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“A Gol injetou o querosene da concorrência no setor aéreo brasileiro”

 

 

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“Havia muita política e muitos sindicatos dentro da TAP. Tive de ser agressivo”

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. passou quase 40 anos da sua vida pilotando ou dirigindo companhias brasileiras. Há muita diferença para o mercado europeu?
FERNANDO PINTO ? E põe muita nisso. Embora se fale bastante de abertura no mercado brasileiro, o europeu é muito mais agressivo. Aqui o processo de abertura tem mais tempo. Hoje, qualquer empresa pode voar nas linhas que a TAP opera. E nós podemos entrar nas linhas dos outros. Todas as companhias têm direito de tráfego para qualquer parte do mundo a partir daqui. Em todas as rotas internacionais que eu atuo, há competição. Há, ainda, a concorrência das empresas low-cost. É muito pesado. Além disso, com o advento do euro, passamos a ter custos mais parecidos com os de uma briga boa, limpa, mas de gente grande. Portugal estava um pouco abaixo da média em termos de abertura de mercado, mas hoje estamos mais próximos. Estamos numa luta de igual para igual com grandes empresas. O que não é fácil.

DINHEIRO ? O que se percebe, na Europa, sobre o mercado brasileiro?
PINTO ? Ele vem se desenvolvendo no sentido de ter mais abertura e competição. Acontece que, como todos os países, o Brasil sofreu com a crise. O mercado brasileiro é muito dependente do mercado americano. E sofreu ainda mais com a desvalorização cambial. Afinal, os custos são em dólar. Isso, aparentemente, passou e o Brasil está em outra fase. As empresas estão em franca recuperação. O mercado esquentou com a entrada da Gol, que colocou o querosene da concorrência na aviação brasileira. Está de parabéns. Mas a TAM e a Varig, apesar de suas dificuldades, são empresas fortes. A Vasp tem uma crise maior, mas esperamos que seja temporária. Na minha época de Rio Sul e Varig, tínhamos uma competição razoável, mas o mercado era muito segmentado. Cada empresa desenvolvia sua área e tinha o domínio. De lá para cá, essa competição só fez aumentar. Isso trouxe uma redução de tarifas que favoreceu o mercado. O passageiro é o grande beneficiado.

DINHEIRO ? O sr. está certo de que a Varig ainda é uma empresa forte?
PINTO ? Eu diria que a estrutura da Varig, com a Fundação Rubem Berta, sempre foi muito respeitada. E era algo admirado porque dava certo. O problema é que, de uma hora para outra, a Varig apareceu com problemas que nós estamos vendo aí. O foco vai para cima dessa estrutura. Da estrutura que não deu certo. E aí o que se ouve e fala é que tem de mudar essa estrutura ou não haverá condições de recuperação. É evidente, hoje em dia, que as empresas têm de estar abertas ao mercado, com ações em Bolsa, buscando dinheiro. Elas têm de ser competitivas, dando retorno ao capital investido. E, pelo que sei, das pessoas que conheço, como o Luiz Martins, a Fundação não tem nenhuma expectativa em ficar na Varig. Pelo contrário. Se é para resolver a crise, ela sai. Então, eu vejo o futuro da Varig como uma empresa de capital aberto e com a maior parte do seu capital na Bolsa. É claro que há uma etapa para chegar lá, mas vejo a Varig disposta a fazer a sua parte.

DINHEIRO ? O que lhe parece a fórmula do governo, de reestatizar a Varig e, em seguida, leiloar a empresa?
PINTO ? A Varig não tem um problema de direção, mas de capital. Não sei exatamente qual o tipo de ajuste que tem de ser aplicado à Varig neste momento, mas tem de haver algum. Se a Fundação tivesse como se capitalizar, seria ótimo. Mas, neste momento, isso parece impossível. As recentes vitórias na Justiça ajudaram a companhia a se capitalizar, mas isso não foi suficiente. O dinheiro para a Varig superar seus problemas tem de vir do mercado. Uma saída é a Fundação vender suas ações.

DINHEIRO ? O mercado brasileiro ajuda o investidor a confiar em companhias aéreas?
PINTO ? Sim, porque já está demonstrando que ele é amplo o suficiente para ocupar as companhias que estão em operação neste momento. Os resultados operacionais das três maiores ? e me refiro à Varig, TAM e Gol ? são bons. O problema, volto a dizer, é capitalização. O mercado brasileiro é imenso, muito forte, não se compara com o mercado que tenho aqui na Europa. As companhias brasileiras têm muito para crescer.

DINHEIRO ? Mas o governo interfere.
PINTO ? E isso é natural. Precisamos ultrapassar essa fase de incertezas e o governo pode ajudar nisso. Mas depois ele deve deixar as forças naturais do mercado agirem. Por enquanto, o governo estar perto é importante.

DINHEIRO ? O sr. pegou a TAP praticamente quebrada e a colocou nas nuvens do sucesso. Qual é o segredo?
PINTO ? Agressividade. Assim que entendi como a companhia funcionava, sob grande pressão dos sindicatos e dependência do governo, procurei agir agressivamente sobre cada problema. Outro ponto, talvez o mais difícil, foi mostrar ao empregado da empresa o desafio que tínhamos pela frente e o quanto vencer esse desafio seria bom para a vida pessoal e profissional dele. Havia muita política aqui dentro. Isso acabou.

