Há quatro anos, quando procurava formas de ganhar dinheiro na internet, o porteiro Jhonatan do Vale Alves, então com 21 anos, foi fisgado por chamadas publicitárias que prometiam ganhos rápidos na bolsa de valores. Algumas horas de vídeos no Youtube depois, ele já estava convencido que poderia fazer dinheiro fácil com as operações de curtíssimo prazo no mercado financeiro conhecidas como day trade. Nessa modalidade, o investidor compra e vende ações, commodities e derivativos no mesmo dia, procurando ganhar com a diferença de preços entre o momento de compra e de venda. Alves ficou tão fascinado com a possibilidade que contraiu um empréstimo consignado de R$ 3 mil para financiar os negócios. Mas o que parecia um sonho se transformou em um pesadelo para o rapaz, que estudou até o ensino médio. Ele perdeu R$ 20 mil e teve de conseguir um segundo emprego para pagar as 24 parcelas do financiamento.

O caso de Alves é comum entre os que tentam, armados de um computador e uma conexão de internet doméstica, enfrentar os gênios matemáticos e os algoritmos velozes do mercado financeiro. É um universo em franca expansão. A B3 não revela números, mas uma pesquisa da corretora Nova Futura indica que, em agosto de 2020, o número de day traders chegava a 486 mil. É o dobro de 2019 e dez vezes mais que no primeiro levantamento realizado pela corretora, em 2013.

RIQUEZA RÁPIDA O que atrai essa multidão é a promessa de riqueza rápida. No entanto, um estudo dos professores da Fundação Getulio Vargas (FGV) Bruno Giovannetti e Fernando Chague, realizado em 2019 e revisado em 2021, indica que esse cenário é antes exceção do que regra. Segundo o levantamento, 92,1% dos investidores que tentaram alguma coisa nessa atividade entre 2017 e 2019 pararam em menos de um ano. Dos que perseveraram, 97% perderam dinheiro. Entre os escassos 3% que saíram no azul, 2,6% ganharam menos do que R$ 300 por dia. Outra conclusão foi que, diferentemente da maioria das atividades, no caso do day trading a prática não conduz à perfeição. O estudo mostrou que as pessoas que operam nesse mercado não melhoram com o tempo, como em qualquer atividade. Assim, o investidor acaba trabalhando só com a sorte, no que os coordenadores do estudo classificam como um jogo de roleta num cassino. Não por acaso, ao ser divulgada em março de 2019, a primeira edição da pesquisa causou tanto alvoroço que o número de aspirantes a day trader parou momentaneamente de crescer.

Para evitar novos prejuízos, Alves seguiu estudando e prossegue com a carreira de day trader. Ele afirmou que agora consegue viver apenas dessa atividade. Para isso, se serve dos recursos da Axia Investing, uma companhia localizada no tradicional bairro paulistano da Mooca, que se define como mesa proprietária. Traduzindo, ela permite aos day traders operar usando seu capital. “Cada candidato é treinado de 30 a 60 dias e, se atingir as metas no treinamento, ele vem operar no mundo real”, afirmou o sócio-fundador da Axia, Antonio Marcos Samad Junior.

As operações são financiadas com os recursos dos fundadores. Cada day trader aprovado recebe um limite para operar. Metade fica à sua disposição e a outra metade fica guardada para o caso de prejuízos. Se suas operações gerarem lucro, ele será dividido entre a Axia e o profissional. No caso de perdas, o capital reservado cobre os prejuízos. E, como seria de se esperar, day traders que perdem mais do que ganham não duram muito tempo na função.

Segundo Samad Junior, a Axia começou a operar com a mesa proprietária em 2017. Desde então já treinou e aprovou 1,6 mil pessoas para operarem em home office. O executivo afirmou que essa é uma atividade comum em mercados maduros, mas ainda é relativamente desconhecida por aqui, o que explica não ser regulamentada nem pelo Banco Central nem pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A empresa levantou o perfil dos day-traders e descobriu que as transações representam parte significativa da renda de 65% deles. Cerca de 13,86% declararam não estarem recebendo nada até o momento e 24,7% dos entrevistados afirmaram que as operações são sua única fonte de renda. É o caso de Alves. “Atualmente o day trading é minha única atividade remunerada e pretendo em breve começar a operar no mercado de câmbio”, disse ele. Mas o ex-porteiro advertiu que o caminho não é fácil. “Esse é um trabalho intenso. Continuo estudando e leio notícias o tempo todo. Já vi gente entrar nisso pensando que é simples e perder casa e carro.”