A espera do empresário Ronald Levinsohn durou 23 anos, dois meses e três dias. Foi só no dia 16 de março último que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o último recurso referente ao caso da Delfin Crédito Imobiliário, uma empresa financeira que chegou a ter 3,4 milhões de depositantes e era a maior caderneta de poupança do País até sofrer intervenção do
Banco Central, em 1983. À época, a derrocada
foi causada por uma série de reportagens que contestavam a forma de pagamento de uma dívida da Delfin junto ao antigo Banco Nacional
da Habitação (BNH), que foi quitada com dois terrenos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Tais reportagens deflagraram uma corrida dos poupadores às agências e fizeram com que todo o sistema de cadernetas de poupança, que já tinha 40 milhões de depositantes espalhados em várias instituições financeiras independentes, fosse sendo incorporado pelos grandes bancos comerciais. Agora, eis que o STJ sentencia: a venda dos terrenos ao BNH foi feita dentro da lei e a preço justo. Levinsohn, então, desabafou. ?Juízes fracos, pressionados pelo escândalo fabricado que tomou enormes proporções na mídia, deram curso a um dos mais absurdos processos que circularam na Justiça brasileira em todos os tempos?, escreveu aos amigos. E a denúncia, que ele classificou como ?peça de escatologia?, chegou ao fim.

Aos mais íntimos, Ronald Levinsohn se diz vítima até de uma conspiração. O intuito das reportagens, que foram publicadas em praticamente toda a imprensa nacional, era justamente favorecer a migração das rentáveis cadernetas de poupança para os bancos comerciais. A primeira delas, que repercutiu de forma bombástica, foi publicada pelo jornalista José Carlos de Assis e criticava a avaliação dos terrenos pelo BNH. A tese era que os imóveis estariam sendo aceitos pelo banco estatal por seu valor potencial ? que incluiria o valor dos prédios que lá seriam construídos ? e não por seu valor real. Tal acusação, segundo Levinsohn, teria sido urdida pelo influente advogado Raphael de Almeida Magalhães e por alguns ministros do próprio regime militar ? um dos principais desafetos de Levinsohn à época era o coronel Mário Andreazza, titular da poderosa pasta do Interior. ?A versão do Ronald é pura bobagem?, diz Assis. ?Eu sempre fui amigo do Raphael, mas minhas fontes eram da base do BNH?.

Como as acusações contra a Delfin se transformaram numa bola de neve, os poupadores fizeram fila nas portas das agências tentando sacar seus recursos. E a empresa acabou quebrando. ?O Ronald foi vítima de uma histeria e de uma profecia auto-realizável?, diz o deputado e ex-ministro Delfim Netto, que também foi inocentado pelo STJ. Delfim, assim como o ex-ministro Ernane Galvêas, haviam dado o ?de acordo? à operação. ?Agora ficou provado que a operação dos terrenos não só era legal, como também foi lucrativa para o governo?. Levinsohn, por sua vez, continuou sendo um homem próspero, apesar da perda da Delfin, sua galinha dos ovos de ouro. Ele é hoje dono da UniverCidade, uma das principais instituições de ensino superior privado do País, e um grande plantador de soja no oeste da Bahia. ?O Ronald tem uma inteligência brilhante?, elogia o investidor Naji Nahas, que, à época, tentou adquirir, sem sucesso, a carteira da Delfin. Levinsohn, por sua vez, olha para o passado com um certo amargor. ?Passei mais de vinte anos tendo de provar a minha honestidade?, diz ele. E mesmo com a sentença do STJ, o jornalista José Carlos de Assis não se arrepende da reportagem que detonou a crise das cadernetas de poupança. ?Até o Adhemar de Barros, o famoso rouba-mas-faz, já conseguiu habeas-corpus do STF, que ele sempre exibia como atestado de idoneidade?, diz ele. ?Juízes também erram?. Ronald, por sua vez, rebate: ?Juízes não erram em três instâncias?.