07/06/2000 - 7:00
Com quase 92 anos, o economista John Kenneth Galbraith relativiza tudo o que é mais alardeado atualmente. Acha um exagero o papel que o mundo contemporâneo atribui à Internet. Diz que Alan Greenspan e as taxas de juros são superdimensionados na cultura popular. Afirma que a globalização não é tão importante assim. Pelo menos do ponto de vista da Economia. E não pára por aí. Para ele, o melhor modelo econômico não é o liberal, o socialista ou o capitalista. É o pragmatismo. Ele realmente consegue ver o mundo de outra perspectiva. Fácil entender. Galbraith viu este século passar ? e foi um protagonista dele. Durante a II Guerra Mundial, foi alto funcionário do governo de Franklin Delano Roosevelt e um dos mentores do New Deal, plano que fez os Estados Unidos saírem do conflito como superpotência. No início dos anos 60 voltou ao poder com a subida de seu amigo John Kennedy à Presidência. Foi embaixador na Índia entre 1961 e 1963.
Canadense naturalizado americano, formou-se em Agricultura e depois estudou Economia em três das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos: Berkeley, Princeton e Harvard, onde começou a lecionar em 1934. Aposentou-se em 1975 e hoje é professor emérito da universidade. Autor de 30 livros ? entre eles A Era da Incerteza, de 1977, um best-seller mundial ? esse senhor de mais de dois metros de altura quase não recebeu DINHEIRO para esta entrevista. Acamado desde o Natal, ele inspira meticulosos cuidados de sua mulher, Catherine, que, ao perceber que a repóter estava gripada, cancelou o encontro. Diante da insistência, concedeu: ?Me ligue amanhã?, disse. ?Se você estiver melhor, poderá vir.? No dia seguinte, debaixo de muita chuva, a reportagem de DINHEIRO foi até Cambridge, perto de Boston, onde a família Galbraith vive em um casarão forrado de móveis antigos. Recostado na cama, o economista lia a prova do livro de um vizinho. Com uma lucidez invejável para alguém de sua idade, contou que tem um neto vindo passar alguns meses no Brasil. ?Ele quer estudar a Amazônia?, disse. Compartilhe desta rara conversa recheada de análises sensatas e de testemunhos de um século de Economia.
DINHEIRO – O sr. acompanha a economia brasileira há pelo menos 40 anos. Como vê o momento que o Brasil está vivendo atualmente?
JOHN KENNETH CALBRAITH – Eu sempre confiei na economia brasileira. Ela sempre teve vitalidade, pessoas educadas e, é claro, muitos recursos naturais. Todos os principais elementos de uma boa economia. Por outro lado, há sérios problemas de distribuição de renda, um grande número de pessoas pobres. Falta também uma maior estabilidade do governo, há ainda muita insegurança em relação a suas políticas.
DINHEIRO – Como ter mais igualdade na distribuição de renda?
CALBRAITH – Eu diria que duas coisas são importantes: um sistema de tributação mais forte e uma política econômica em que a estabilidade não seja garantida às custas dos mais pobres. Crises não podem servir de desculpa para limitar os benefícios das classes menos favorecidas. Freqüentemente, pelas políticas internacionais do FMI, os banqueiros, que são os responsáveis pelas crises, acabam sendo poupados, e os trabalhadores pagam a conta. Eu sempre enfatizei a necessidade de um bom sistema tributário. É importante nos Estados Unidos e no Brasil. Temos sempre de suspeitar daqueles que tomam decisões econômicas com base em seus próprios interesses.
DINHEIRO – Os países devem adotar políticas de controle mais rígido de fluxo de capitais? Ou as fronteiras devem estar abertas?
CALBRAITH – Deve haver abertura. Eu gostaria de ver uma verdadeira economia global. Essa é a base de um bom relacionamento entre os diversos países. É uma forma de reduzir os riscos de conflitos políticos e militares. A vida seria melhor se todos fôssemos cidadãos do mundo e não apenas cidadãos de um único país.
DINHEIRO – A equipe econômica brasileira acredita que para o País crescer necessita de equilíbrio fiscal e estabilidade monetária, o resto vem depois. O sr. concorda?
CALBRAITH – Não. Eu não seria tão otimista. A estabilização da moeda é resultado de outras políticas, como um sistema de tributação eficiente e uma economia forte. O que, por sua vez, depende de bons resultados das exportações. E de muito mais. Não podemos simplificar.
DINHEIRO – Nos últimos 15 anos, a elite econômica mundial passou a ter como paradigma o modelo liberal. O que o sr. acha dele?
CALBRAITH – O modelo liberal varia de país para país. Um modelo liberal nos Estados Unidos é diferente de um modelo liberal no Brasil ou em qualquer outro país. Em alguns países, esse modelo ainda reserva um forte papel para o Estado. Ele é o responsável pelos superávits quando a economia vai bem e pelos déficits de empregos nas épocas ruins, sempre com o objetivo de estabilizar os efeitos macroeconômicos. Em outros países, o modelo liberal nada mais é do que diminuir o papel do Estado na economia. Deixar o máximo de decisões possível ao mercado. Eu pessoalmente não concordo com nenhum desses modelos. Sempre acreditei que a questão é muito mais prática. O modelo não deve ser guiado por teorias e sim por pragmatismo. Há problemas que realmente devem ser deixados ao mercado. O Estado não deve se preocupar com a produção de automóveis ou com o plantio de comida, entre muitas outras coisas. Mas, por outro lado, há um importante papel para o Estado: dar suporte para as pessoas que não têm outra fonte de renda, ou ainda, olhar com cuidado as decisões econômicas tomadas pelas empresas privadas. A minha resposta é: não há modelo social e não há um modelo em que todas as empresas são absolutamente livres; há uma acomodação para cada situação particular. Quando alguns falam em socialismo e outros em capitalismo, acho que deveríamos dar mais espaço para o que eu chamo de pragmatismo.
