16/02/2001 - 8:00
“Grupos estrangeiros não compram empresas brasileiras com passivo ambiental”
“Poucos executivos brasileiros têm experiência internacional. Alain Belda é exceção”
DINHEIRO ? O cenário econômico este ano aponta para um crescimento no Brasil e uma recessão nos Estados Unidos. Qual o impacto nas empresas brasileiras?
Alcides Hellmeister Filho ? Existe, como sempre, um lado bom e um lado ruim. Em caso de recessão americana, há uma queda de juros internacionais, o que é bom para o serviço da dívida externa. Mas, por outro lado, as empresas principalmente exportadoras podem sofrer.
DINHEIRO ? Mas a participação dos Estados Unidos na pauta de exportações brasileira não é tão grande quanto no passado…
Hellmeister ? É claro que o impacto será menor do que aquele que atingirá países mais dependentes, como é o caso do México, que tem 30% do PIB exportado para os Estados Unidos. Mas a crise trará reflexos para outras regiões, que também terão dificuldades para exportar para os Estados Unidos e se tornarão concorrentes mais agressivos dos produtores brasileiros. Como os Estados Unidos terão um excedente, já que o mercado interno não consumirá tanto, eles também procurarão colocar esse excedente no exterior. Então há uma certa preocupação com a recessão americana aqui no Brasil.
DINHEIRO ? A queda de juros internacionais não deixará o dinheiro mais barato para captação das empresas brasileiras no exterior?
Hellmeister ? Em tese, sim. Mas o custo do dinheiro depende muito da avaliação de risco e da percepção que o investidor tem de países emergentes como o nosso. Em um cenário de recessão, a tendência dos investidores é reduzir a remessa de recursos para esses países, preservar o capital, e o retorno passa a ser algo secundário. Quando eles emprestam, embutem uma taxa de risco mais alta do que o normal em função da situação de crise.
DINHEIRO ? A recessão americana pode inibir investimentos das empresas de lá no Brasil?
Hellmeister ? Que nada. O Brasil e as empresas brasileiras são noivas muito atraentes, com atributos raros no mundo de hoje. Os investidores americanos vão sentir dificuldades em seu país de origem e vão buscar outros mercados, principalmente o brasileiro.
DINHEIRO ? Onde estão as maiores oportunidades para esses investimentos?
Hellmeister ? Vamos falar dos últimos anos. Em 1999, eles foram canalizados para telecomunicações, bancos, geração e distribuição de energia e e.business. Em 2000, o interesse em telecomunicações, energia e bancos continuou, mas em e.business isso não aconteceu. Neste ano, os investidores estão entrando em outros setores, principalmente na área de serviços. Há muitas seguradoras chegando por aqui. Existe também muita procura na área hoteleira para aproveitar o tremendo potencial de turismo no Brasil. Alimentos também é uma área de muita procura, assim como energia. Veja um dado interessante: nos últimos dois anos, nossa empresa fez mais de 100 trabalhos de due diligence. Temos trabalhado fortemente nesse setor.
DINHEIRO ? Com base nesse trabalho, qual a principal preocupação das empresas que querem investir por aqui?
Hellmeister ? Aí existe algo surpreendente. Claro que a primeira coisa é projetar o retorno do investimento e o fluxo de caixa. Mas eles já não se interessam tanto pelas instalações físicas, ou seja, as fábricas. Eles levantam o mercado, a base de clientes, a história de sucesso da companhia. Decisivo mesmo é a questão ambiental, o dano que foi causado por aquela empresa no meio ambiente e se ele é reparável ou não. Eles têm medo de encontrar um passivo ambiental. Outro fator nessa análise é saber se a operação atende a legislação dos países que possam comprar os produtos fabricados ali. Hoje, com a globalização, as várias subsidiárias das multinacionais trabalham de forma integrada. Portanto, cada uma tem de respeitar as leis e regras de todos os países. Isso pode significar a diferença entre o sucesso ou o fracasso da negociação para a compra.
DINHEIRO ? O sr. já participou de negociações que acabaram frustradas devido a esse fator?
Hellmeister ? Já participei de várias, principalmente nas áreas química e petroquímica. As empresas estrangeiras têm hoje uma consciência ambiental muito maior do que alguns anos atrás.
DINHEIRO ? Quantos?
Hellmeister ? Eu presenciei dois grandes negócios que não se concretizaram devido a problemas com meio ambiente. E houve diversos outros menores. Uma das empresas descobriu que o subsolo estava contaminado em função da atividade da companhia que seria adquirida. Desistiram do negócio na hora, embora todos os outros aspectos fossem positivos. Há ainda a questão da imagem, pois isso pode atingir negativamente sua cotação nas bolsas.
DINHEIRO ? Qual a saída para essa situação?
