06/09/2000 - 7:00
DINHEIRO ? O sr. confirmou hoje que a Intel não tem planos de erguer uma fábrica no Brasil. Por que não?
Craig Barrett ? De fato, não se deve esperar que a Intel erga uma fábrica no Brasil no curto prazo. A instalação de uma fábrica dessas é precedida de um processo muito competitivo de ofertas. Há um grande número de questões que nós estamos preocupados em atender ? qualidade da mão-de-obra, logística, infra-estrutura de serviços públicos, atitude do governo… Depois de satisfazer todas esses fundamentos, então nos perguntamos quais são os incentivos financeiros para pôr a fábrica em um país ou em outros. Até agora o Brasil não foi competitivo nesse particular. Outros países têm sido muito mais agressivos na disputa por nosso investimento. Quando você tem uma fábrica de US$ 2 bilhões, com 2 mil empregos e o potencial para gerar um grande receita para o país, você vai aos países e pergunta: quanto você está disposto a oferecer por essa fábrica? Alguns países dizem, queremos, mas não tanto. Outros respondem: queremos muito essa fábrica, e aqui estão os incentivos para provar isso. Nós já olhamos para o Brasil muitas vezes em nossos estudos de localização. Já estudamos os detalhes e conversamos com funcionários do governo. No final esbarramos em problemas financeiros.
DINHEIRO ? A Intel costumava ser uma companhia inteiramente voltada para a fabricação de microprocessadores, mas agora o sr. veio ao Brasil falar de várias outras coisas, inclusive comércio eletrônico. Não tem medo de perder o foco?
BARRETT ? Veja, a missão da nossa empresa costumava ser definida como ?principal fornecedora da indústria de computadores mundial?. Três anos atrás reconhecemos que os microcomputadores não eram mais a principal força motriz por trás da indústria de computadores. A Internet tem esse papel. Logo, mudamos nossa missão; agora, queremos ser o principal fornecedor para os aparelhos mundiais da Internet: computadores, aparelhos de rede e comunicação, inclusive telefonia. Lembre-se que as transmissões de dados e voz estão convergindo, e isso vai nos jogar no centro da indústria de comunicação. Na semana passada lançamos um microprocessador que opera com muito pouca energia, que será o cérebro dos telefones celulares do futuro.
DINHEIRO ? Cerca de 80% do faturamento da Intel ainda vem da venda de microprocessadores e memórias para a indústria de computadores. Como o sr. acredita que será dentro de 10 anos?
Barrett ? Minha percepção é que o noso negócio principal de microcomputadores continuará crescendo ao ritmo de 10% ao ano, enquanto as áreas de comunicação e redes vão crescer 50% ao ano. O que vai acontecer é que em cinco ou dez anos anos metade dos nossos negócios será nas áreas de redes e comunicação.
DINHEIRO ? Alguns acreditam que a tecnologia WAP, de comunicação de dados por rede celular, é muito barulho para pouco conteúdo. O que o sr. acha?
Barrett ? Eu estou muito entusiasmado com o WAP. É claro que sempre há muito exagero (hype) na nossa indústria. As pessoas prometem muito além da conta, muito cedo, e por isso você vê tantos anúncios de produtos e serviços que acabam nunca chegando ao mercado. Mesmo assim, não tenho dúvida de que irão ocorrer duas coisas com os aparelhos de comunicação celular. A primeira é que eles serão ferramentas de acesso à Internet. Logo, terá de se fazer conteúdo adaptado para esse tipo de terminal, escalável da Internet tradicional. A outra coisa que vai acontecer é que os mesmos aparelhos que terão acesso à Internet poderão se comunicar diretamente com os computadores pessoais. A imprensa fala de competição entre micros e aparelhos de mão, como os celulares e os PDAs. Acho isso um erro cabal. O que veremos é que os aparelhos de mão, ao fornecer múltiplos pontos de acesso à Internet, aumentarão o entusiasmo pela rede e ajudarão os dois negócios. Os terminais de mão não vão canibalizar os computadores. Nem o contrário.
DINHEIRO ? O limite dessas arquiteturas não é a anatomia humana? As pessoas precisam de teclados onde caibam os dedos e telas que possam enxergar…
Barrett ? A DoComo, do Japão, a companhia mais avançada do mundo em comunicação celular, tem um showroom sobre o futuro, que sugere como a computação será em 10 anos. Eles fazem telefones celulares, mas imaginam que o futuro será um laptop muito leve, muito fino, com um teclado padrão e uma grande tela, que combine voz e dados. A visão deles é de acesso celular à Internet em banda larga (com imagens de alta densidade), mas com um terminal que se parece muito com um computador. Essa também é a nossa visão. Não acho que as pessoas vão grudar seus computadores nos braços ou implantá-los na cabeça.
