Na noite do sábado 2 de julho, uma movimentação incomum chamou a atenção de quem passava pela Via Dutra, altura do quilômetro 215, em Guarulhos (SP). Uma festança com luzes fortes, música alta e muita gente animava as instalações da fabricante de tubos de aço Persico Pizzamiglio, uma potência da indústria brasileira nos anos 70 e 80 e que muitos imaginavam estar morta. Daí a surpresa. A Persico, pelo visto, continuava viva ? e estava em festa. Na verdade, seus 500 funcionários comemoravam a ressurreição oficial da companhia. Dias antes, ela se tornara a primeira do País a se beneficiar da Nova Lei de Falências. Graças ao plano de recuperação judicial aprovado pela Justiça e pelos credores, a Persico ganhou fôlego para operar quase normalmente. ?Sem isso, a empresa morreria definitivamente?, afirma Elie Nasrallah, sócio da consultoria PluriCorp, que elaborou o plano de recuperação e está à frente da gestão da Persico. Eis os pilares do plano:

? As dívidas da Persico somam R$ 420 milhões. Mas os R$ 200 milhões de débitos com o Fisco federal já haviam sido renegociados por meio do Refis. Isso dá uma folga para a empresa pagar os demais credores.

? Acordo feito com os 700 credores trabalhistas (eles têm R$ 45 milhões a receber, incluindo juros) prevê o pagamento em 30 meses. Dos 700, 450 foram recontratados pela companhia.

? Credores como bancos e fornecedores terão seus créditos convertidos em debêntures.

? A empresa não venderá nenhum ativo imobilizado. Isso garante aos credores que ela continuará gerando caixa para pagar as dívidas.

Fundada em 1952 pelos imigrantes italianos Franco Persico e Vitale Pizzamiglio, a Persico começou fazendo hastes para guarda-chuvas. Mas logo se tornou uma gigante, fornecendo tubos de aço para montagem de bicicletas, carros e até prospecção de petróleo. Na lista de clientes, grifes como Caloi, Mercedes e Petrobras. O ano de 1984 representou o auge da Persico. Ela empregava 3 mil pessoas e faturava US$ 300 milhões ao ano.

?Mas o ?acordo do aço?, de 1985, jogou a companhia na lona?, diz Vladimir Rioli, também sócio da PluriCorp. Naquele ano, depois de acusar as siderúrgicas brasileiras de dumping, os EUA sobretaxaram o aço importado em 100% e estabeleceram uma política de cotas. Da noite para o dia, a Persico passou a viver pela metade: metade da produção, dos funcionários e do faturamento. Nada tão grave que o Plano Collor não pudesse piorar. Com dívidas de US$ 60 milhões, a empresa entrou em concordata em 1990. Saiu em 1997, mas para a falência. Era o fim.

Em 2000, porém, os controladores da companhia encontraram uma brecha na antiga lei de falências: se eles entregassem a gestão do negócio, a empresa poderia continuar operando. A PluriCorp foi a escolhida. ?Quando pegamos as chaves, havia cavalos pastando dentro da fábrica e chovia sobre as máquinas?, lembra Nasrallah. A Persico continuava falida. Como conseguir financiamentos para voltar a operar nessa condição? ?A PluriCorp passou a ser uma espécie de mula financeira. Fizemos empréstimos em nosso nome?, explica Nasrallah. Inicialmente, ele colocou as linhas da Persico a serviço de Gerdau, Usiminas e Brastubo, que produzem ali seus tubos de aço. Atualmente, com 500 funcionários, a Persico vem faturando R$ 7 milhões por mês.

No final do ano passado, a PluriCorp elaborou um plano de recuperação que respeitava a legislação antiga e, ao mesmo tempo, estava adaptado à nova. No dia 28 de junho, ele foi aprovado pela Justiça e pelos credores e agora começa a ser implementado. Ele prevê o pagamento das dívidas da Persico em 12 anos. ?Não sei se estarei viva até lá, por isso não posso dizer o que será feito da empresa. Quero pagar até o último centavo. Seja com outros controladores, seja com a família, o importante é que a Persico nunca mais feche as portas?, disse à DINHEIRO Lina Persico, de 76 anos, ex-presidente da empresa. Viúva de Franco Persico e filha de Vitale Pizzamiglio, hoje ela mora e produz vinhos em Petrolina (PE).

R$ 420 milhões é a dívida da empresa. Desse total, R$ 200 milhões já foram renegociados pelo Refis