12/03/2003 - 7:00
“Nos anos 90, a indústria de telecomunicações contraiu 25% das dívidas nos EUA”
“A banda larga é um instrumento de justiça social para os mais pobres”
DINHEIRO ? Qual a sua avaliação da crise nas empresas de telecomunicações em todo o mundo?
BRIAN ADAMIK ? A livre competição está ameaçada. O mercado de telecomunicações está ficando cada dia mais parecido ao da aviação comercial. Quando quero viajar de uma cidade para outra, não tenho todas as possibilidades ao meu dispor. Sou sempre forçado a escolher uma determinada companhia aérea, que tem o vôo para a cidade que eu quero ir e no horário que eu preciso. Isso acontece com todo mundo. E, da mesma forma que é uma ilusão considerar que o passageiro tem total liberdade de escolha, também seria um engano considerar que uma pessoa que quer fazer uma ligação telefônica tem uma lista de dez nomes de empresas para decidir. De um estado de livre competição, a telefonia caminha a uma situação de oligopólio, duopólio ou até mesmo de um monopólio. Em um cenário como este que está sendo desenhado há o risco de as grandes empresas exercerem um controle muito intensivo sobre os preços. Isso seria muito negativo para os consumidores e também para as pequenas companhias.
DINHEIRO ? Então, a seleção natural deixará o mercado apenas nas mãos dos mais fortes?
ADAMIK ? De certa forma, isso é o que sempre acontece. Passado esse período turbulento com credores nervosos e escândalos contábeis, acredito que teremos apenas cinco ou seis empresas operando no mercado americano. Não sei quantas no Brasil. Muitas pequenas vão fechar as portas, uma parte delas será comprada e outras tantas já deram seu adeus. E o motivo é simples. Há uma regra muito conhecida segundo a qual o custo do capital depende sempre da escala. Uma empresa que tenha um único avião, seguindo a mesma comparação que eu dei anteriormente, terá um gasto proporcionalmente muito maior com manutenção de suas aeronoves do que uma concorrente com cem aeronaves na garagem. É tudo uma questão de sobrevivência.
DINHEIRO ? O que aconteceu com esse setor?
ADAMIK ? Analisando a história do mercado de telecomunicações nas décadas anteriores, sempre houve um crescimento estável e até muito previsível. O padrão, todavia, foi radicalmente alterado nos anos 90 com o explosivo fenômeno da internet, que prometia revolucionar a maneira como as pessoas se comunicavam. Animadas com o que a rede anunciava, as companhias de telecomunicações também acreditaram que poderiam mudar o mundo e investiram bilhões de dólares na construção da infra-estrutura imaginando um futuro colorido. Com o fim da bolha da internet, em meados do ano 2000, o mercado de telecomunicações entrou em um estado de crise profunda. Mas isso vai passar um dia e elas irão retomar a mesma reta de crescimento que vinham mantendo nos anos 70 e 80. É evidente, porém, que esse comportamento não terá o mesmo fôlego que foi imaginado nos irresponsáveis e loucos dias dos anos 90.
DINHEIRO ? Quais foram os maiores equívocos cometidos nessa jornada?
ADAMIK ? Antes de mais nada gostaria de frisar que nem todos os erros são de responsabilidade das empresas de telecomunicações. Os governos também têm sua parcela de culpa. Isso porque muitos governantes optaram por vender licenças de telefonia celular a preços elevados. Foi uma maneira artificial que eles arrumaram para aumentar as próprias receitas. Mas, na realidade, não estavam vendendo absolutamente nada. O problema foi que as operadoras acreditaram em um mercado que ainda não existia e se endividaram como nunca para comprar essas licenças. Nos Estados Unidos, dezenas de bilhões de dólares foram gastos para pagar essas licenças e calcula-se que 25% de todas as dívidas levantadas nos anos 90 nos EUA foram realizadas pela indústria de telecomunicações. Mas tudo o que elas compraram foi ar, mais nada.
DINHEIRO ? E do lado das empresas, quais foram os erros
que elas fizeram?
ADAMIK ? Um dos principais equívocos no tocante às companhias
foi pensar demasiadamente em tecnologia, muito mais do que
nas conhecidas regras de marketing. Para essas empresas, tudo
era uma questão de siglas complicadas como GSM, CDMA, GPRS. Nenhuma delas encarou os desafios como sendo uma estratégia
de marketing, em que é necessário pensar os melhores produtos, traçar um meio para aumentar a fidelidade do usuário, reforçar a marca junto ao público final, garantir a lucratividade. Até mesmo
os investidores só falavam a língua da tecnologia. Perguntavam sempre quanto as empresas iriam gastar em uma determinada máquina ou quantos quilômetros iriam construir de redes de comunicação no subsolo. Bom, nesses últimos anos tivemos o surgimento de uma tecnologia fantástica que permite a comunicação sem fio entre as pessoas e outra não menos interessante em que é possível trafegar dados e imagens em alta velocidade. No Brasil, pela primeira vez, o número de telefones celulares vai ultrapassar o total de linhas fixas este ano. Mas por que ninguém está fazendo dinheiro com isso? É simples: todos estão excessivamente focados na tecnologia. E, como tal, raras empresas conseguiram criar produtos que realmente caíssem no gosto do cliente e, ao mesmo tempo, alcançassem lucros interessantes.
