Logo nas primeiras páginas, o jornalista Pedro Bial avisa: ?Não é uma biografia autorizada, em primeiro lugar porque, na estante dos gêneros literários, este livro não deve ser classificado como ?biografia?. (…) Você tem às mãos o que se pretende chamar de ?grande reportagem?, um ?perfil?, no jargão das redações (…); quanto ao chavão ?autorizada?, que fique claro: a única pessoa que teria autoridade para consentir nesta obra morreu?. Roberto Marinho, de Bial, da Jorge Zahar (400 págs., R$ 29,50), é, sim, uma biografia de um dos grandes empresários brasileiros dos séculos XX e XXI ? transformá-la num produto menos ambicioso deve ficar na conta da modéstia do apresentador do Fantástico e animador do Big Brother. Quanto à outra questão, a do risco de um texto chapa-branca, o autor trata logo de desarmá-lo. Abre o volume com detalhes da senilidade de Marinho em seus últimos anos, assunto tabu na mansão do Cosme Velho e na sede da Rede Globo, no Rio.

Pode-se atravessar o livro com a emoção dos depoimentos de parentes e amigos, colhidos em 4 mil documentos e 70 entrevistas. Ele tem o tom coloquial raro em obras desta família, como se Bial conversasse com um telespectador do Big Brother. Mas o que o torna especial é o relato de formação do empresário, o rito de passagem das rotativas aos transistores. Há detalhes inéditos da gênese da emissora. ?Roberto Marinho tinha um extraordinário talento para descobrir o gosto médio?, diz Bial. ?Pensava como um consumidor, e isso o fez pensar em abrir um canal de TV já em 1950?. Em 1951, a Rádio Globo encaminhara a Dutra o pedido de concessão de uma transmissora de TV, acatado mas revogado em 1953 por Getúlio Vargas. Ela viria, finalmente, com JK e, depois, com Jango, que lhe outorgou um sinal em Brasília. ?Esta informação é essencial para começarmos a investigar algumas ?verdades absolutas? que o senso comum consagrou ? entre elas, a de que Roberto Marinho teria se fartado em benesses e facilidades da ditadura militar?, escreve Bial.

Na montagem da Globo e, portanto, do livro, há um capítulo fundamental, que ajuda a entender o nascimento do poderio da empresa. Dá-se em 1966, quando uma campanha liderada por Carlos Lacerda cria uma CPI para investigar a união da Globo com o grupo americano Time-Life. A acusação: a TV Globo seria controlada por estrangeiros. A defesa: a emissora apenas se beneficiara de um mecanismo para captar recursos no exterior, criando uma sociedade de assistência técnica, nada mais do que isso. A Globo perdeu a parada, porque recuou ? mas Roberto Ma-
rinho soube transformá-la em vitória. Marinho virou o jogo, e fez da parceria um mero acordo entre devedor e credor. Pagou o equivalente a US$ 6 milhões, uma fortuna na época, e desmon-
tou-se a confusão. Esse período, salienta Bial, o fez mais duro ? e, evidentemente, sobraram mágoas. Na origem de todas as diatribes de Lacerda, ao deflagrar a CPI, estava um empreendimento imobiliário no Parque Laje, antigo sonho de Marinho. Ao perder a briga neste episódio (o Parque foi tombado por Lacerda) perdeu também um sócio, Arnon de Mello, a partir dali considerado traidor. Anos depois, quando o filho de Arnon, Fernando Collor, apresentou-se ao empresário, ele foi objetivo. ?Não lhe agradavam os olhos vidrados de Collor, o jeito empertigado, não simpatizara com ele e implicara especialmente com os punhos da camisa dobrados?, diz João Roberto Marinho. A ótima biografia escrita por Bial ? sim, vale insistir, é disso que se trata ? é obra crucial para quem deseja conhecer um naco fundamental da indústria de telecomunicações do Brasil por meio de seu grande e polêmico mito.