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NA SALA DE REUNIÕES DA presidência do Banco Central, em Brasília, Henrique Meirelles guarda poucas imagens. Nelas, ele aparece ao lado da esposa, Eva, do presidente Lula, da primeira-dama Marisa Letícia e também do premiê chinês, Hu Jintao. Um outro porta-retrato, porém, é mais simbólico. Em vez de uma foto, há um recorte de jornal, que Meirelles mandou emoldurar. É a carta que Rosmil Pachá Jabur, um cidadão comum, encaminhou a uma redação. No texto, Jabur admite que durante anos cerrou fileiras ao lado de economistas heterodoxos, de entidades patronais e das centrais sindicais na gritaria contra o presidente do BC e sua política de juros altos. Mas que depois, ao ver tudo crescendo no País, só lhe restava uma confissão: ?Meirelles, gênio ou louco, é o herói da gestão Lula?. A carta e também o carinho que o homem forte da economia tem por ela revelam significados. Um deles é que Meirelles vem se consagrando ? especialmente após a conquista do grau de investimento pelo Brasil, concedido pela agência de risco Standard & Poor?s. Outro, nem tão óbvio assim, é que ele não vive isolado na sua torre de marfim. É um presidente de Banco Central que perscruta as opiniões alheias, valoriza a crítica e investiga o sentimento popular em relação a ele. Especialmente porque, ao contrário dos antecessores, Meirelles é também um político ? e dos mais ambiciosos. ?O Brasil precisa reconhecer e aprender com todos os seus acertos?, disse ele à DINHEIRO, numa entrevista exclusiva, na manhã da quinta-feira 8.

RUMORES EM BRASÍLIA DÃO CONTA DE QUE ELE JÁ COMUNICOU AO PRESIDENTE LULA A DECISÃO DE DEIXAR O BC EM 2009

O que Meirelles define como acerto, na verdade, é a combinação entre uma política econômica consistente, parcialmente herdada, e um estilo gerencial que ele transportou ao Banco Central. A primeira parte da equação é conhecida: metas de inflação, câmbio flutuante e rigor fiscal. A segunda tem a ver com as lições aprendidas ao longo de uma bem-sucedida carreira empresarial, que o levou ao topo do mundo ? Meirelles foi o primeiro nãoamericano a presidir um grande banco nos Estados Unidos, o Fleet Boston. ?Em qualquer missão, é preciso ter um plano e persegui-lo de forma determinada e sem hesitação?, diz ele. O eixo central do plano Meirelles, anunciado à DINHEIRO em 2002, antes mesmo da sua posse no BC, era zerar a dívida interna indexada ao dólar. Foi isso que reduziu drasticamente o risco Brasil e abriu espaço para o investment grade. ?Ele desarmou a bomba atômica?, avalia o banqueiro Dorio Ferman, um dos principais gestores de recursos do País. No campo macroeconômico, Meirelles decidiu, simplesmente, não reinventar a roda. De todos os presidentes de Banco Central recentes, ele foi o mais ortodoxo. Combateu a inflação e a colocou no centro da meta com o mais básico dos instrumentos: a taxa de juros. Puro feijão-comarroz? ?Não?, garante Meirelles. ?Feijão-comarroz garante a sobrevivência, mas nossa dieta foi bem mais complexa.?

Meirelles talvez não tenha bansido um chef inovador, como o espanhol Ferran Adriá, mas foi aquele que apresentou os melhores resultados na cozinha da economia. Na sua gestão, a inflação foi decepada, o real se valorizou e os ativos brasileiros dispararam (leia gráfico abaixo). Uns dirão que foi sorte e alguns, como o missivista de jornal Pachá Jabur, reconhecerão a competência do presidente do BC. Mas o fato é que, na função atual, Meirelles já não tem mais aquilo que no mercado financeiro se chama de upside. Em outras palavras, do ponto de vista pessoal, não há um viés de alta. Afinal, o que mais ele pode querer do cargo que ocupa? Justamente por isso, na semana passada, surgiram rumores de que Meirelles já teria comunicado ao presidente Lula a decisão de deixar o Banco Central. Não agora, mas em 2009, para voltar à política ? antes de assumir o cargo, ele renunciou a um mandato de deputado federal por Goiás. ?Até as pedras de Goiás Velho sabem que ele será candidato?, garante o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Comenta-se que, nessa tarefa, ele já teria um articulador: José Francisco das Neves, presidente de uma autarquia do Ministério dos Transportes, que estaria organizando seus contatos políticos.

