As prateleiras estavam ainda desarrumadas e os funcionários davam os últimos toques na vitrine quando três fiscais da Vigilância Sanitária bateram à porta. A tensão era compreensível. Depois de sete anos fora do Brasil, a Lush – que chegou a ter 25 lojas no País e foi obrigada a fechar todas elas por problemas com os franqueados –, estava a poucos minutos da reestreia. Os fiscais estavam particularmente intrigados com os pedaços de sabão à mostra, sem qualquer tipo de embalagem, prontos para serem cortados aos olhos do consumidor.

“Eles nunca tinham visto algo parecido e ficaram preocupados com o risco de contaminação”, conta Renata Pagliarussi, diretora da marca no Brasil. Os documentos foram apresentados, a dúvida se dissipou (os sabonetes não contêm água e, portanto, não oferecem risco), mas o caso até hoje é contado como símbolo da autenticidade da marca de cosméticos inglesa. “O conceito de produto ‘pelado’ ainda é algo inusitado no segmento de cuidados pessoais no Brasil. Retornamos depois de sete anos e esse tipo de produto ainda é bastante associado à Lush”, diz Renata.

Carro-chefe da marca, os tais produtos pelados foram, curiosamente, um dos principais motivos do imbróglio envolvendo a matriz, na Inglaterra, e os parceiros brasileiros, e que acabou levando a Lush a sair do Brasil, em 2007. Por serem feitos de forma artesanal, com ingredientes vegetais e vendidos sem embalagem, as barras de sabão e os sais de banho da Lush têm um prazo de validade médio de 14 meses, mais curto do que os competidores tradicionais.

Como grande parte desse tempo era gasto no trâmite da importação e na burocracia aduaneira, muitos chegavam às lojas com apenas cinco meses de vida. “Nossos produtos são frescos, esse é nosso DNA. E os sócios locais tinham dificuldade em entender a importância disso”, conta Renata. O caos foi tão grande (com direito, inclusive, a disputas judiciais) que os ingleses se convenceram de que fazer negócio no Brasil seria algo inviável. Mas a poeira baixou e, em 2010, a ideia de um retorno ganhou corpo. Dessa vez, porém, sem parceiros – a matriz bancaria sozinha todas as lojas.

“Passamos três anos estudando cada detalhe do mercado brasileiro. Não podíamos nos dar o luxo de errar uma segunda vez”, conta a diretora da marca. A empresa não revela os números locais, mas segundo consultores ouvidos pela DINHEIRO, o valor investido nas lojas, até agora, deve girar em torno de R$ 4 milhões. Somente a flaghsip da marca, nos Jardins (a maior loja da Lush no mundo, com 600 m2), deve ter custado R$ 2 milhões. Desde a inauguração da megastore, em junho do ano passado, outras quatro unidades já foram abertas na capital paulista e mais duas estão aprovadas, aguardando apenas o ponto ideal.

A partir daí, o plano é focar no Rio de Janeiro, onde a expectativa é ter quatro lojas. “Em vez de abrir uma loja em cada capital, preferimos nos consolidar em uma região e, depois, sim, conquistar a próxima”, conta Renata, uma das grandes mentoras do retorno da Lush. Até a empresa se despedir do País, Renata era uma consumidora fervorosa, daquelas que, além de comprar e usar os produtos, fazia questão de discutir lançamentos e resenhas na internet e ainda enviar sugestões aos fabricantes. A interação com a Lush foi tanta que Renata acabou se tornando amiga de uma das funcionárias. Formada em Farmácia e com especialização em Gestão de Projetos, suas ideias passaram a ser levadas cada vez mais a sério pela matriz, seus relatórios elogiados, até ser escolhida para liderar a nova operação.

Partiu dela, por exemplo, a constatação de que a Lush só poderia dar certo no Brasil se os produtos fossem produzidos localmente. Os ingleses acataram a sugestão: hoje, 95% do que chega às lojas brasileiras da Lush, incluindo sabonetes, xampus, maquiagens e sais de banho, sai da unidade fabril da marca, em Bom Jesus dos Perdões (SP), a cerca de 90 km da capital. Tudo feito à mão, diga-se. O próximo passo, segundo Renata, é descobrir ingredientes locais que atendam às exigências da matriz e, assim, transformar o Brasil em fonte de matéria-prima para outras fábricas, em diferentes mercados.