ermirio_01a.jpg

 

É verdade que Antônio Ermírio de Moraes está gravemente doente? É verdade que sofre de um câncer, detectado há três anos? É verdade que ele vem fazendo exames médicos constantes e que está ausente do dia-a-dia do grupo Votorantim por causa da doença? Os rumores tomaram conta dos meios empresarial e cultural após o dono da Votorantim ter passado mal no teatro do Shopping Frei Caneca, em São Paulo, no dia de estréia de sua peça Acorda Brasil, em maio deste ano. Desde então, o empresário andou recluso, o que só fez aumentar o mistério. Cabe a pergunta:

O sr. está doente? O que há de verdade nessa história?
Não há nada de verdade nisso. Faço exames periódicos, sim, porque estou com 78 anos de idade. E não me senti bem no teatro por conta da emoção da estréia. Continuo com minha rotina normal, na CBA, na Beneficência, nos compromissos culturais.

A entrevista aconteceu na sede da Companhia Brasileira de Alumínio, a CBA, na quinta-feira 23. Esperava-se, após os rumores de que sua saúde andava enfraquecida, encontrar um Antônio Ermírio abatido, sem o brilho de antes. Ele veio sorridente e bem disposto. Terno marrom, gravata do mesmo tom, camisa branca levemente listrada e o raciocínio mais rápido do que nunca. Próximo dos 80 anos, o empresário exibe um otimismo contagiante. Tem planos grandiosos de expansão para a CBA, estuda novos roteiros de teatro, fala orgulhoso de seus trabalhos sociais e faz um raríssimo elogio a Luiz Inácio Lula da Silva, alvo de suas ferozes críticas no primeiro mandato. ?Ele vem fazendo um bom trabalho?, concede. No momento, Antônio Ermírio está debruçado sobre a questão energética do País, ainda mais depois da ameaça de um colapso no setor em 2010. O homem que previu, com bastante antecedência, o apagão do começo do século, hoje anda para cima e para baixo com pilhas de livros que retratam o tema. ?A gente tem que estudar sempre, estar preparado para 2010. Esse é um assunto que continua sendo um problema no Brasil.?

Como resolvê-lo?
Deve-se aproveitar os recursos hídricos do País. Somos naturalmente privilegiados neste ponto. O que precisa ser feito é agilizar as avaliações ambientais e técnicas. Nós temos uma usina em Tijuco Alto, no Vale do Ribeira, que está parada desde 1998. Investimos bastante, o maquinário já está comprado, cumprimos todas as exigências e a usina ainda está na fase da viabilidade. Isso é ruim para o grupo Votorantim e para o Brasil. Tijuco vai integrar o sistema nacional de energia elétrica e está alinhada com o esforço do governo federal de ampliar investimentos públicos e privados no setor para evitar apagões.

 

 ermirio_02.jpg

Fábrica da CBA: produção de 470 mil toneladas de alumínio por ano e a conquista da liderança do mercado.

 

Não fossem os entraves técnicos e a Companhia Brasileira de Alumínio cresceria ainda mais. Isso porque a empresa atua no setor eletrointensivo, o termo que define as indústrias que consomem grande quantidade de energia em seu processo produtivo. Em 2007, a CBA alcançará a produção de 475 mil toneladas/ano, o que lhe dará o título de maior produtora brasileira de alumínio, ultrapassando a Albrás, da Vale do Rio Doce. Ermírio investiu, nos últimos sete anos, US$ 1 bilhão na CBA. Montou um complexo com cinco mineradoras, 18 usinas e uma fábrica, no interior de São Paulo, totalmente integrada, que vai desde o processamento do minério até a folha de alumínio. Os produtos abastecem os segmentos de construção civil, embalagens, eletricidade e transporte. Hoje, a CBA gera 60% da energia que consome. Para se ter uma idéia do que isto significa, a média mundial do setor é de 28% de geração própria. Outra vantagem da empresa é sua auto-suficiência em bauxita, minério a partir do qual o alumínio é produzido. Ermírio reservou R$ 358 milhões para colocar em operação as minas de Paragominas (PA), Miraí (MG) e a de Barro Alto (GO) ? esta última em 2008. Quer mais números? A CBA vem crescendo a uma média anual de 10%. É uma China dentro do grupo Votorantim. A meta, agora, é chegar à próxima década com uma produção de 630 mil toneladas/ano.?Meu pai é capaz de passar horas falando sobre alumínio e energia?, afirma o primogênito, Antônio Ermírio de Moraes Filho, dono da montadora de carros esportivos Lobini. ?A CBA é a menina-dos-olhos dele.?

Talvez essa devoção à CBA explique por que na segunda-feira 20, em pleno feriado na cidade de São Paulo, o empresário tenha dado expediente no escritório da empresa. Dispensou a maioria dos funcionários, mas estava lá, com alguns diretores, tratando de negócios. À noite, foi ao terraço Daslu, casa chique da zona sul da capital, participar de um evento da ONG Velho Amigo, comandada pela filha Regina de Moraes. Quando pode, gosta de prestigiar os herdeiros. Na quarta-feira 22, por exemplo, almoçou em sua casa com os nove filhos, genros, noras e netos. O ?almoço da quarta? já virou tradição entre os Ermírio de Moraes. ?No último encontro, quando deu duas horas, meu pai se levantou e avisou: ?Alguém nesta família tem que trabalhar.? E foi para a CBA?, conta, sorrindo, Ermírio Filho. ?Queria chegar aos 78 anos com a mesma vitalidade dele.? O primogênito lembra que recentemente seu pai enfrentou o salão do automóvel em São Paulo. Não faltaram avisos de que o evento era tumultuado. Mas ele fez questão de prestigiar a reestréia da Lobini no salão. O dono da Votorantim viu os carros, foi parado centenas de vezes e recebeu dezenas de ofertas tentadoras para levar para casa uns Mercedes, BMWs e outras máquinas.
Que nada. Ermírio de Moraes gosta de carrões, mas não de comprar carrões. Prefere aplicar o dinheiro em algo mais nobre. Financiando peças de teatro, por exemplo. De preferência, aquelas cujo roteiro foi escrito por ele. Já fez três. A mais recente, Acorda Brasil, foi vista por 26 mil pessoas e, assim como as outras, acabou virando livro, com o mesmo título.

