Aos jovens costuma ser permitida uma certa dose de inconsequência. Assim, foi mais fácil para Pedro de Godoy Bueno, de 26 anos, decidir embarcar na maior missão de sua precoce carreira de executivo: gerir um poderoso grupo empresarial, um desafio que não costuma ser dado a pessoas com pouca maturidade. Em janeiro do ano passado, quando contava 24 anos, ele assumiu a posição de CEO do grupo de laboratórios Dasa, o maior da América Latina, dono de um faturamento anual de R$ 3,1 bilhões e de 23 marcas, como Delboni Auriemo, Lavoisier, Sérgio Franco e Bronstein.

Com isso, tornou-se o executivo mais novo no comando de uma companhia de capital aberto no País. A sugestão de seu nome partiu do representante independente do conselho de administração Oscar de Paula Bernardes Neto, ex-consultor da Booz Allen Hamilton, ex-CEO da Bunge Alimentos e conselheiro profissional com passagens por Localiza, Gerdau, Suzano, RBS, Alpargatas e Marcopolo. Pedro Bueno havia deixado para trás, em 2012, uma breve carreira de executivo em bancos de investimentos para ajudar o pai, o empresário Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, a fazer a venda e a integração da companhia de planos de saúde à americana UnitedHealth.

Não poderia haver melhor oportunidade para aproveitar o conhecimento que havia acumulado na área de fusões e aquisições do BTG Pactual. Mas, ao mesmo tempo em que vendia a Amil, o patriarca da família Bueno ampliava a sua participação na Dasa, para se tornar o controlador do negócio, com 98% das ações. Ele substituiu a posição de fundos de investimentos como o Skopos, Tarpon, Pátria Investimentos e do fundador Caio Auriemo. A sugestão de que Pedro, que estava administrando a empresa de investimentos da família, teria o perfil certo para o comando da Dasa surpreendeu a todos.

E até causou resistência no conselho de administração da companhia, em especial de Carlos Fernando Costa, representante do fundo Petros – que depois saiu do grupo de investidores. Mesmo seu pai foi reticente, de início. “Muita gente pensa que foi ele quem me colocou lá, mas meu pai, na verdade, foi contra”, diz Pedro à DINHEIRO, em uma rara entrevista. “Ele achava que seria arriscado, que traria muita exposição e que eu poderia me frustrar e nunca mais querer atuar como executivo.” Pedro pediu um tempo para pensar e foi nesse momento que usou a, digamos, inconsequência juvenil ao seu favor.

“Percebi que não tinha muito a perder, já que, se eu errasse, a culpa não seria creditada a mim, mas aos loucos que me colocaram lá”, afirma, em tom de brincadeira. “Se desse certo, diriam que há gente mais experiente por trás das decisões.” Além da ousadia, o jovem executivo sabia que contava com um fator especial em relação até aos mais talentosos profissionais da sua idade: ter acesso às ideias das melhores cabeças do mundo da gestão. Afinal, é filho de um dos principais bilionários do Brasil, famoso não só pela capacidade empreendedora como também por ter contato direto e boas relações com alguns dos mais reconhecidos gurus globais da administração de empresas, como o americano Jim Collins.

E, além de receber conhecimentos e experiências, Pedro afirma ter herdado do pai a propensão para o trabalho duro. De origem humilde, Edson de Godoy criou a Amil depois de crescer na pequena Guaratã, próxima a Bauru, no interior paulista, fazendo bicos de engraxate. Edson perdeu o pai aos cinco anos de idade. “Aprendo muito com ele. Apesar de termos estilos muito diferentes, ele me ensinou o valor do trabalho”, diz Pedro. “Quando fui trabalhar no BTG, só havia gente brilhante, e pensava que a única forma de me destacar era trabalhando o dobro deles. Acabava um trabalho e pedia o próximo.”

Logo, tornou-se diretor de back office e subiu na hierarquia do BTG. “Fiquei um ano morando no apartamento do meu pai em São Paulo, mas acho que o encontrei umas três vezes”, relembra. “Durante um semestre, de segunda a segunda, eu acordava às 8 horas da manhã e saía do trabalho só depois da meia-noite. Foi uma fase de muita operação de fusão e aquisição no banco.” No entanto, assim como há algumas semelhanças de perfil entre pai e filho, existem claras diferenças nos estilos dos dois. Edson é conhecido pelos gestos expansivos, por gostar de contar histórias e fazer palestras, sendo um dos representantes mais admirados do grupo de empresários e executivos do Lide, do prefeito eleito de São Paulo, João Doria Júnior. 

