Por que o Brasil não consegue crescer bastante de maneira sustentável? Os especialistas levantam diversas razões: os gargalos da infraestrutura, o desequilíbrio das contas públicas, as deficiências da educação. No entanto, um dos problemas recorrentes da economia é a ausência de capital para financiar os investimentos das empresas. “O Brasil vive tentando dar passos maiores que as pernas”, diz o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, professor do Insper, em uma apresentação no Seminário de Crédito promovido pela XYZ Conhecimento e Relacionamento, em São Paulo, na terça-feira 11. O crescimento de uma economia está diretamente relacionado aos investimentos. As estimativas dos economistas são de que, para se expandir a um ritmo anual de 4,5%, o Brasil necessita que as despesas de capital cheguem a 22,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Historicamente, o País nunca investiu mais de 18,5%. Para suprir essa lacuna, é fundamental que haja crédito de longo prazo. A questão é como torná-lo disponível, ainda mais num ambiente de juros elevados. “Precisamos discutir essa questão em profundidade”, diz Sérgio Waib, da XYZ Conhecimento e Relacionamento.

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Cardápio indigesto - Seminário discute as reformas necessárias para desenvolver o mercado de crédito de longo prazo

O presidente da Nossa Caixa Desenvolvimento, a agência de fomento do governo paulista, Milton Luiz de Melo Santos, observa que, com as taxas atuais do mercado financeiro, há pouco incentivo para que os bancos concedam empréstimos de longo prazo, já que eles podem, em alguns casos, emprestar no curto prazo conseguindo retornos maiores, e correndo menos riscos. Como de hábito, os peixes miúdos sofrem mais. A escassez de crédito de longo prazo é particularmente aguda para pequenas e médias empresas, que frequentemente não dispõem das garantias exigidas pelos bancos. “Só se olha para as garantias, não para o potencial das empresas”, diz o vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos. “Você tem de provar que possui ouro para conseguir prata.” A única alternativa real de financiamento de longo prazo é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas ele não dispõe da estrutura necessária para atender às pequenas empresas. 

Os bancos privados, por sua vez, têm pouco interesse em operar as linhas do BNDES porque ganham mais com seus próprios empréstimos, diz Luiz Aubert Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Resultado? “As micro e pequenas empresas acabam usando capital de giro para investimentos”, afirma Aubert. O risco é óbvio: elas têm poucos meses para pagar por equipamentos que só darão retorno depois de vários anos. O tempo médio de maturação dos projetos do setor é de nove anos. Aubert se queixa de que o quadro poderia ser outro se os juros não fossem tão superiores aos dos países concorrentes. Segundo a Abimaq, os fabricantes de máquinas, eletroeletrônicos e automóveis devem faturar R$ 480 bilhões neste ano. Enquanto isso, o País vai gastar R$ 230 bilhões com os juros da dívida pública; no caso das pessoas físicas e das empresas, essa conta supera R$ 350 bilhões.

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“Micro e pequenas empresas acabam usando capital de giro para investir” – Luiz Aubert Neto, presidente da Abimaq

O juro é um dos principais componentes do chamado custo Brasil, a despesa adicional que as empresas do País têm na comparação com outros países produtores. Estudos da Abimaq apontam o custo Brasil em 43,85% da receita líquida da indústria de máquinas e equipamentos, numa comparação com Estados Unidos e Alemanha. Destes, 9,41% são o impacto dos juros no capital de giro. Em outras palavras, uma máquina que é fabricada por R$ 100 na Alemanha custaria à mesma empresa quase R$ 144 no Brasil. O efeito disso é uma perda de competitividade que acaba se convertendo em um processo de desindustrialização. Aubert nota que o setor que representa tem crescido. Em moeda constante, o faturamento bruto anual passou de R$ 59,8 bilhões em 2004 para uma estimativa de R$ 77 bilhões neste ano. Ainda está abaixo do recorde de R$ 83,9 bilhões em 2008, mas vem se expandindo desde a crise daquele ano. O detalhe, porém, é que uma parcela maior dessa receita deriva de bens de capital produzidos fora do Brasil.

