DINHEIRO ? Por que há tanta briga na Brasil Telecom?
Carla Cico ?
O que existe aqui é um acionista que está
tentando atrapalhar o andamento da companhia. Muito claramente, eu quero que a Telecom Italia deixe de parar a Brasil Telecom.
Neste momento, o que eles estão fazendo é se aproveitar de
seu imenso poder de veto sobre as decisões da diretoria para
nos paralisar. Estão abusando.

DINHEIRO ? Mas quem criou o acordo de acionistas foi a sra. Está arrependida?
Carla ?
Eu inventei remédios muito fortes para proteger os interesses da Telecom Italia. Era minha obrigação porque trabalhava para eles. Hoje, se eu tivesse de fazer esse contrato de novo, não daria absolutamente nenhuma possibilidade de veto à Telecom Italia sobre as decisões da diretoria.

DINHEIRO ? No dia-a-dia da Brasil Telecom, que problemas a Telecom Italia teria criado?
Carla ?
Sempre que fazemos uma proposta na diretoria, os representantes da Telecom Italia pedem para examiná-la. Avisam que o caso será examinado em Roma. Lá, nossos assuntos ficam parados por vários meses. Quando não acontece assim, há simplesmente um veto às nossas sugestões.

DINHEIRO ? Há exemplos disso?
Carla ?
No ano passado, sugerimos fazer uma associação com a Vicom, para entrarmos no setor de transmissão de dados. Para sua informação, depois de bloquear durante meses a tomada de decisão, finalmente no dia 8 de fevereiro de 1999 a Telecom Italia manifestou no Conselho de Administração da Brasil Telecom que vetava a associação. Dois dias depois, a Globocabo comprou a Vicom e 30 dias depois a Telecom Italia comprou 30% da Globo.com. É uma coincidência que eu gostaria que Carmelo Furci, presidente da Telecom Italia, explicasse.

DINHEIRO ? Os executivos da Telecom Italia acusam a sra. de ter demitido e perseguido os diretores nomeados por eles. É verdade?
Carla ?
Absolutamente, não. Logo depois que assumimos a companhia, a Telecom Italia mandou para cá uma força-tarefa de uns 35 homens, para conhecer a empresa por dentro. Nenhum deles sabia nada de telecomunicações. Quem encabeçava essa força-tarefa? Carmelo Furci, claro. Daquela equipe, ninguém tinha qualificação para trabalhar aqui. Carmelo chegou a indicar um diretor de marketing que não tinha experiência na área. Eu e o próprio Carmelo, numa decisão conjunta, decidimos afastá-lo. Quem tem esqueletos no armário é ele, não eu.

DINHEIRO ? Quais?
Carla ?
Carmelo Furci chegou ao Brasil em maio de 1998, no meio do processo de privatização da Telebrás. Ele não entendia ? e ainda não entende ? nada de telecomunicações, nem nada sobre o Brasil. Mas logo que chegou, tentou aproximar a companhia do Ricardo Sérgio de Oliveira (ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil), com a perspectiva de que ele iria ajudar a Telecom Italia a ganhar concessões. Eu não quis me envolver nisso. Como mananger da Stet International (braço da Telecom Italia para negócios no Brasil), disse que seria uma loucura ter qualquer tipo de ligação com essa pessoa. Eu falei para todos: não façam isso.

DINHEIRO ? Qual era o seu medo?
Carla ?
Se alguém se oferece a você para fazer uma coisa por baixo dos panos, claramente isso não é uma coisa certa. Com as regras da Anatel, é muito difícil que um leilão seja decidido por este tipo de caminho. O que eu sei é que existe uma ligação entre Carmelo Furci e Ricardo Sérgio. Naquele tempo, durante um telefonema de Roma, o CEO da Stet International me informou que estava indo a São Paulo para um jantar com os dois. Ele me disse: ?Você deveria ir também.? E eu respondi: ?Está maluco? Se você se encontrar com esse cara, no dia seguinte estará na primeira página de todos os jornais do Brasil. Eu não vou?. E não fui.

DINHEIRO ? Mas a sra. soube de algo ilegal?
Carla ?
Não, mas sei que desde a chegada do Carmelo Furci ao Brasil coisas muito estranhas aconteceram. Ele faz insinuações a meu respeito, mas por que não explica o acordo que fez com a Globo.com, no qual a Telecom Italia, com ele à frente, entrou com US$ 810 milhões para comprar um terço da companhia e, pelo que escuto falar, não tem direito a participar da administração da empresa? Qual é o melhor acordo: o que eu montei para eles aqui ou o que ele fez com a Globo.com?

DINHEIRO ? A briga de acionistas, agora, virou um caso pessoal entre a sra. e ele, é isso?
Carla ?
Carmelo Furci é uma pessoa modesta demais para atrapalhar a minha vida. Ele não tem experiência como negociador, tampouco em telecomunicações. Eu já fechei negócios na China, na Índia e em outros países. A Telecom Italia tem no Brasil concessões para operar dois celulares de Banda A, dois celulares de Banda B, mais a telefonia fixa pela participação na Brasil Telecom. Eu fiz toda essa operação, desde o primeiro leilão, em 1996. Não perco quinze segundos do meu tempo para pensar no Carmelo Furci, mas parece que, para ele, eu sou um fantasma. O problema é que ele fez insinuações contra mim e agora eu quero saber como ele responde às questões que eu estou levantando. Carmelo Furci é mentiroso.

