10/07/2015 - 19:00
Se uma ação não for negociada, suas cotações não poderão cair. Foi com esse espírito bem pouco capitalista que as autoridades chinesas atuaram na segunda-feira 6 e na terça-feira 7 para conter a maior queda em suas bolsas desde a abertura dos mercados acionários locais, nos anos 1990. Papéis de pelo menos 760 empresas listadas nas bolsas de Xangai e de Shenzen tiveram seus negócios suspensos por “recomendação” das autoridades econômicas em Pequim. Não foi a única decisão: o governo vem, por meio dos bancos oficiais, comprando ativamente ações relevantes dos principais índices de mercado, além de pressionar para suspender as ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês).
Mal comparando, a atitude das autoridades do governo para conter a queda da bolsa iguala-se à do marido que chega em casa, surpreende a esposa sendo infiel no sofá da sala e, para evitar a repetição da saliência, vende o sofá na manhã seguinte. Interromper os negócios não será suficiente para estancar a queda. O gráfico abaixo mostra o tamanho do solavanco. Entre novembro de 2014 e meados de junho passado, os mercados chineses haviam acumulado uma alta de 110%. No entanto, entre o dia 19 de junho e a quarta-feira 8, o índice da bolsa de Xangai havia se desvalorizado em 27%.
Pelas estimativas dos analistas, em apenas três semanas a queda fez evaporar US$ 3 trilhões no valor de mercado das empresas chinesas, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. E quem se atreve a interpretar o pouco transparente mercado avalia que há muito espaço para novas baixas antes de as ações chegarem a um preço de equilíbrio. Para entender como tanto dinheiro pode simplesmente desaparecer em tão pouco tempo, é preciso compreender o momento pelo qual está passando a economia chinesa. Ao longo dos últimos dois anos, o governo começou a alterar sua estratégia econômica.
Em vez de manter a China no papel de fornecedora de produtos industrializados do mundo, passou-se a reforçar o mercado interno. A intenção era tornar a economia chinesa menos suscetível às mudanças de humor nos mercados consumidores da Europa e dos Estados Unidos. A injeção de renda provocou uma inflação localizada nos ativos financeiros, em especial as ações. A alta foi amplificada pela disposição dos bancos e corretoras, pouco regulados pelo governo, de financiar alegremente a especulação de seus clientes. Usando dinheiro emprestado, os investidores chineses compraram grandes volumes de ações esperando uma valorização futura, em um movimento bastante semelhante ao de outras bolhas de mercado.
Apenas um número demonstra quão entusiasmados estavam os investidores. Atualmente, a Bolsa brasileira possui cerca de 550 mil pessoas físicas cadastradas como investidores ativos. Na China, até o fim de junho, haviam sido abertas 52 milhões de novas contas individuais nas corretoras, todas elas com seus respectivos limites de crédito. Com tanta animação, os papéis subiram continuamente, a despeito dos sinais de desaceleração da economia. Quando o governo começou a cortar o combustível da especulação, no início de junho, estabelecendo limites ao financiamento concedido pelas corretoras, um movimento de manada precipitou as vendas, provocando quedas que chegaram a 7,4% em apenas um pregão, no dia 26 de junho.
“Esperam-se novas medidas do governo nos próximos dias, algumas tão intervencionistas quanto impedir os diretores e executivos das empresas de vender suas ações por seis meses”, diz Leon Westgate, analista de commodities do ICBC Standard Bank. “Mas o principal problema, que é a queda dos investimentos chineses em infraestrutura, não está sendo resolvido.” Será preciso mais do que paciência chinesa para desatar esse nó. Ao longo dos últimos anos, a China foi sinônimo de investimentos, que oscilavam ao redor de 40% do PIB todos os anos.
No entanto, a capacidade do governo de estimular a economia, injetando dinheiro na infraestrutura, vem encolhendo rapidamente. As contas do governo central parecem equilibradas, com uma dívida equivalente a apenas 30% do PIB, bem menor, em termos relativos, que a brasileira. No entanto, ao se somarem as dívidas das províncias e das estatais, a fatura a pagar monta a 180% do PIB, nível capaz de fazer corar um burocrata grego e que limita novos gastos. O efeito disso é uma deflação rápida da bolha de preços que foi soprada nos últimos meses. Em si, as ações chinesas são pouco negociadas no exterior, o que limita o contágio para outros países.
No entanto, a proibição das vendas pode fazer com que investidores globais que necessitem de dinheiro disparem uma onda de vendas de outros ativos mais líquidos, como contratos de commodities e ações de países emergentes – o Brasil entre eles. Os impactos sobre a economia brasileira serão sentidos em especial nas commodities. O melhor exemplo ocorre com o minério de ferro. Em 1997, a produção mundial estava ao redor de um bilhão de toneladas anuais. Os preços subiram de US$ 27 por tonelada para um pico de US$ 110, em 2011, devido à forte demanda chinesa, que consumia aço vorazmente para ampliar sua infraestrutura.
Com tamanho estímulo, a produção quase quadruplicou, para os 3,7 bilhões de toneladas anuais de 2014. “O problema é que a economia mundial não cresceu nessa mesma proporção e há um excesso de oferta de minério de ferro”, diz Pedro Paulo da Silveira, economista-chefe da corretora paulista TOV. Com poucas alterações, esse diagnóstico vale para os demais minérios. Assim, avalia Silveira, poderá haver um forte movimento de consolidação do setor. Ele não analisa papéis individuais, mas ações como as da mineradora Vale e as de siderúrgicas como CSN, Gerdau e Usiminas deverão sofrer uma pressão de baixa por um bom tempo.