DINHEIRO ? E qual é a visão do e-commerce que o sr. ofereceu à sua audiência no Brasil?
Barrett ? Acho que ele já está acontecendo e mudando as empresas em baixo dos nossos narizes. Grandes companhias estão se movendo rapidamente nessa direção. Sobretudo porque precisam disso para competir. Todo mundo, desde a indústria automobilística clássica até a agricultura, está tentando se tornar mais eficiente, mais produtivo, mais competitivo. As grandes empresas vão arrastar seus fornecedores médios e pequenos ao processo. Se você quiser fazer negócio com a Intel atualmente, comprar nossos chips, você vai até a nossa homepage. É assim que vendemos; 100% das nossas vendas são on-line. Tivemos de ensinar as pessoas a fazer isso. Nas vendas diretas ao consumidor tem havido um monte de experimentação. E países que estão atrás dos Estados Unidos nesse processo, como o Brasil, terão a vantagem de observar a experimentação que está ocorrendo nos EUA. Vocês poderão ver quais os modelos que funcionam e quais deles não funcionam, sem ter de experimentá-los. Alimentos, automóveis, assistência médica… Todas as possibilidades de venda ao consumidor estão sendo testados. O que, afinal, funciona na Internet e o que funciona apenas na economia real? As empresas vão descobrir isso nos EUA e vocês vão se beneficiar disso.
DINHEIRO ? Como as empresas já foram mudadas pelo comércio eletrônico?
Barrett ? Vou responder de duas maneiras. Nós, da Intel, fomos de fazer nenhum negócio na Internet, dois anos atrás, para quase 100% dos negócios na rede. Ou seja: de zero para US$ 30 bilhões por ano. Com Cisco e Dell foi a mesma coisa. Nós transformamos nossos negócios em negócios baseados na Internet. Mas há um outro elemento que é puro hype (exagero), em torno de conceito de mercado eletrônico. Companhias de um mesmo setor, como Ford e GM, se juntam e criam um e-market. O exagero está em prever que eles, que gastam US$ 300 bilhões em matérias-primas, vão subitamente colocar todo o seu processo de comprar no e-market. E vão economizar a quantia fantástica de US$ 40 bilhões… Quanto disso é real e quanto é exagero, vamos ter de esperar para ver. Acho que já se criaram mais de um mil desses mercados eletrônicos, para toda sorte de indústrias. Vamos ver o que acontecerá com eles. Mas suspeito que os mais bem-sucedidos deles, os que fazem os maiores negócios, provavelmente não fazem em um ano o volume de negócios que nós fazemos em um dia.
DINHEIRO ? O que o sr. acha que vai acontecer com as milhares de empresas pontocom criadas no seu país nos últimos anos?
Barrett ? Vai haver consolidação. Algumas poucas empresas, aquelas com planos de negócios realistas, terão muito sucesso. Muitas foram criadas apenas porque alguém achava que tinha uma boa idéia. Não é assim que se faz uma empresa. Qualquer que fosse a sua idéia, você podia ir atrás dos capitalistas de risco e arranjar algumas dezenas de milhões de dólares, antes mesmo de ter qualquer coisa para vender na Internet. Antes mesmo de ter um plano de negócios sua empresa poderia estar na Bolsa com valorização de bilhões de dólares. É maluquice, mas tudo isso está sendo consolidado agora. Em vez de termos 100 empresas fazendo a mesma coisa, teremos duas ou três.
DINHEIRO ? Como esse processo vai repercutir na Bolsa de Valores?
Barrett ? Haverá perdedores.
DINHEIRO ? Mas em que escala?
Barrett ? Acredito que os vencedores serão escolhidos e avaliados por medidas tradicionais, como faturamento, lucros e taxa de crescimento. Cedo ou tarde as empresas pontocom terão de ser avaliadas por esse padrão. Ainda hoje elas são medidas de acordo com promessas. Veja o caso da Palm, a companhia criada a partir da 3Com para cuidar exclusivamente dos PDAs. É uma pequena empresa que faz dois milhões de aparelhos por ano. Seu faturamento é provavelmente menor de US$ 1 bilhão, mas na época do seu IPO ela atingiu um valor de mercado superior ao da Boeing, que tem mais de 50% do mercado aeronáutico e um faturamento de US$ 45 bilhões por ano. É maluquice. Ainda bem que um certo grau de sanidade prevaleceu e hoje as ações da Palm valem somente um pouco mais do que a General Motors…