos, preside e leva seu sobrenome. O apego da família ao negócio é um dos principais ingredientes da peculiar receita que transformou a simples fabricação de panetones em um negócio de R$ 700 milhões, seis fábricas, nove centros de distribuição, três mil funcionários e marcas consagradas, como Visconti e Fritex. Avessos a qualquer tipo de exposição pública, os Bauducco abriram as portas de sua sede, um antigo e acanhado prédio em Guarulhos, na Grande São Paulo, e falaram à reportagem da DINHEIRO. Vista de perto, a empresa revela um perfil cada vez mais raro no mundo dos negócios brasileiro. Trata-se de um dos últimos grupos do setor de alimentos cujo controle encontra-se inteiramente nas mãos de uma família. Nas últimas décadas resistiram olimpicamente aos assédios de multinacionais interessadas em adquirir a totalidade ou parte dos ativos da marca. Os Bauducco não dão entrevistas, evitam participar de entidades empresariais e raramente freqüentam eventos sociais ou corporativos. Ao longo de 56 anos de atividades empresariais, fizeram da discrição o traço mais forte de sua personalidade.
Linha de fabricação de panetones: hoje, o produto responde por apenas 25% do faturamento
Quando o assunto é expansão dos negócios, o recato perde seu lugar para um arrojo cuidadoso e bem planejado. Neste momento, por exemplo, a empresa dá passos decisivos para estender de vez seus braços rumo ao exterior. Acaba de abrir um escritório em Buenos Aires e ainda este ano desembarcará na Colômbia e na Venezuela. Mas a grande sedução vem do mercado americano. Lá, a Bauducco inaugurou em 2005 uma subsidiária, a Bauducco Foods, responsável pela coordenação de oito distribuidores locais. O principal objetivo é atender as grandes redes de supermercados americanas. A Wal-Mart fechou um contrato para abastecer suas lojas da Flórida. Também é possível encontrar torradas, biscoitos e panetones Bauducco na All Greens, maior rede de lojas de conveniência do país. ?Os americanos consomem muito. É o tipo de mercado de que nós gostamos?, afirma à DINHEIRO Luigi Bauducco, filho do fundador da empresa. A menina dos olhos da família, porém, é o contrato com a Target, segunda maior empresa de varejo dos EUA. A Bauducco será a primeira marca brasileira a ocupar espaço nas gôndolas da gigante. ?A Target é tipicamente americana, ao contrário da Wal-Mart, uma companhia internacional?, diz Carlo Andrea Bauducco, diretor de novos negócios. ?Além disso, eles atendem um público de poder aquisitivo maior.?
Carlo Andrea, diretor: “Queremos exportar 50% de nossa produção”
A corrida para além das fronteiras brasileiras é um dos pilares do que Carlo chama de ?tripé do crescimento?: exportações, aquisições no Brasil e aquisições no exterior. Hoje, 15% do volume de negócios da companhia vem de 50 outros países. A meta é chegar aos 30% em seis anos. ?O ideal seria atingir 50%?, afirma Carlo. Aos 33 anos, Carlo é o caçula da terceira geração dos Bauducco. Seu avô, de quem herdou o nome, desembarcou no Brasil em 1950. Veio resolver um problema com a venda de máquinas de torrefação de café de seu patrão italiano. Em suas andanças percebeu que não havia panetones no Brasil. Começou a produzi-lo e abriu uma doceira no Brás, bairro onde se concentravam os imigrantes italianos em São Paulo. Está lá até hoje, e foi o embrião da Bauducco. Carlo logo trouxe de Milão seu único filho Luigi para ajudá-lo. A partir daí, a família nunca mais se distanciou das confeitarias. Luigi casou com Carla, também filha única do dono da Dulca, outra tradicional doceira paulistana. Do casamento nasceram dois meninos, Massimo e Carlo Andrea, e uma menina, Silvana. Eles trabalham há anos na Bauducco. Ela só agora ensaia uma atuação no negócio. O número reduzido de descendentes ajuda a entender a manutenção do controle da empresa nas mãos de apenas uma família. Além disso, a diferença de idade entre Massimo e Carlo, 14 anos, evitou o problema mais comum na sucessão de companhias familiares: a disputa de poder entre irmãos. ?O Massimo é meu segundo pai?, diz Carlo. ?Somos muito próximos uns dos outros.?