DINHEIRO ? É possível encontrar o equilíbrio nesse universo?
ADAMIK ? O maior desafio para fornecedores e operadoras é elaborar uma estratégia capaz de atrair os clientes corporativos e consumidores sem abrir mão de resultados contábeis positivos. Só conseguirá sair da crise quem encontrar um modelo de negócios viável. Há algum tempo conversei com Patty Russo, a presidente mundial da Lucent. A empresa estava muito habituada a vender equipamentos de rede e havia herdado da antiga AT&T o maior laboratório científico do mundo, o Bell Labs. Com a crise no setor, a Lucent esteve em perigo com dívidas e receitas sem previsão de crescimento. Pois bem, na minha conversa com Patty soube que a Lucent presta serviços a clientes por meio de um competente time de técnicos e engenheiros.
DINHEIRO ? E qual é o problema da companhia?
ADAMIK ? A Lucent nunca havia cobrado um único centavo por esse serviço! O companhia fechava contratos que pareciam vantajosos, mas na conta final estava perdendo dinheiro porque oferecia aos clientes um serviço gratuito de extrema importância. São exemplos que pipocam em diversas empresas, de provedores de internet até grandes operadores de TV a cabo.
DINHEIRO ? Quais a reais chances da tecnologia reduzir as diferenças sociais entre ricos e pobres
no mundo?
ADAMIK ? Com certeza, a ferramenta mais adequada para se fazer justiça social é a internet de alta velocidade. É o mecanismo mais forte que temos em mãos, capaz de promover uma transformação
na sociedade ainda mais profunda
do que a realizada pelos telefones celulares. A banda larga promove a justiça social. Nos últimos
cinco anos, essa tecnologia
vem registrando um crescimento anual de 45% No Brasil. É uma taxa bem superior aos 10% do mercado de telefonia celular.
DINHEIRO ? Por que o sr. aposta tanto na banda larga como instrumento de justiça social?
ADAMIK ? É uma das principais formas mais concretas de levar educação para toda a população de um país. Nos últimos anos, a banda larga conquistou um grande papel em diversas escolas no mundo todo, que a utilizam como um dos principais instrumentos para adquirir conhecimento. Conscientes desse papel, várias comunidades de minorias estão reivindicando o acesso à internet
em alta velocidade como forma de ganhar espaço na sociedade.
E acho que a mesma coisa deveria acontecer no Brasil até mesmo por motivos econômicos. Se você olha para o crescimento do
PIB de vários países verá que a educação sempre teve um
papel fundamental para a saúde dos negócios. E, na minha
opinião, a banda larga é a única forma para dar esse impulso
que a educação precisa em países como o Brasil. Ela, portanto,
tem um papel fundamental para que o País seja bem-sucedido no competitivo mercado global.
DINHEIRO ? A banda larga não é cara demais?
ADAMIK ? Sim. E é por isso mesmo que a banda larga deveria
ser uma prioridade do Estado. No meu ponto de vista, os governos de diversas esferas deveriam assegurar que a banda larga
esteja acessível ao maior número de pessoas possível. Diversas pesquisas nos mostram que, a cada ano, os ricos estão ficando
mais ricos e os pobres mais pobres. A banda larga, por sua vez,
pode interferir nesse quadro ao reduzir as diferenças entre as classes sociais no interior de uma sociedade. Ao democratizar o acesso ao conhecimento, ela ajuda os mais humildes a encontrar melhores postos de trabalho e a encontrar condições de vida
mais dignas. É evidente que, ao estudarem em escolas melhores,
os mais privilegiados ainda vão se destacar. Mas pelo menos a distância entre eles não será mais tão grande. A banda larga
deveria ser o recurso mínimo que o governo deve garantir a
todo cidadão. Do contrário, a diferença entre pobres e ricos vai continuar aumentando.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a implosão do mundo pontocom?
ADAMIK ? Não fui surpreendido. Essas mesmas empresas morreram porque eram pequenas empresas. No meu ponto de vista, a loja virtual Amazon é um caso raro de pontocom bem-sucedida. De resto, é quase impossível para uma pequena empresa arcar com os pesados e constantes custos de pesquisa e desenvolvimento que o mercado de tecnologia exige. Não é negócio de pequenos. Essa é uma tarefa para gigantes do porte de uma Intel, de uma IBM ou de uma HP.