As duas torres da imagem ao lado
são o retrato perfeito da opulência e da megalomania de um dos países que mais cresceram no mundo nos últimos anos. Com 450 metros de altura, as Petronas Twin Towers, em Kuala Lumpur, capital da Malásia, são hoje as mais altas do mundo. Mas essa economia que se expande ao ritmo anual de 7% desde 1980 só despertou a atenção global quando seu primeiro-ministro, o médico Mahathir bin Mohamad, decidiu desafiar a ortodoxia econômica. Em plena crise asiática, Mahathir rompeu com o Fundo Monetário Internacional, controlou remessas de dólares, reduziu juros e atacou financistas globais, como George Soros. Todos os detalhes dessa operação de guerra foram narrados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na manhã da segunda-feira 17. Mahathir, que viera ao Brasil para realizar um de seus maiores sonhos ? o de conhecer a floresta amazônica ? agendou um encontro com o presidente Lula e o ponto alto da conversa foi a discussão sobre a receita heterodoxa que a Malásia adotou. ?Como foi sua experiência de enfrentar a especulação dos mercados globais??, indagou Lula. ?A Malásia tinha uma economia forte e sem desemprego; não havia motivos para a fuga repentina de capitais?, contou o primeiro-ministro. ?Decidimos então adotar uma solução original: o controle de capitais?, prosseguiu. ?No início houve muita resistência dos mercados e do FMI, mas a política foi um sucesso.? Lula demonstrou interesse pelas idéias de Mahathir. ?Muitas das políticas impostas pelo FMI atrapalham a economia dos países emergentes?, comentou. E, numa entrevista após o encontro, disse que a Malásia é um exemplo a ser seguido pelos países em desenvolvimento.

Ao se despedirem, Mahathir presenteou Lula com o seu quarto livro. É uma coletânea de artigos, chamada Globalization and the New Realities (As novas realidades da globalização). Neste, e em seus livros anteriores, Mahathir tentou demonstrar como o controle de capitais funcionou na Malásia. Ao impedir a saída de recursos, Mahathir minou a especulação, fixou a taxa de câmbio e reduziu imediatamente os juros. Depois de um encolhimento do PIB de 7,4% em 1998, o país cresceu quase 10% nos dois anos seguintes. E, em menos de um ano, quando a situação se normalizou, os controles cambiais acabaram e os investidores voltaram. Para economistas como Paul Krugman e o Nobel Joseph Stiglitz, a Malásia é o exemplo concreto de que políticas heterodoxas, por vezes, funcionam melhor do que os programas de ajuste fiscal do FMI. Por isso, a receita malaia acabou virando um caso de estudo entre acadêmicos americanos. Num trabalho recente, o economista Barry Eichengreen, de Berkeley, na Califórnia, argumentou que Mahathir acertou. ?Em tempos de instabilidade, os controles cambiais têm a capacidade preciosa de isolar um país das crises?, disse ele.

Fechar a porta de saída aos capitais internacionais, algo que deu certo na Malásia, seria a parte secreta daquilo que alguns economistas chamam de Plano B para a economia brasileira. Mas é uma idéia polêmica. O sistema funcionou na Malásia porque quase todo o PIB local é exportado e o país tem grande capacidade de gerar receitas em dólar. Além disso, Mahathir está há 22 anos no poder e tem muito mais controle das instituições. No Brasil, segundo especialistas, a imposição de controles afetaria um grande número de credores e implicaria a renegociação da dívida pública. ?A solução adotada na Malásia é uma tentação que deve ser evitada pelo Brasil?, defende o economista José Júlio Senna. Na prática, uma saída heterodoxa não faz parte dos planos da equipe econômica. Até porque, no mesmo dia em que Lula esteve com Mahathir, a equipe anunciou que o País irá sacar US$ 4,1 bilhões colocados à disposição pelo FMI. E Mahathir, que desprezou o Fundo e tem bilhões para gastar, partiu depois de visitar duas empresas brasileiras: a Embraer e a Avibrás, em São José dos Campos, no interior paulista. A Malásia, que tem PIB de US$ 90 bilhões, irá adquirir jatos para a sua aviação regional e sistemas lançadores de foguetes para o seu programa militar.