DINHEIRO ? O presidente da Telecom Italia pensa diferente. Para ele, quem atrapalha a companhia é o Opportunity, representado pela sra.
Carla ?
Carmelo Furci, repito, é conhecido como um cara mentiroso. Ele muda a realidade e a interpreta como quer. Ele faz insinuações da minha possível conivência antecipada com o Opportunity, querendo dizer que na época do fechamento do acordo de acionistas eu estava a serviço da Telecom Italia mas com um acordo prévio com o outro lado. É tudo mentira. Sobre essas insinuações, sinto-me difamada e estou conversando com meu advogado no sentido de processar Carmelo Furci.

DINHEIRO ? Mas os fundos de pensão também reclamam
da atuação do Opportunity e, por extensão, da sra.?
Carla ?
São assuntos diferentes, que têm de ser divididos. Eu
não tenho nada a ver com assuntos dos controladores, como qual é a posição dos fundos de pensão em relação ao Opportunity.
Isso não chega a mim.

DINHEIRO ? Por que a sra. saiu da Telecom Italia e foi para o Opportunity? Não se sentiu envolvida num conflito ético?
Carla ?
De maneira nenhuma. Eu fiz um acordo de acionistas muito bom para a Telecom Italia, tanto que agora ela me traz todos esses problemas. Minha decisão de sair foi estritamente profissional. Naquela ocasião, eu tinha 38 anos e estava saindo de férias. Foi quando o Daniel Dantas me telefonou e pediu para eu ir até o Opportunity. Não houve nada de romântico ou formal no convite. Ele falou que gostaria que eu trabalhasse com eles, eu perguntei sobre salário e condições e pedi um tempo para pensar. Depois, sem nenhum drama de consciência, porque sempre agi corretamente na Telecom Italia, resolvi aceitar. Se eu tivesse algum acordo anterior com o Opportunity, eu não teria negociado esse acordo de acionistas que dá tantos direitos à minoritária Telecom Italia.

DINHEIRO ? Foi uma proposta salarial irrecusável?
Carla ?
Há muita lenda sobre o meu salário, mas garanto que não ganho esses milhões de que falam por aí. Me fizeram uma boa proposta, até mesmo porque, em comparação com a Itália, os salários que são pagos aqui no Brasil são, normalmente, maiores.

DINHEIRO ? Hoje, como a sra. recebe os comentários
de que ?virou casaca??

Carla ? Eu às vezes me sinto como uma Helena de Tróia, que provocou uma guerra. Mas esses comentários não me dizem nada.

DINHEIRO ? Como é seu relacionamento com Daniel Dantas hoje?
Carla ?
Passo semanas inteiras sem falar com Daniel. Agora, o que eu acho é que Daniel não perde nada em não falar com Carmelo Furci. Nada, nada.

DINHEIRO ? Como a sra. acha que vai terminar essa briga?
Carla ?
Não sei, não tenho uma bola de cristal. Mas para mim está claro que a Telecom Italia traz para a Brasil Telecom um conflito de interesses que terá de ser resolvido.

DINHEIRO ? Por que a Brasil Telecom não vai antecipar as metas de instalação de rede fixa da Agência Nacional de Telecomunicações?
Carla ?
A cenourinha que a Anatel colocou na nossa frente não é tão atraente para que tenhamos de apressar nosso ritmo. Se fôssemos antecipar, deveríamos instalar 1,2 milhão de linhas até o final do ano. Estamos falando de investimentos de mais ou menos R$ 1 bilhão, o que não é pouca coisa. Nosso prêmio pela antecipação seria conseguirmos uma licença para atuar no Serviço Móvel Pessoal, o celular de nova geração. Quanto à possibilidade de fazermos ligações de longa distância, as regras não são claras a ponto de nos dar garantias de que isso realmente acontecerá. Também achamos que, em razão da presença da Telecom Italia aqui dentro, poderemos ter dificuldades para entrar em outros Estados. Quer dizer, achamos que não compensa antecipar metas.

DINHEIRO ? Mas suas concorrentes Telemar e Telefonica estão fazendo isso. A sra. não teme ficar para trás?
Carla ?
Não conheço as premissas deles para esta decisão, apenas mostrei as minhas. No médio prazo, nossa decisão, tomada em março, vai demonstrar que foi a melhor para o acionista. Com a instalação desse 1,2 milhão de linhas, iríamos penetrar ainda mais nas classes C e D, em que a rentabilidade é menor.

DINHEIRO ? A sra. quer dizer que telefonia para pobre
não dá lucro?
Carla ?
Não é esse o ponto. Acontece que estamos entrando numa faixa de usuário que tem uma renda e claramente usa menos a linha. Temos de ter um cuidado maior na hora dessa instalação. Mas as metas da Anatel serão todas cumpridas. Isso é uma obrigação, não se trata de eu querer fazer isso ou não.