Hellmeister ? Em um dos casos, o negócio foi fechado, mas com um acordo entre as partes. O comprador ficou com a base de clientes, o market share, e deixou a fábrica e o passivo ambiental com os antigos proprietários. Em outros casos, o negócio não aconteceu de jeito nenhum.
DINHEIRO ? O fato de termos uma legislação ambiental e uma fiscalização falhas no Brasil já não incentiva essas empresas estrangeiras a virem para cá, como acontecia no passado?
Hellmeister ? O Brasil tem evoluído muito nessa área. O investidor estratégico que desembarca aqui tem a visão de longo prazo e sabe que nos próximos anos a legislação e a fiscalização se tornarão mais e mais rigorosas. Ele sabe que todo o dano que vier a causar ou já tenha causado terá de ser reparado.
DINHEIRO ? Qual outro fator pode prejudicar uma negociação?
Hellmeister ? A grande preocupação é a capacitação humana da companhia. Eles nos pedem vários trabalhos para entender e conhecer as pessoas que estão por trás daquele negócio. Querem saber o grau de formação acadêmica e o grau de experiência.
DINHEIRO ? Quais são as maiores vantagens e os maiores problemas que eles vêem na mão-de-obra brasileira?
Hellmeister ? A vantagem reconhecida por todos é a flexibilidade do brasileiro para analisar mudanças de cenário e reagir rapidamente a ela. Nós aprendemos isso naquele regime hiperinflacionário, com pacotes e medidas econômicas a cada dia. O que é olhado com certa preocupação é a pouca vivência internacional de nossos executivos. Nós iniciamos o processo de globalização há pouco tempo e ainda não tivemos tempo para que os dirigentes se adaptassem a ele. Poucas empresas brasileiras têm atuação internacional e a maioria não está sintonizada com o mandamento principal desse mundo: vence quem tem a melhor qualidade pelo menor preço, esteja onde ele estiver. Por isso, é importante saber o que acontece em outras partes do mundo para se fazer bench-mark e se adaptar às novas tendências. Nosso processo de formação acadêmica não contempla esse aspecto. Aqueles que se expuseram tiveram sucesso, em função da facilidade de adaptação do executivo brasileiro. Há brasileiros, como Alain Belda (presidente mundial da Alcoa), que dirigem corporações gigantescas.
DINHEIRO ? As empresas desistem quando verificam que o quadro de funcionários não tem a capacitação desejada?
Hellmeister ? Não, mas levam isso para a mesa de negociação e utilizam para baixar o preço, pois ele está comprando também os recursos humanos da companhia.
DINHEIRO ? Essa preocupação é recente?
Hellmeister ? Muito recente. Tem acontecido de dois a três anos para cá.
DINHEIRO ? Por que as empresas brasileiras têm tanto medo da globalização?
Hellmeister ? Não é medo, não. Fizemos a abertura de forma muito abrupta. Não houve tempo para que as companhias brasileiras se preparassem. Nesse cenário, acho que o trabalho feito pelos executivos brasileiros foi fantástico e conseguimos nos adaptar. Hoje acho que estamos mais preparados para competir globalmente, mais do que em qualquer momento de nossa história.
DINHEIRO ? O que falta, então, já que a participação do Brasil no comércio mundial continua muito pequena?
Hellmeister ? O que nos falta é focalizar a competição externa, o mercado global, em alguns casos com vantagens, como na agroindústria e em papel e celulose. É necessário que os empresários definam que a exportação faça parte de seu plano estratégico e não abandonem seus contratos de vendas externas ao primeiro sinal de aquecimento do mercado interno. Além disso, não podemos esquecer a tremenda dificuldade para uma empresa exportar. São obstáculos de ordem burocrática, tributária, portuária, de infra-estrutura, entre outros.
DINHEIRO ? O que mais atrai as empresas estrangeiras para o País?
Hellmeister ? Há os fatores óbvios como o tamanho do mercado, a já citada flexibilidade de nossa mão-de-obra, matérias-primas, etc. Mas há um fator interessante e pouco comentado. Somos um dos povos menos endividados do mundo. Em média, o americano tem uma dívida média que corresponde a um ano de renda. O brasileiro tem comprometido de 25% a 30%. Isso é resultado do alto custo do dinheiro internamente. Mas está aí um tremendo potencial para crescimento econômico e isso já foi percebido pelos investidores.
DINHEIRO ? Qual a prioridade das empresas em relação à sua gestão?
Hellmeister ? As empresas estão muito preocupadas com seus controles internos e com a segurança de seus bancos de dados, pois esse aspecto tem relação direta com os custos. Os empresários nos chamam, pedem uma avaliação de todos os sistemas para ver se há alguma forma de torná-los mais eficientes, mais baratos, mais confiáveis e mais seguros. Como hoje todas as atividades de uma empresa estão ligadas diretamente ao banco de dados, ele se tornou o coração da empresa. Os dirigentes ficam preocupadíssimos e querem saber se estão protegidos de hackers e se as informações são confiáveis para a tomada de decisão.