DINHEIRO – Na sua opinião, qual é a melhor solução para o problema do desemprego?
CALBRAITH – Essa também é uma questão que deve ser resolvida na prática, não deve ficar apenas na discussão teórica. Obviamente, todos querem o máximo de emprego possível. Queremos economias que encorajem a produção. Mas é preciso mais do que isso. Há necessidade de uma política que impeça que os desempregados morram de fome, que tenham sua existência assegurada. O grande problema das políticas atuais é como equilibrar essa rede de segurança aos desempregados e ao mesmo tempo estimular a iniciativa privada a criar empregos. É preciso ter as duas coisas. É por isso que o seguro desemprego não pode ser tão alto, mas é absolutamente necessário.
DINHEIRO – O que o sr. acha da política de blocos econômicos?
CALBRAITH – Eu não levo isso muito a sério. Sou a favor do máximo de integração entre todas as principais economias do mundo. Gostaria de ver mais relacionamentos econômicos que conflitos políticos. Vejo o desenvolvimento econômico global como uma força importante para a paz.
DINHEIRO – Como os países em desenvolvimento podem se proteger do protecionismo das economias mais desenvolvidas?
CALBRAITH – Não há mistério em relação a esse assunto. É uma questão de políticas governamentais sensatas. Eu gostaria que os Estados Unidos fossem um mercado aberto para os países em desenvolvimento, se você prefere chamar assim, ou para as novas economias do mundo. Essa deve ser uma questão central nas nossas políticas. Por outro lado, eu gostaria de ver os países em desenvolvimento abertos às corporações americanas, à tecnologia americana, como um instrumento para o seu desenvolvimento. Se a General Motors ou a IBM funciona tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, é mais provável um bom entendimento entre os dois países.
DINHEIRO – Como o sr. vê o advento da Internet na economia global?
CALBRAITH – Eu acho que nós exageramos o papel da tecnologia. Atribuímos tanta importância porque não entendemos isso completamente. As mudanças tecnológicas no mundo dos computadores são absolutamente importantes. Mas não devemos acreditar que elas estão mudando totalmente a economia da nossa sociedade.
DINHEIRO – A Internet não é hoje o que a energia foi no passado?
CALBRAITH – Não acho que podemos fazer esse tipo de comparação. Em 1929, no ano do crash da Bolsa, toda a discussão se resumia à enorme influência técnica do rádio. A empresa que sofria mais especulações na Bolsa de Nova York era a Radio Corporation of America. Ela era o que a Microsoft é hoje. Havia muito exagero sobre o quanto ela era importante.
DINHEIRO – O sr. acha que há uma bolha especulativa no mercado financeiro?
CALBRAITH – Eu sinto que atualmente há muitos elementos de insanidade nos mercados financeiros, principalmente na Bolsa de Valores de Nova York e na Nasdaq. As crises crescem porque as pessoas acreditam que as crises vão crescer. E o que acontece é que um dia as expectativas viram realidade. É isso o que acontece com a bolha, que um dia vai estourar. Ninguém sabe quando. E se você ouvir qualquer previsão, não acredite.
DINHEIRO – Qual é a sua visão sobre Alan Greenspan e o seu papel? Não é muito poder para um homem só?
CALBRAITH – Greenspan tem uma parcela de influência nas taxas de juros. E nós exageramos enormemente a importância dos juros. Porque ele é um número conveniente, que todo mundo entende. Tanto o papel das taxas de juros quanto o de Greenspan são superdimensionados na cultura popular. Isso acontece porque economia é um assunto muito complicado e difícil de entender. Se tudo dependesse dos juros e de Greenspan, então qualquer um seria PhD em economia.
DINHEIRO – E sobre Clinton? Ele é o melhor presidente que os EUA já tiveram, afinal são 9 anos de crescimento econômico?
CALBRAITH – Eu acho que Clinton tem sido um bom presidente. Há muitas coisas que eu gostaria que fossem feitas, como um sistema mais forte de saúde pública. Gostaria também de ver um programa mais forte em auxílio dos mais pobres. Ainda há muita gente nas grandes cidades que está completamente excluída do sistema. Desigualdades desse tipo num país como os Estados Unidos são imperdoáveis. Muitas pessoas ficam cada vez mais ricas enquanto outras ficam cada vez mais pobres. Analisando o todo, acho que Clinton está do lado certo.
DINHEIRO – O sr. acompanha a economia mundial desde o início do século até hoje. Que tempos foram esses?
CALBRAITH – Foram os melhores. A grande realização da economia americana aconteceu durante os anos de guerra. Sob a pressão dos tempos de guerra houve uma grande acomodação às necessidades daquela época. Foram os anos do New Deal, quando os governos pela primeira vez ofereceram seguridade social e auxílio aos desempregados. Houve uma grande aceitação de (John Maynard) Keynes. Suas teorias macroeconômicas se tornaram práticas da economia moderna. E voltando ao que eu disse antes: isso não foi feito apenas de acordo com interesses socialistas ou capitalistas. Mas sim, de acordo com necessidades práticas. Foram tempos de grande pragmatismo. Olhar para trás me dá grande satisfação. Até porque eu fiz parte de tudo isso…