No cenário político atual, a cartada mais segura seria uma candidatura ao governo de Goiás, Estado natal de Meirelles. Mas esse é apenas o plano B. Ao círculo mais próximo de amigos, Meirelles já confidenciou que gostaria mesmo de disputar a Presidência da República, desde que não fosse uma aventura. Para isso, ele reúne algumas condições. Uma delas, dinheiro. Em 2002, ano em que se elegeu deputado, Meirelles declarou à Receita Federal um patrimônio de R$ 104,5 milhões. Essa fortuna foi confiada a um gestor independente e se tiver sido minimamente bem administrada nos últimos anos terá se multiplicado por cinco ? ou até mais. Portanto, ele poderia bancar grande parte de sua campanha sem sujar as mãos, assim como um Michael Bloomberg, nos Estados Unidos. ?Pode ser que surja espaço no Brasil para uma liderança de perfil gerencial?, avalia o economista Paulo Rabello de Castro. ?Ainda não apareceu um nome que galvanize o sucesso da política econômica?, reforça Otávio Amorim Neto, cientista político da FGV. Ambos, no entanto, apontam o mesmo ponto fraco em Meirelles: a dificuldade de estabelecer um arco de alianças político-partidárias em torno do seu nome. E é por isso que também se fala em Brasília de uma outra hipótese: a de que ele poderia concorrer a vice numa chapa encabeçada por Antônio Palocci, caso o ex-ministro da Fazenda se livre das acusações que ainda pesam contra si.

Oficialmente, Meirelles descarta os planos políticos. Ele tem repetido, assim como nesta entrevista concedida à DINHEIRO, que seu desejo de cumprir uma missão pública foi realizado no Banco Central. Mas a verdade, pura e simples, é que ele não convence seus interlocutores. Mesmo porque a ambição eleitoral já vem de muito longe. Logo que se tornou presidente mundial do BankBoston, em 1996, Meirelles contratou o jornalista Augusto Nunes, que havia sido editor político de vários jornais, como diretor do banco no Brasil. Uma de suas funções era mantê-lo informado das articulações políticas no Brasil. Cioso de sua imagem, Meirelles também chegou a contratar outro jornalista, Nirlando Beirão, para que escrevesse sua biografia, mas o projeto acabou sendo engavetado por falta de tempo. Além disso, ele vem de uma família de políticos, com vários representantes na vida pública goiana.

Outro traço marcante da personalidade do presidente do Banco Central, além da ambição, é a repulsa completa a qualquer tipo de monotonia. E ele próprio sabe que, no Banco Central, o máximo que poderá fazer será mais do mesmo. Meirelles acredita que o Brasil está ingressando num longo ciclo de crescimento econômico, que poderia durar 20 anos ou mais. No entanto, enxerga apenas um risco. ?O retrocesso?, afirma. Enquanto ele estiver sentado na cadeira de presidente do Banco Central, essa hipótese estará descartada. Mas convém não apostar muito nisso. ?Ele faz conta em dois segundos e enxerga muito, mas muito à frente?, diz o financista Ricardo Gallo, que trabalhou com ele no Boston durante mais de uma década. O que isso quer dizer? Talvez, que Meirelles esteja em busca de um novo desafio. De preferência, bem maior do que o anterior.

Os três mandamentos de Meirelles

1. ?Em qualquer missão, tenha um plano. Depois, persiga-o de forma determinada e sem hesitação?

2. ?Aprenda com os erros do passado. E tanto faz se eles foram cometidos por você ou pelos outros?

3. ?Aprenda também a reconhecer e a valorizar os acertos. E não importa se são seus próprios acertos?

 

?O único risco agora é reinventar a roda?
Meirelles diz que o Brasil terá um longo ciclo de expansão se não houver retrocessos

 

O que determinou o grau de investimento?
A aplicação consistente e sem hesitação do regime de metas de inflação, do câmbio flutuante e do superávit primário. O importante são as palavras consistência e rigor. Além do mais, zeramos o endividamento cambial.

Por que isso era tão importante?
O Brasil tinha quase 40% da dívida doméstica indexada ao dólar, além da dívida externa. Com isso, tínhamos um circulo vicioso. Quando havia turbulências no mercado cambial, isso aumentava a dívida pública em relação ao PIB, o que causava preocupação com relação à solvência do setor público. Isso gerava uma maior saída de recursos, o que desvalorizava mais a moeda. Hoje, nós somos um credor líquido em moeda externa.

Quando o sr. tomou esta decisão, pesou a experiência como banqueiro?
Sim, nos meios financeiros internacionais, isso é conhecido como pecado original. Éramos um país que não conseguia se endividar na própria moeda.