Já Pedro é discreto e tem uma postura reservada. Evita falar em público e é pouco visto nos encontros de jovens executivos. Diz gostar de ouvir bastante os mais experientes. Mas também chama a atenção por ser focado e decidido. Começou a estagiar na Amil, ao mesmo tempo em que cursava Economia, na PUC Rio. Participava de reuniões estratégicas e trabalhava na área de relações com os investidores na empresa, mas, depois de um ano, desejava colocar a mão na massa. Pediu para trabalhar em outras empresas, mas o pai não queria deixar. “Eu estava morando no Rio e dei um xeque-mate: disse que ia curtir a vida e parar tudo”, conta. “Era o que ele mais temia. Ligou desesperado, me liberando.”

No momento em que assumiu a Dasa, no ano passado, Pedro mostrou que exerceria uma liderança de gente grande. Negociou com o pai que precisaria de autonomia completa para ser respeitado e conseguir resultados rápidos. E usou essa carta branca de forma radical. Costumava ouvir que a empresa tinha um bom time. Mas os resultados não apareciam. A Dasa perdia rentabilidade e participação de mercado. Em 2012, a margem de rentabilidade era de 18%. Dois anos depois, caiu para 15%. No mesmo período, a participação de mercado diminuiu de 15% para 13%.

Resultado: Pedro decidiu trocar parte da diretoria. “Havia gente boa, com 30 anos de empresa, mas que não estava alinhada com a nova cultura ou que não estava pronta para enfrentar outros problemas.” Promoveu pessoas e trocou cerca de 70% do corpo administrativo. “Meu pai dizia que eu quebraria a companhia, tirando pessoas-chave da operação”, afirma. “Mas havia excesso de zelo por parte dos executivos, muitos relatórios eram elaborados e ninguém resolvia nada.” Ao todo, oito cargos de diretor foram extintos. Agora, restam ainda 16 diretorias.

Como manda a cartilha da boa gestão, cortou as gorduras e economizou custos de R$ 200 milhões ao ano. Os resultados, agora, começam a aparecer no balanço. Pedro diz que a melhora da rentabilidade ficará mais clara nos próximos exercícios fiscais. No segundo trimestre deste ano, o Ebitda (medida de geração de caixa) subiu 48,4% em relação ao mesmo período de 2015, para R$ 138,2 milhões. A margem atingiu 18,1%, comparada com a de 12,8% de um ano antes. Mais do que a influência paterna, o estilo de gestão que Pedro planeja implementar é inspirado na cultura de meritocracia dos bancos de investimento, e principalmente pela aplicada pelo Grupo 3G, de Jorge Paulo Lemann, em empresas como Burger King, ALL e Ambev.

O grande desafio que estipulou para sua gestão será mudar a cultura da Dasa em direção a um modelo similar ao de seus gurus. “A Dasa não vai ser uma empresa de estabilidade na carreira, mas de oportunidade de crescimento para seus funcionários”, afirma. “Adaptamos para o setor de saúde o estilo de gestão do 3G, com foco em resultados e crescimento, mas sem chegar a ser tão agressivo quanto um banco de investimentos.” Isso inclui dar autonomia para as pessoas fazerem as suas tarefas, para se sentirem mais donas da empresa. As boas ideias são estimuladas, diminuindo a importância da hierarquia.

Se um gerente tiver uma proposta melhor que a de seu diretor, ela será aplicada. Em uma conversa com o guru brasileiro dos negócios Vicente Falconi, o jovem CEO ouviu que uma mudança cultural do tipo que pretende empreender em uma empresa com 16 mil funcionários costuma levar de cinco a sete anos. Tempo demais, achou. “Sugerimos a ele que podemos fazer em quatro anos, mas Pedro disse que quer conseguir em três”, afirma Emerson Gasparetto, diretor médico da Dasa e um dos promovidos pela nova gestão.

