18/01/2002 - 8:00
Os lambris de madeira do escritório em um antigo edifício no centro do Rio de Janeiro lembram uma repartição pública dos anos 70. Na acanhada sala de reuniões do vigésimo andar, decorada apenas com um mapa-múndi desbotado que destaca o Oriente Médio, Sérgio Andrade toma seu assento, geralmente na cabeceira da mesa, e cerca-se de seus homens de confiança, em reuniões que mais parecem conversas descompromissadas. Não há qualquer sinal de luxo ou ostentação. Mas não se iluda com o clima retrô que domina o ambiente. Foi dali que Sérgio comandou um dos mais vigorosos processos de modernização e revitalização corporativas da história recente no Brasil. O faturamento da corporação comandada por ele, a Andrade Gutierrez, cresceu 100% em apenas três anos ? passou de R$ 1,4 bilhão, em 1998, para R$ 2,8 bilhões em 2001. Na geração de caixa, o salto foi superior a 1.700%. O resultado não é notável apenas pelo que representa em termos de expansão e saúde financeira. Para chegar lá, a Andrade Gutierrez, empresa mineira que até meados dos anos 90 era apenas uma empreiteira com obras concentradas no poder público, foi obrigada a se reinventar. A engenharia, antes o coração do grupo, hoje é só uma das pontas do tripé que compõe a holding. As outras duas, telecomunicações e concessões de serviços públicos, já são tão importantes quanto a construção ? a Andrade é hoje o principal acionista privado da Telemar, maior companhia telefônica da América Latina, e ainda administra algumas das mais importantes estradas brasileiras, como a Dutra e o sistema Anhangüera-Bandeirantes.
Viradas como essa são, em geral, precedidas de profundos estudos de consultoria e planejamento detalhado de cada etapa da mudança. Não na Andrade. O atual portfólio de negócios foi montado mais pelas oportunidades que surgiram do que por um plano pré-concebido. ?Planejamento estratégico não serve para nada. Quem faz meu planejamento é o cliente?, diz ele, citando um de seus ídolos, Jack Welch, o executivo que transformou a General Electric numa máquina de lucros e criação de valor. Essa eloqüência é rara, não faz parte do estilo de Sérgio. De camisa social, sem gravata e com um relógio digital no pulso, daqueles que não custam mais do que um bom almoço, ele escuta calmamente o que cada um dos membros de seu estado maior tem a dizer. São pessoas escolhidas a dedo. Do grupo faz parte Celso Quintella, que acompanha de perto o dia-a-dia dos negócios. ?É um beque de roça, do tipo que marca junto, no cangote?, diz um dos principais executivos do grupo. Outro de seus soldados é Otávio Azevedo, um ex-presidente da Telemig. Há ainda nomes como o de José Diniz, que toca a área financeira, e Ricardo Nora, responsável pelas concessões. Ao longo da conversa, Sérgio não esboça emoção ou qualquer expressão facial. Aos 56 anos, casado e pai de dois filhos, é um homem parcimonioso nas palavras e discreto, do tipo que aprecia ouvir, com os olhos sempre fixos no interlocutor. Fiel à origem mineira, fala apenas o essencial.
Oportunidades. Há pouco mais de 10 anos, ele começou a imprimir sua marca na gestão do grupo. ?Percebemos, já na época da Constituinte de 1988, que a União perderia a capacidade de investir?, lembra Sérgio. Em um ambiente de vacas magras, escasso de contratos em construção pesada, sua única atividade na época, a Andrade Gutierrez escolheu o caminho da diversificação. Ao lado dos outros dois principais representantes dos acionistas na empresa, Roberto Gutierrez e Álvaro Andrade, Sérgio começou a traçar seus alvos. Já no começo dos anos 90, foi criada a AG Telecom, para a área de telefonia. Uma associação com o grupo francês Vivendi abriu caminho no setor de saneamento básico. Em telefonia, o primeiros investimentos foram feitos na Pégasus, empresa de fibra óptica, e na Unnisa, administradora de cartões de crédito. Em seguida, Otávio montou consórcios para a privatização da telefonia celular. Foram várias tentativas, com parceiros como GTE, Mannesmann e Portugal Telecom, e nenhum acerto. ?Estávamos com os portugueses no consórcio que levou a Telesp Celular, mas saímos antes porque achávamos que o preço era alto demais?, conta Quintella.