DINHEIRO ? Olhando para trás, qual foi o período
mais difícil?
PINTO ? A decolagem, sem dúvida. Peguei a companhia com 100 milhões de euros de prejuízo, mas no ano seguinte o buraco foi para 120 milhões de euros. Tivemos uma perda de 40 milhões de euros no primeiro ano, e mais 5 milhões de euros no segundo. Dentro da companhia, logo de cara, não tínhamos muito em quem nos apoiar. Montei um grupo e fiz todos entenderem que a TAP passaria a ser administrada não por um gestor apenas ? eu ?, mas por esse grupo técnico e profissional. Do contrário, eu não teria condições de sair do mercado brasileiro para o europeu ditando regras e ser obedecido.

DINHEIRO ? Quando começou a virada?
PINTO ? Em 2003, tivemos um resultado positivo de 20 milhões. Devemos fechar 2004 ainda mais positivo, apesar do aumento do combustível, que nos fez gastar 75 milhões de euros além do esperado, com outros 15 milhões em caixa. O mercado de aviação começa a mostrar sinais de recuperação. Daqui para a frente irão sobreviver as empresas que se modernizarem. Por aqui, é o que estamos fazendo. Começamos um novo ciclo, com uma nova imagem que mostra a empresa jovem, agressiva. Isso vai se traduzir em tarifas mais baixas e custos operacionais menores. Nos próximos anos, toda empresa aérea terá de trabalhar forte na melhoria da eficiência. Obviamente que chegaremos num limite de curva em que isso não funcionará mais. Daí só com novos tipos de aeronave e quando o serviço de tráfego aéreo e de taxas aeroportuárias estiverem sujeitas a competição, se é que isso vai acontecer algum dia. Hoje, a competição somos nós, e ela se dá na busca ao cliente. O resto é cost-plus.

DINHEIRO ? Muito se fala em redução de custos. Como isso foi feito na TAP?
PINTO ? Tivemos de fazer um corte de 10% no pessoal, mas isso, sozinho, não adiantaria. Para conseguir operar, para ter um crescimento de oferta, aumentamos a utilização diária dos aviões. Temos aparelhos que operam 15, 16 horas por dia. A média nos aviões de longo curso chega a 14. Nos percursos médios, a média está em oito horas. Nós estamos fazendo 12 horas. Isso porque estamos operando bem os aviões. Desse modo, em 2001 nós aumentamos a oferta de assentos em 7%. No ano passado, chegamos a 14%. Fechamos o ano passado com 70% de ocupação. Desses 70%, aproveitamos 78% nos vôos internacionais. Ainda temos vagas nos aviões e podemos trazer o cliente com tarifas mais baixas. O cliente que está usando a low-cost pode nos utilizar.

DINHEIRO ? O sr. foi eleito presidente da Associação das Empresas Européias de Aviação. Quais são seus planos?
PINTO ? Ainda teremos, este ano, um período crítico para o setor de aviação. O mercado está melhor, mas os custos estão piores, sobretudo devido ao aumento dos combustíveis. Darei cotinuidade à política dos céus abertos. Os Estados Unidos têm tido uma política muito protecionista em relação às suas empresas. É preciso que haja um equilíbrio de forças. Outro aspecto que terei de resolver é o de seguros. Do outro lado do Atlântico há apoios que deste lado não existem. Isso já nos custa muito. Em menos de três anos, no caso da TAP, o impacto dos seguros nos cursos subiu de US$ 56 mil para US$ 7,5 milhões. Tivemos de repassar e cobrar dos passageiros uma taxa de 5 euros per capita por conta do seguro. Não faz sentido que as companhias absorvam determinados custos de segurança dos cidadãos quando esta é uma responsabilidade do Estado.

DINHEIRO ? As chamadas companhias low-cost estão prosperando. Elas são uma ameaça às grandes?
PINTO ? Não tanto. Eu diria que elas ajudaram as empresas tradicionais a serem mais competitivas. As empresas tradicionais já começam a absorver grande parte do contingente de passageiros das empresas menores. Estamos sabendo usar melhor a nossa rede de agências, que é maior e passa a ser mais interessante para o passageiro. Se ele, além de ter um serviço de bordo, ainda conta com tarifas competitivas, então não tem discussão: opta por nós. Eu diria mais. Hoje, nós é que estamos ameaçando as low-cost.

DINHEIRO ? Para onde o mercado cresce?
PINTO ? Para o Oriente. Só a China teve um crescimento de demanda no ano passado que chegou a 18%. É uma coisa louca. A análise disso é que, com o crescimento no Pacífico, não há dúvidas de que se vai precisar de frotas com aviões maiores.

DINHEIRO ? A Airbus lançou o maior avião do mercado. O sr. acredita nele?
PINTO ? As chances de dar certo são grandes. No momento em que a Airbus lança um avião que tem um custo por acento menor que o 747, com um pouco mais de capacidade, ele passará a ser uma opção natural das empresas que hoje operam com o 747. E no momento em que determinadas empresas conseguem utilizá-los e repassam essa economia para o custo do bilhete, isso pode levar a uma redução de tarifas para todo o mercado. Não vejo por que esse avião não seja um sucesso ? desde que não tenhamos grandes crises.

DINHEIRO ? A Embraer pode entrar nessa briga?
PINTO ? No segmento de aviões intermediários, a Embraer tem produtos extremamente competitivos, exatamente porque não concorrem com as ofertas da Boeing e da Airbus. São aviões que competem numa área muito interessante e que chegam perto dos 737. Eu acho que eles terão uma penetração muito boa dentro de muitas companhias, em diferentes mercados.