Como gestor, como o sr. define rigor?
É estar à frente da curva. Não cair na tentação de fazer o mínimo possível. Veja o caso da inflação. Em maio de 2002, ela bateu em 17%. Tempos depois, quando nós agimos, um empresário me disse: ?Henrique, você vai criar a maior crise da história do País.? Então, eu disse a ele: ?Quando você se convenceu de que o presidente Lula ia ganhar a eleição, concluiu que ele adotaria uma política monetária frouxa e se preparou para isso. Foi um erro. A inflação está caindo e você tem um estoque caro. Se você estivesse em outro país, assumiria o prejuízo. Mas o primeiro passo da sua estratégia é me intimidar. Eu vou lhe adiantar que isso não vai funcionar. Aí você vai trabalhar pela minha demissão. Na minha avaliação, você corre um grande risco de fracassar.?

Passado o fogo amigo, quais são os próximos desafios da economia brasileira?
Uma das discussões que vejo no Brasil é que, quando um governante começa a adotar um modelo vencedor, existe uma argumentação de que é um mero continuísmo. Uma coisa que ouvi de analistas internacionais na época de instabilidade é que o brasileiro tem a impressão de que deve a cada dia reiventar a roda.

O feijão-com-arroz não basta?
Não é bem arroz com feijão, que é uma dieta que faz a pessoa sobreviver, mas é insuficiente. Uma dieta completa é mais rica. Existe esta idéia de que a boa política é nova. Isso gera imprevisibilidade e medidas malfeitas.

Qual deve ser o próximo objetivo do País?
Não ficar limitado à política monetária, tem que ir além. Como nós tivemos algumas décadas de crise monetária, cambial e fiscal, nós temos uma tentação de continuarmos discutindo este assunto. Vamos começar com a política monetária. O sistema de metas de inflação foi aplicado com sucesso no Brasil, mostrou que funciona. A mesma coisa na política cambial, com reservas elevadas. Isso não muda.

Dito isso, quais são os próximos passos?
Vamos começar com as grandes questões nacionais: investimento em infra-estrutura, educação, aumento da poupança, do investimento privado. O Banco Central tem que continuar não procurando novas missões.

Como o sr. vê a discussão do fundo soberano?
Eu tenho duas normas pessoais. Eu não discuto decisão futura. E, segundo, eu não fico comentando possíveis decisões de outras áreas.

Seu grande trabalho no BC já foi feito?
Não há dúvida de que hoje nos podemos dizer que estamos em velocidade de cruzeiro.

Isso o levará a buscar novos desafios?
Se acontecer, você vai saber na hora certa.

Há uma especulação hoje no jornal Correio Braziliense de que o sr. já comunicou ao presidente que vai deixar o BC. Isso procede?
Outra norma que eu tenho é não comentar boato. O fato de ser publicado não significa que deixa de ser boato. Notícia publicada que não tem fonte para mim continua sendo boato. Não acho adequado a um presidente do Banco Central ficar desenvolvendo planos futuros.

No passado, o sr. dizia que sonhava até com a Presidência da República.
Eu nunca disse que eu pretendia ser candidato a um cargo ou outro, a não ser ao que eu fui. O que eu tinha era uma decisão de me dedicar à vida pública, até com certa ansiedade. O presidente Lula me deu a oportunidade aqui no BC e eu dei minha contribuição. Então, neste aspecto, eu já cumpri o meu sonho.

Mas essa política econômica ainda não tem um herdeiro claro?
O grau de investimento é resultado de uma conquista do País em diversas áreas. O Banco Central é uma delas. Mas o desempenho do Brasil de entregar um superávit fiscal todos esses anos foi fundamental. O fato de o Brasil estar crescendo também é vital. Um país que não consegue crescer não pode ser investment grade. Portanto, gostaria de deixar bem claro que cada um tem o seu papel.

O fato de a sua experiência pública ter se dado no governo do PT a torna mais rica?
A minha experiência tem sido gratificante, interessante e desafiante. O presidente Lula, aliás, é o maior responsável pelo investment grade, como líder que é. O trabalho com ele é muito bom. Temos relações pessoais excelentes e ambos temos honrado nossos compromissos e compartilhado a experiência de criar um novo modelo de crescimento para o Brasil. Ele passa por uma administração econômica racional, que usa os mecanismos mais modernos para fazer com que a economia produza de forma mais eficiente e o use parte dos recursos na distribuição da renda. Portanto, é um modelo que eu considero vencedor para a América Latina.

Muitos dizem que o Brasil está entrando num longo ciclo de crescimento. Verdade?
Pode ser, não será necessariamente. Qual é o grande risco de não ser? É o retrocesso. É a busca do atalho. O Brasil deve aprender com os erros dos outros ? e com os próprios também ? para evitálos. A outra coisa que eu acrescentaria é aprender com os acertos também ? e isso inclui os próprios.

Quem pode representar essa política vencedora na disputa presidencial em 2010?
A política é a política do presidente Lula, não é a política de um ou de outro ministro. E, portanto, suponho que diversas pessoas poderiam representar a continuidade em 2010.