Há algum roteiro em vista, para uma nova peça ou um novo livro?
Não sei ainda. Há idéias. O fato é que conquistei uma imagem no Brasil e tenho que ser responsável, escrevendo peças e livros cujos temas realmente interessem a sociedade brasileira. Adoro escrever sobre a realidade do País. Ficção é mais bonito, eu sei, mas eu não gosto de ficção. Gosto de pé no chão e gosto de mostrar o Brasil como ele deve ser mostrado.

Como é seu processo criativo? Como surgem as idéias para uma peça, por exemplo?
De manhãzinha. Uma boa noite de sono e a mente fresca ajudam na criação.

 

ermirio_03.jpg

Hidrelétricas: hoje, a CBA gera 60% da energia que consome. A média mundial é de 28%.

 

Quando ele fala manhãzinha, pode botar manhãzinha nisso. Levanta-se às cinco e meia, barbeia-se todos os dias (?detesto barba por fazer, parece desleixo?) e desce para o café da manhã. O desjejum é simples ? café com leite, pão com manteiga. Do café, ele dispara para o prédio da CBA, na Praça Ramos de Azevedo, centro de São Paulo. Abre a porta do escritório às seis e pouco e exige que os diretores cheguem às sete em ponto para uma reunião. Quando visita a fábrica, o chefe de produção fica desesperado. ?É que o cara tem que chegar às seis e passar um relatório completo?, conta um amigo do dono da Votorantim. Ermírio sempre foi centralizador. E adora números. Quando um assessor diz, animado, que a CBA vai chegar as 470 mil toneladas de alumínio produzidos, ele corrige: ?475 mil, na verdade?. Ainda conserva o hábito de anotar tudo em um caderno. É seu controle pessoal. Como presidente do hospital Beneficência Portuguesa (outra de suas paixões além de CBA e do teatro) é capaz de saber quantos lençóis foram comprados, em que dia e para quais leitos. Tudo graças às anotações no caderninho. ?O hospital não deve um centavo a ninguém. Pelo contrário. Tem reserva suficiente para honrar de uma só vez cinco folhas de pagamento se for preciso. É um primor de administração.?

O sr. ainda vai todos os dias à Beneficência Portuguesa?
Separo uma hora e meia de meu dia para ir ao hospital. Eu não ganho um centavo e vou feliz da vida. Hoje, mais de 60% dos pacientes da Beneficência são atendidos pelos SUS (Sistema Único de Saúde). É gente humilde, que precisa de um serviço médico decente. Cuido com carinho disto e admiro outros empresários que abraçam projetos semelhantes. Não se pode ser um parasita da sociedade.

A Beneficência serve como uma metáfora para o Brasil que Ermírio quer ver. Um País mais justo, bem administrado, crescendo. Certa vez, numa palestra para centenas de empresários em São Paulo, Ermírio de Moraes comparou o Brasil a um hospital. Seus anos de experiência à frente da Beneficência lhe deram um certo conhecimento autodidata de medicina. Pois ele usou esse conhecimento no evento, adotando termos médicos para falar de um Brasil enfermo e foi aplaudido de pé. Agora, aproveitando o título de sua última peça e de seu último livro, vale a pergunta:

O Brasil precisa acordar, dr.Antônio?
Ele acordou, mas anda um tanto sonolento. É como aquele sujeito que acabou de se levantar, sabe? Está com uma certa preguiça. Mas sou um otimista. Temos condições de crescer 5% ao ano, com um olho na estabilidade e outro no desenvolvimento. Os juros já baixaram, o País é respeitado e o governo está empenhado em fazer o melhor. É uma nação competente, na indústria e em vários outros campos. Deixe a indústria trabalhar que o Brasil cresce.

E o segundo mandato de Lula?
Desejo felicidades a ele. O Brasil é complicado de administrar e Lula fez um bom trabalho nos últimos quatro anos. Tem condições de dar continuidade.

O sr. aceitaria fazer parte do governo?
Já não tenho mais idade para isso.

Mas vê com bons olhos uma possível indicação de Jorge Gerdau a algum ministério. ?Jorge é meu amigo. Aliás, seu pai e eu éramos muito próximos. Certa vez, ele me ligou para perguntar se a Gerdau deveria sair do Rio Grande do Sul, se expandir. Eu respondi que sim. Acho que acertei no conselho?, brinca Antônio Ermírio. Foi assim, com visão de longo prazo e palpites certeiros que o dono da Votorantim construiu um império que atua em áreas tão distintas como cimento, metais, papel, serviços financeiros, agroindústria, energia e biotecnologia. ?Trabalho desde os 20 anos, estou bem e verei outras conquistas da Votorantim?, diz ele. ?Nasci sem um rim e aprendi a lutar desde cedo. Não é fácil me vencer?.