19/06/2025 - 10:25
Enquanto atenções de voltam para o novo conflito entre Irã e Israel, médicos do enclave palestino relatam que dezenas de pessoas seguem sendo mortas enquanto buscam ajuda humanitária.Enquanto a escalada entre Israel e Irã se intensifica e desvia para si a atenção internacional, militares israelenses seguem com sua ofensiva devastadora na Faixa de Gaza e o número de palestinos mortos, que já supera os 55 mil, segundo autoridades locais, não para de subir.
Na terça-feira, ao menos 53 pessoas morreram e cerca de 200 ficaram feridas enquanto milhares de palestinos se reuniam para receber porções de farinha perto de um centro de distribuição na cidade de Khan Yunis, no sul do país, segunda a agência de defesa civil de Gaza, ligada ao governo controlado pelo grupo Hamas.
No dia seguinte, tiros e ataques aéreos israelenses mataram pelo menos 140 pessoas no território palestino, das quais ao menos 29 estavam aglomeradas em um local de distribuição de ajuda humanitária, segundo as autoridades de saúde locais.
O padrão se repetiu nesta quinta-feira, quando já durante a manhã a agência de defesa civil de Gaza relatou que ao menos 18 palestinos haviam morrido em ataques israelenses, dos quais 15 também aguardavam a distribuição de ajuda humanitária.
O Ministério da Saúde de Gaza relatou que ataques aéreos na quarta-feira sobre casas no campo de refugiados de Maghazi e em Zeitoun, no centro e no norte de Gaza, mataram pelo menos 21 pessoas, enquanto outras cinco foram mortas em um ataque aéreo a um acampamento em Khan Younis, no sul do território palestino.
Outras 14 pessoas foram mortas por tiros israelenses contra multidões de palestinos que aguardavam caminhões de ajuda ao longo da estrada Salahuddin, no centro de Gaza, relataram médicos.
Questionadas sobre o incidente na estrada Salahuddin, as Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram que, apesar das repetidas advertências de que a área era uma zona de combate ativa, indivíduos se aproximaram das tropas que operavam na área de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, de uma maneira que representava uma ameaça.
As tropas dispararam tiros de advertência, disseram as FDI, acrescentando que não tinha conhecimento de feridos. Em relação a outros ataques, os militares israelenses disseram que estavam “operando para desmantelar as capacidades militares do Hamas”, enquanto tomavam “precauções viáveis para mitigar os danos civis”.
As autoridades de Israel fecharam a Faixa de Gaza para a entrada de jornalistas, exceto por visitas supervisionadas que são vigiadas de perto pelos militares, e os relatos não puderam ser verificados de forma independente.
Buscar ajuda envolve risco de morrer
Israel levantou parcialmente há três semanas o bloqueio à entrada de ajuda humanitária em Gaza, mas de uma maneira que vem recebendo fortes críticas de agências da ONU e entidades humanitárias.
O país está canalizando boa parte da ajuda humanitária por meio de uma entidade recém-criada com o apoio dos EUA e de Israel, a Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), que usa segurança privada e empresas de logística americanas, e opera em alguns locais de distribuição protegidos por militares israelenses.
Israel afirma que a nova estratégia permitiria a entrada de ajuda humanitária sem que ela acabe nas mãos do Hamas – que, por sua vez, nega ter controle sobre suprimentos humanitários e acusa Israel de estar usando a fome como uma arma.
Em uma prévia divulgada na terça-feira, o Ministério da Saúde de Gaza disse que 397 palestinos haviam sido mortos e outros 3 mil ficaram feridos enquanto tentavam obter suprimentos alimentícios desde que as entregas humanitárias foram reiniciadas, no final de maio.
Agência da ONU fala em “crime de guerra”
Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU para refugiados palestinos, chamou o atual sistema de distribuição de ajuda humanitária de “uma vergonha e uma mancha em nossa consciência coletiva”, em uma mensagem no X na quarta-feira.
“A vida dos palestinos tem sido tão desvalorizada. Agora é rotina atirar e matar pessoas desesperadas e famintas enquanto tentam recolher um pouco de comida de uma empresa formada por mercenários”, escreveu. “Convidar pessoas famintas para a morte é um crime de guerra. Os responsáveis por esse sistema devem ser responsabilizados.”
O Programa Mundial de Alimentos da ONU pediu na quarta-feira um aumento significativo na distribuição de alimentos em Gaza, dizendo que as 9 mil toneladas métricas que enviou nas últimas quatro semanas para dentro de Gaza representavam uma “pequena fração” do que era necessário.
“O medo da fome e a necessidade desesperada de alimentos estão fazendo com que grandes multidões se reúnam ao longo de rotas de transporte conhecidas, na esperança de interceptar e acessar suprimentos humanitários durante o transporte”, disse o PMA em um comunicado.
“Qualquer violência que resulte na morte ou ferimentos de pessoas famintas enquanto buscam assistência para salvar suas vidas é totalmente inaceitável”, acrescentou.
Episódios de mortes de palestinos por forças israelenses enquanto buscavam ajuda humanitária não são uma novidade na guerra em Gaza. Em fevereiro de 2024, pelo menos 118 morreram e 760 ficaram feridos após militares israelenses abriram fogo contra uma multidão que tentava obter comida de caminhões de ajuda na Cidade de Gaza, no que ficou conhecido como “massacre da farinha”.
Desfio de foco internacional
Alguns moradores em Gaza expressaram preocupação de que os desenvolvimentos mais recentes da guerra entre Israel e o Hamas, iniciada em outubro de 2023, fossem ignorados devido ao conflito entre Israel e o Irã.
“Pessoas estão sendo massacradas em Gaza, dia e noite, mas a atenção se voltou para a guerra entre o Irã e Israel. Há poucas notícias sobre Gaza atualmente”, disse Adel, um morador da Cidade de Gaza.
“Quem não morre pelas bombas israelenses morre de fome. As pessoas arriscam suas vidas todos os dias para conseguir comida, e também são mortas e seu sangue mancha os sacos de farinha que pensavam ter conquistado”, afirmou.
Os palestinos em Gaza têm acompanhado de perto a guerra aérea de Israel com o Irã, há muito tempo um dos principais apoiadores do Hamas. “Talvez fiquemos felizes em ver Israel sofrer com os foguetes iranianos, mas, no final das contas, mais um dia nesta guerra custa a vida de dezenas de pessoas inocentes”, disse Shaban Abed, 47 anos, pai de cinco filhos do norte de Gaza.
“Só esperamos que uma solução abrangente possa ser alcançada para acabar com a guerra em Gaza também. Estamos sendo esquecidos.”
A guerra em Gaza foi desencadeada quando militantes liderados pelo Hamas realizaram um ataque terrorista contra Israel em outubro de 2023, matando 1.200 pessoas e fazendo cerca de 250 reféns, de acordo com aliados israelenses.
A grande operação militar subsequente de Israel matou quase 55.600 palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, forçou o deslocamento de quase todos os residentes do território e causou uma grave crise de fome.
bl (Reuters, AFP, dpa, ots)