O desafio maior está no fato de que, desde a saída do fundador Caio Auriemo do comando, em 2009, uma série de planos de dois anos foram aplicados por gestores diferentes. “Isso fazia a empresa toda correr para um lado e depois para outro, o que tornou as pessoas mais acomodadas, imaginando que a direção poderia logo mudar”, diz Gasparetto. “Agora, estamos passando a sensação de que temos um controlador interessado no longo prazo.” Na análise da situação, que durou todo o primeiro semestre de 2015, foram identificadas até grandes diferenças de cultura entre as operações do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Nas unidades fluminenses, as reclamações envolvendo o atendimento são mais recorrentes, assim como a entrega dos resultados dos exames costumam demorar mais. Hoje, a principal meta da empresa é, segundo Pedro Bueno, a satisfação do cliente – exatamente uma das adaptações do estilo 3G para a saúde. Até mesmo a política de remuneração mudou. Para os principais executivos, a bonificação envolve não só os resultados financeiros, mas também o índice de satisfação dos clientes. Desde que Pedro assumiu, essa nota subiu quatro pontos, numa escala de zero a dez.

Um dos grandes problemas da Dasa foi a perda da percepção de qualidade que afetou as suas principais marcas na segunda metade da década passada. O trabalho de recuperação da reputação já havia sido iniciado na gestão do executivo Marcelo Noll em 2012, mas Pedro está acelerando a estratégia. Sua equipe identificou 20 profissionais de referência no mercado de diagnósticos, em concorrentes e hospitais, e os contratou. “Mais do que dinheiro, médico gosta de trabalhar em projetos de prestígio, de fazer pesquisas e falar com os melhores”, diz. Atualmente, 2,5 mil médicos estão ligados à Dasa.

Ele também resolveu trocar rapidamente todas as máquinas de imagem usadas pelo Delboni até o fim deste ano, em um investimento total na marca de R$ 180 milhões em 2016. “Não fazia sentido fazer a migração aos poucos, pois o resultado não apareceria para o mercado”, diz Gasparetto. Esse investimento foi possível com a economia de custos internos, que destravou recursos antes voltados a trabalhos burocráticos. Agora, a ordem é aplicar o dinheiro em ações que serão melhor percebidas por clientes e médicos. Com essa pegada, a gestão de Pedro aumentou significativamente o volume dos investimentos.

Nesse ano, a Dasa vai destinar R$ 350 milhões. Até 2014, a média anual era de R$ 140 milhões. Parte desse valor vai para tecnologia da informação. Para acompanhar o plano, o chefe de tecnologia do Itaú, Alexandre de Barros, foi trazido para o conselho, e ele atraiu pessoas que trabalharam no banco para a diretoria voltada à área. Sistemas de gestão estão sendo implementados, como um SAP. Por fim, Pedro e sua equipe estão cumprindo um pedido de Edson da época em que se tornou um importante acionista da Dasa: a expansão mais rápida do número de unidades.

A empresa vai abrir 45 centrais de diagnósticos neste ano, para atingir o número de 590. O seu grande rival, o Fleury, possui 138 unidades. Levar a companhia a aumentar investimentos durante um período de crise econômica exigiu uma medida drástica: em fevereiro passado, a Dasa saiu do Novo Mercado da Bovespa e tirou das costas a pressão dos analistas e investidores por resultados de curto prazo – síndrome típica dos mercados de ações. Segundo Pedro, não há interesse dos controladores em fechar o capital. Como apenas 0,2% das ações estão em livre circulação (free float), a empresa foca em estratégias de longo prazo.

As ações da Dasa chegaram a fazer parte do índice Ibovespa em 2012 e agora possuem baixa liquidez. Por isso, muitos analistas de grandes bancos deixaram de acompanhar o desempenho da empresa. Entre os poucos que ainda fazem qualquer tipo de análise, a sensação é de que bons indicadores já aparecem, mas há muito espaço a recuperar. Segundo Javier Martinez Cerdan, analista do Morgan Stanley, a Dasa segue a tendência do setor de saúde brasileiro de recuperar os níveis de rentabilidade de antes de 2010.