Quando todos os cartuchos pareciam queimados, apareceu aquela que se tornou a oportunidade de ouro da Andrade Gutierrez. Numa conversa com o investidor Antonio Dias Leite, Sérgio deu partida na montagem do consórcio que adquiriu a Telemar em 1998. Assim, o grupo finalmente concretizou, por caminhos diferentes do planejado, o projeto esboçado por Sérgio anos antes. Hoje, com uma receita anual de R$ 1,3 bilhão, a AG Telecom gera mais faturamento para o grupo do que a própria atividade de construção. ?Foi uma aposta ousada, que consolidou a liderança do Sérgio?, diz um dos maiores empreiteiros do País e seu concorrente direto.
Depois de receber uma companhia cuja estrutura era preenchida com dezenas de indicações políticas em vários Estados, o grupo tinha muito pouco tempo para mostrar resultados na Telemar. Nesse momento pesou a experiência de Otávio Azevedo. Foi ele o primeiro presidente da Telemar, responsável pelo início do processo de modernização e expansão da companhia. No Rio de Janeiro, a empresa, comprada com 8 milhões de linhas, hoje tem 18 milhões de assinantes. Seus investimentos anuais atingem R$ 8 bilhões. ?No Rio, já estamos concluindo a antecipação de metas?, comemora Otávio.
Ao mesmo tempo, a AG Construção Pesada passava pela maior transformação de sua história. A ordem era buscar contratos fora da órbita do setor público, mau pagador por natureza. A Andrade tem cerca de R$ 2 bilhões para receber de vários governos. Isso explica a seguinte mudança: em 1994, quase 90% das receitas vinham do Estado; hoje esse índice caiu para 30%. ?As margens agora são mais estreitas, mas os atrasos praticamente não existem?, diz Rogério Nora, presidente da empresa. Há pouco mais de um mês no cargo, Nora, discreto e com forte experiência técnica, tem um perfil que se encaixa na filosofia traçada pela Andrade.
Vaca leiteira. A herança do relacionamento com governos não foi inteiramente amarga. A Andrade utiliza essa experiência para tocar negócios que, apesar de se encontrarem nas mãos da iniciativa privada, possuem um forte conteúdo político. É o caso da área de concessões, na qual mantém uma associação com outros dois gigantes da construção, a Odebrecht e a Camargo Corrêa. Nesse mercado, os problemas com o Estado continuam existindo, mas de forma indireta. Na Ponte Rio-Niterói, por exemplo, a Justiça brecou os reajustes de tarifas. Nas rodovias, como a Via Dutra, os pedágios também são constantemente questionados ?Quando os contratos não são respeitados, por falhas de regulação, quem sai perdendo é o consumidor?, diz Sérgio. ?Com uma receita menor, os investimentos também serão menores?. Apesar dos contratempos, a divisão é uma das prioridades do grupo. ?O negócio de concessões é uma vaca leiteira, com inadimplência zero e pagamento em dinheiro vivo?, diz um dos sócios da AG nas estradas. Na mira de Sérgio, estão a privatização de novas rodovias federais, como a Fernão Dias, e ainda dos aeroportos brasileiros.
A intensa geração de caixa dessas atividades é importante para outra prioridade do grupo, a redução da dívida de R$ 570 milhões. ?É um nível baixo de endividamento, considerando o porte do grupo, mas com os juros brasileiros é sempre bom trabalhar com altíssima liquidez?, diz José Diniz. Ex-executivo do Itaú e da Mckinsey, ele foi contratado há pouco mais de dois anos para comandar o caixa centralizado do grupo. ?Funciona mais ou menos como um banco de investimentos?, diz ele. Não é à toa que a política de juros altos é o principal alvo das críticas que Sérgio formula em relação à condução da política econômica. ?Acho que o governo vem sendo conservador demais?, afirma. ?É difícil encontrar projetos de investimento que rendam mais do que a taxa do Banco Central.? Com juros menores, Sérgio avalia que o País já estaria vivendo um boom de desenvolvimento. Mas a Andrade Gutierrez, pelo que conseguiu nos últimos três anos, até que não tem muito do que se queixar.