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“O sistema financeiro está líquido” – Anthero Moraes Meirelles, diretor do Banco Central

O setor importava, sete anos atrás, US$ 600 milhões a mais do que exportava. Este ano, seu déficit comercial deve ficar perto de US$ 22 bilhões. A falta de recursos também é um dos principais fatores por trás da alta taxa de mortalidade das pequenas e médias empresas brasileiras. A operadora de sistemas eletrônicos de pagamento Cielo, cuja rede deve movimentar R$ 315 bilhões este ano, fez recentemente uma pesquisa com empresas de faturamento até R$ 3 milhões para identificar os motivos do encerramento da atividade. Entre os entrevistados, 59% indicavam que a principal causa foi a escassez de capital. Ainda assim, o presidente da Cielo, Rômulo de Mello Dias, identifica avanços. Um exemplo está no crescimento do exigível financeiro das empresas (ou seja, o crédito), que correspondia a 26% do PIB em 2006 e está atualmente em 36%. Mais do que isso, a dívida doméstica passou de 22% para 33% desse exigível no mesmo período. “O Brasil está caminhando”, afirma. “O mercado de dívida privada tem crescido.”

Mello Dias aponta para novas alternativas de captação, como debêntures para investimento, que o governo isentou de Imposto de Renda nas aplicações de estrangeiros e pessoas físicas. O Banco Central também ressalta essas iniciativas, juntamente com sua disposição de incentivar o setor privado na criação de um mercado secundário de renda fixa. A existência de um mercado líquido poderia estimular investidores a arriscar em títulos de longo prazo. O diretor de fiscalização do Banco Central, Anthero de Moraes Meirelles, afirma que os bancos brasileiros estão bem capitalizados, com alavancagem inferior à da maioria dos bancos em outros países. “O sistema financeiro está bem líquido e provisionado”, afirma. Isso ajuda a evitar um estrangulamento como o que se vê em alguns países desenvolvidos. Mas não melhora necessariamente a oferta de crédito de longo prazo, sobretudo para as pequenas e médias empresas. 

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“O mercado de dívida privada tem crescido no Brasil” – Rômulo de Mello Dias, presidente da Cielo

Aí deveria entrar o BNDES, que, afirma o economista Mailson da Nóbrega, da consultoria Tendências, não tem como papel fornecer crédito a juro baixo, mas sim suprir a deficiência de mercado em financiamentos de longo prazo – papel que existiria mesmo num cenário de juros baixíssimos, já que sempre haverá empresas com menos acesso a financiamentos. O problema, diz Giannetti da Fonseca, é que o BNDES tem inibido qualquer participação dos bancos privados. Ele é responsável por 40% dos empréstimos às empresas no Brasil. Pior: tem feito isso direcionando recursos a custos subsidiados a quem já tem condições de captar por outros meios. “As grandes empresas não precisam ter recursos tão baratos do BNDES”, afirma. Giannetti da Fonseca acredita que seria possível reduzir o spread bancário e, consequentemente, o custo final do dinheiro com aumento da competição. Como os bancos comerciais estatais têm de arcar com estruturas de custo onerosas, eles estão pouco aptos a fornecer essa concorrência. 

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“Precisamos discutir a questão do crédito em profundidade” – Sérgio Waib, XYZ Conhecimento

Mas o BNDES poderia ajudar se direcionasse recursos às pequenas e médias empresas, forçando as grandes a recorrer ao sistema bancário, que teria motivos para competir pela oportunidade de emprestar. Claro que a concorrência não vai ter um impacto tão significativo no custo do dinheiro se o juro primário continuar elevado. Nesse aspecto, o problema está na falta de poupança, que por sua vez acaba convergindo para o desequilíbrio fiscal. Simplesmente não há recursos para, ao mesmo tempo, pagar os juros da dívida pública e os gastos sociais e previdenciários e sanar os gargalos da infraestrutura – a vontade crônica de dar um passo maior do que as pernas a que Giannetti da Fonseca se refere. Toda vez que a economia brasileira tem períodos de aceleração do crescimento, surgem pressões inflacionárias. “Aí o governo precisa levar embora o barril de chope na hora em que a festa estava ficando animada”, diz Giannetti da Fonseca.

As propostas discutidas no seminário foram reunidas em uma Carta Aberta ao sistema financeiro, na página 105 ou, na íntegra, em www.xyzlive.com.br/seminariodecredito 

 

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