06/02/2015 - 20:00
O poder é solitário. Poucas pessoas que já ocuparam cargos com influência sobre a vida de outras pessoas dirão o contrário. O poder é um ímã potente e poucos se atrevem a perder as vantagens que a proximidade com ele proporciona para dar um conselho sincero, exercer uma avaliação honesta ou uma crítica necessária. O que espanta, na atual situação da presidenta Dilma Rousseff, é a dimensão que esta solidão atingiu. Reeleita com 51,6% dos votos, Dilma teve que suar para conquistar um novo mandato. Durante a campanha, seguiu as ordens dos marqueteiros e fez o discurso que o eleitorado – pelo menos a maior parte dele – queria ouvir.
Já no discurso de posse, no entanto, mostrou um certo distanciamento da realidade ao eleger a reforma política como prioridade número 1. Agradou aos petistas, que também defendem mudanças nos partidos, mas não o suficiente para o que veio depois. Os atos seguintes contribuíram para o isolamento. A escolha de Joaquim Levy para comandar a equipe econômica agradou ao mercado. Mas ainda restou uma certa desconfiança em relação à sinceridade de sua conversão à responsabilidade fiscal, depois de tantos anos de contabilidade criativa.
Por outro lado, a mudança desagradou a boa parte dos eleitores de Dilma, que se sentem frustrados por ela fazer justamente o que condenava nos adversários durante a campanha. Enquanto tucanos chamam sua nova agenda de “estelionato eleitoral”, petistas se sentem constrangidos em defender o governo. No grupo dos descontentes, destacam-se os líderes do chamado movimento social, segmento que sustentou o Partido dos Trabalhadores desde a chegada de Lula à Presidência, em 2003, e tem participação importante nas campanhas políticas.
O sentimento de traição é expressado mais claramente pelos sindicalistas, que se opõem às mudanças feitas pelo governo, no último dia útil do ano passado, em benefícios como seguro-desemprego, abono salarial e pensões por morte. Ciente do estrago, o governo já despachou para São Paulo, para reuniões com as centrais sindicais, quatro ministros – Planejamento, Trabalho, Previdência e Secretaria-Geral – em duas ocasiões. Não adiantou. No fim de janeiro, eles promoveram atos de protesto em várias cidades brasileiras e prometem novas manifestações.
A falta de apoio nos movimentos sociais se estende à base aliada no Congresso, que permitiu a vitória arrasadora de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados contra um petista. Cunha se elegeu com a promessa de independência em relação ao Executivo e já começou a colocar em prática uma agenda de votações que não combina muito com austeridade fiscal e pode fazer o Executivo refém do Legislativo – ao contrário do que tem acontecido nos últimos anos.
O que mais surpreende, de todas as demonstrações de falta de apoio político da presidenta Dilma, é a repercussão obtida pelo parecer do jurista Ives Gandra Martins afirmando haver fundamentação jurídica para pedido de impeachment da presidenta. Parecer feito a pedido do advogado do Instituto Fernando Henrique Cardoso. O partido da presidenta tem uma das maiores bancadas do Congresso e uma base aliada com larga maioria. Sem apoio nos movimentos sociais e com uma base aliada que não faz jus ao nome, o poder tem se mostrado bastante solitário para a presidenta Dilma.