Os preços das ações voltaram ao patamar acima dos R$ 20, um nível que havia ficado para trás no primeiro semestre de 2011. Com isso, a companhia vale hoje US$ 2 bilhões na Bolsa, contra US$ 1,9 bilhão do Fleury, um concorrente de menor porte. Pedro Bueno está indo bem, mas sabe que não terá vida fácil pela frente. O setor vive pressões de forças conflitantes. De um lado, há uma tendência maior de consumo por parte da população, que está em processo de envelhecimento. De outro, a crise econômica e as demissões fizeram o mercado de planos de saúde perder dois milhões de membros, o equivalente a 4% de sua base, desde outubro de 2014.

Sem cobertura, essas pessoas agora dificilmente usarão exames de laboratório de maior qualidade. A seu favor, a Dasa conta com a grande capilaridade da rede de atendimento – está presente em 20 Estados – e a diversificação do público, com foco tanto na classe A (com a Alta Diagnóstico) quanto na classe B (Delboni Auriemo) e classe C (Lavoisier). O caminho está dado, mas é preciso superar os efeitos dos problemas de gestão dos últimos anos e transformar qualidade em lucros maiores. A Dasa ainda está na última posição do ranking de rentabilidade da DataStream, que mede o retorno sobre o patrimônio nos últimos três anos em 21 laboratórios da América Latina.

Pedro Bueno diz que este não é um indicador sobre o qual está se debruçando agora e que, mesmo com o aumento dos investimentos, a lucratividade deve continuar melhorando durante o ano. Para o Morgan Stanley, a margem Ebitda da Dasa deve fechar este ano em 16%, chegando a 18,7%, em 2017. É um bom sinal. Se, no começo de sua gestão, Pedro poderia usar como escudo a tal irresponsabilidade juvenil (que ele não tem, é bom lembrar), chegou a hora de entregar resultados. “Com 1 ano e 9 meses no comando, já posso começar a ser cobrado”, diz o confiante CEO mais jovem do País.

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“Quando não se tem experiência, o ideal é escolher o melhor time”

Pedro de Godoy Bueno, CEO da Dasa

Neste ano, é possível perceber uma melhora da rentabilidade da Dasa. O que foi feito?
Reduzimos muitos desperdícios. Percebi que precisávamos destravar recursos que estávamos gastando com nós mesmos. Havia muito pessoal voltado a trabalhos internos burocráticos. Conseguimos cortar R$ 200 milhões de gastos anuais. Tentamos redirecionar isso para trazer médicos e renovar o maquinário.

A principal marca da Dasa, o Delboni Auriemo, ficou com uma má reputação junto à comunidade médica, com uma imagem de entregar resultados não confiáveis? Como mudar isso?
Estamos nos aproximando dos médicos. Afinal, eles têm o poder de indicar onde não fazer exames. Temos canais para que possam ligar diretamente para nossos médicos e discutir casos e resultados de exames. Procuramos identificar os 20 profissionais de referência no mercado de diagnósticos e contratamos todos eles. Os médicos gostam de conversar com os melhores, e essa preocupação com qualidade vai sendo difundida no setor.

Como é ser um CEO tão jovem?
Ser um CEO jovem é muito parecido com o trabalho dos mais velhos: é preciso passar uma visão que faz as pessoas trabalharem com vontade. Quando não se tem experiência, o ideal é escolher o melhor time e não ter medo de lidar com gente muito melhor do que nós.

E quem são essas pessoas que te ajudam na gestão? O seu pai e Dickson Tangerino (braço direito de Edson de Godoy Bueno e o CEO anterior da empresa)?
A experiência deles ajuda. Aprendo muito com meu pai. Apesar de termos estímulos muito diferentes, ele me passou muito do valor do trabalho. Escuto muito também a equipe de diretores. Eu não tenho formação médica. Montamos uma equipe muito boa. Eu promovi muitas pessoas para posições de diretoria.

A sua principal inspiração é o modelo de gestão do 3G, de Jorge Paulo Lemann. Como tem feito para mudar a cultura da empresa?
Queremos deixar claro que as pessoas têm de sentir donas da empresa. Criamos um programa de sócios, que elege pessoas selecionadas por um comitê de avaliação que estão tendo um bom desempenho e estão alinhadas com a cultura. Também queremos diminuir o status do cargo. Um gerente pode ter uma ideia melhor que a de seu diretor, e então ela será aplicada. É possível até que um gerente se torne sócio da Dasa e o seu chefe imediato, não.