Houve tempo em que os militares, para manter o poder, levantavam, por vias tortas, a bandeira do patriotismo. Eles mudaram. Ao menos é o que se pode depreender da posição manifestada pelo ministro da Defesa, Geraldo Quintão, com a concordância do comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista, a respeito da licitação de US$ 700 milhões para a compra de 12 caças supersônicos à Força Aérea Brasileira. Quintão convocou uma entrevista coletiva para responder por que a Embraer poderia ser preterida na concorrência. ?A Embraer é uma empresa privada como outra qualquer, não pode ser privilegiada?, disse Quintão na terça-feira 20. Em seguida, atacou. ?A empresa não tem competência para construir um caça moderno.? Na quinta 22, à DINHEIRO, o brigadeiro Baptista seguiu a mesma toada. ?O que pensamos é que a Embraer poderia até obter a preferência caso fizesse um produto igual aos estrangeiros. Mas, lamentavelmente, não faz aviões de combate, não tem capacidade de desenvolver uma aeronave do nível que queremos e no tempo que precisamos?. Esqueceu-se Quintão que a Embraer conta no seu consórcio com a francesa Dassault, que conta com o absoluto domínio da tecnologia e garante o repasse integral desse know-how para a brasileira.

A decisão final sobre a licitação caberá ao Conselho de Defesa Nacional, a ser convocado pelo presidente Fernando Henrique. Ele tem garantido que a licitação da FAB será decidida pela melhor proposta técnica ? que já foi avalizada pelo corpo de especialistas da Aeronáutica como sendo a da Embraer-Dassault.O sub-argumento do ministro Quintão para levar adiante o que ele considera um tratamento entre ?iguais? ? de empresa nacional com as estrangeiras ? é que nada será fabricado no Brasil. ?Nenhuma empresa vai construir uma indústria no Brasil para produzir somente 14 aviões?, disse. ?O que vão fazer é comprar partes e montá-las no País?. Outra vez Quintão se engana. A Embraer fará em suas linhas de produção parte dos aviões e, num estágio gradativo, dominará toda a tecnologia. A própria empresa assegurou isso em comunicado nos jornais, publicado na quinta-feira 22: ?A solução proposta é uma aliança estratégica, sólida e de longo prazo?. O presidente da companhia, Maurício Botelho, tem garantido que se a encomenda da FAB for mesmo feita, pode ser uma plataforma de lançamento para exportações de novas encomendas. O que é sui generis nessa licitação é que todo o País ? técnicos, políticos e a opinião pública ? está sintonizado nela, com o mesmo sentimento de apoiar o consórcio local. Mas parece que só os militares acham que um dos orgulhos da indústria nacional, que eles mesmos construíram, pode ficar fora dessa encomenda. Um detalhe a se destacar é que, no passado recente, a Embraer já havia consultado todas as empresas concorrentes para uma eventual parceria. Decidiu-se pela Dassault porque ela apresentava a maior possibilidade de transferência de tecnologia. A Grippen ? tida como favorita ? não pôde garantir à Embraer a transferência total de tecnologia, pois muitos de seus aparelhos eletrônicos e armamentos pertencem aos americanos, que não cedem o know-how. Dá para comprar uma caixa-preta?