Começo de tudo: Carlo fundou a doceria que se tornaria a maior do mundo em panetones
Por isso, a passagem de bastão de Luigi foi óbvia. Massimo assumiu o comando no início dos anos 80 e deu partida em um ambicioso plano de diversificação. Na ocasião, os panetones garantiam quase a totalidade do faturamento. Hoje, eles representam apenas 25%. Num primeiro momento, os Bauducco definiram dois mandamentos. O primeiro: não abandonariam sua vocação, isto é, ?produtos de forno?, como diz Massimo, com seu carregado sotaque italiano, embora seja paulistano. O segundo: ?A gente não admite fazer nada que já existe no mercado.? Foi assim com os sabores inéditos da bolacha wafer, setor no qual a Bauducco se tornou o segundo maior fabricante do mundo. Foi assim com o Chocotone, o panetone recheado com gotas de chocolate. Foi assim com a ?Maxi Goiabinha?, uma barrinha com recheio (é claro) de goiabada, que concorre com as insossas barrinhas de cereal ? ?não precisa ser ruim para ter baixa caloria?, ironiza Carlo.
Responsável pelo crescimento da empresa nos últimos anos, essa linha de atuação pode mudar. Recentemente, a Bauducco concluiu uma ampla pesquisa para mensurar a aceitação de novos produtos. Sete categorias foram avaliadas. O resultado, segundo Carlo, revela o vigor da marca. ?Só não podemos vender pneus?, exagera ele. Algumas das categorias estão ?prontas? para receber a assinatura Bauducco. É o caso de pães, massas e, um pouco depois, chocolates. Ítens como molhos prontos não estão descartados. Outra forte aposta do clã são os chamados ?produtos de impulso?, aqueles oferecidos em porções individuais e, em geral, expostos na boca do caixa. Também servem bem ao mercado institucional, formado por redes de hotéis, companhias aéreas, laboratórios de análises clínicas, cantinas de escolas, entre outros. O que seduz os Bauducco são os números: esse mercado cresce 30% ao ano, enquanto o de panetones não passa de 6%. Esse novo tipo de produto traz um desafio adicional à companhia. Para vendê-los é necessário chegar ao pequeno comércio. Trata-se de uma tarefa à qual a dupla de irmãos tem se dedicado com afinco. Há quatro anos, 20% das vendas eram absorvidas por esse segmento. Hoje, esse percentual encontra-se em 50%, com ?potencial de crescimento?, nas palavras de massimo. A Bauducco chega atualmente a 130 mil pontos de venda e sua meta é atingir 200 mil. De certa forma, é uma volta às origens. A Bauducco, que foi gerada em uma pequena doceira e transformou-se numa das maiores indústrias alimentícias do País, quer estar presente na prateleira das padarias, confeitarias e armazéns. Afinal, os Bauducco nunca abandonaram seu próprio mundo.
LUIGI, SEGUNDA GERAÇÃO
Ele transformou o panetone em um hábito do brasileiro
O milanês de 73 anos chegou ao Brasil em 1950. O pai, Carlo, veio dois anos antes, por ordem do patrão, com a missão de cobrar encomendas de máquinas de torrefação de café que não foram pagas. Foi quando Carlo descobriu que por aqui não havia panetone, produto recém-lançado na Itália. Assim nasceu a Bauducco. Ao assumir o comando, Luigi concentrou o foco dos negócios na iguaria que se tornou a cara do Natal.
Dinheiro ? O que o senhor acha de entrar no mercado americano?
Luigi ? Eles gastam muito. É um mercado que a gente gosta.
Dinheiro ? Qual o segredo do panetone Bauducco?
Luigi ? Não sei. Só sei que muito italiano me diz que o nosso panetone é melhor que o deles.
Dinheiro – Como está a Casa Bauducco, o primeiro endereço da empresa?
Luigi ? Ainda está lá, um pouco acabadinha. Estamos arrumando, mas assim que eu me for, acho que os filhos vão se livrar dela.
MASSIMO, TERCEIRA GERAÇÃO
Sua missão é abrir novos mercados para a empresa
Ele nasceu no Brasil, mas não parece. Aos 47 anos, o sotaque italiano é ainda bem marcante. Massimo assumiu a empresa nos anos 80 e diversificou a linha de produtos. O panetone, que respondia por quase 100% do negócio, hoje representa apenas 25%. Em 14 anos, colocou o biscoito wafer na liderança do mercado e entrou em vários outros segmentos. Sua filosofia: ?a gente não admite fazer nada que já existe no mercado. Foi assim com meu avô Carlo que trouxe o panetone ao Brasil. E continua assim.?
Dinheiro ? Para onde vai a Bauducco?
Massimo ? Defendo como meta os três Ps: pizza, pasta e panetone. Pizza é congelada e não está nos nossos planos. Pasta, ninguém sabe.
Dinheiro ? Como está a aceitação dos panetones nos EUA?
Massimo ? Já colocamos 80 contêineres do produto lá. Nas feiras de alimentos nos EUA, o estande da Bauducco fica cheio na hora da degustação. Tem gente que bate ponto de manhã, de tarde e à noite.