É mais fácil definir a indicação de Leonardo Pereira, ex-diretor financeiro da Gol, para a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em substituição a Maria Helena Santana, pelo que ela não representa. A vinda de Pereira não representa uma ruptura drástica com o trabalho que a autarquia vem desenvolvendo ao longo dos últimos 12 anos, desde a reforma da lei do mercado de capitais. Não representa uma “derrota” do legislador frente ao mercado, um sinal de que a CVM vai perder seu poder de regular e fiscalizar. O mais preciso é dizer que a vinda de um executivo egresso de uma empresa, e não do meio jurídico, representa uma CVM mais sensível às demandas de agilidade do mercado.

 

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O advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, que presidiu a Comissão nos turbulentos anos 1990, causou um razoável desconforto em uma reunião de analistas de mercado naquela época ao dizer – investido do peso do cargo – que não havia dez empresas abertas na bolsa nas quais os investidores pudessem confiar. Duas décadas mais tarde, o acionista minoritário não é visto como um estorvo, mas como essencial para financiar o crescimento da empresa, e é tratado com mais respeito pelo empresário. Esse avanço não brotou espontaneamente do chão, mas foi fruto de um processo de aprendizado lento e nem sempre indolor. Regulador e investidores aprenderam com as crises financeiras e com eventos societários em que os direitos dos minoritários foram desrespeitados, mesmo que as empresas estivessem listadas no Novo Mercado, como ocorreu antes e durante a turbulência de 2008. 

 

Nesse aspecto, a vinda de Pereira pode representar uma boa evolução na atuação da CVM. Em outubro de 2001, a reforma da lei do mercado de capitais, que havia sido criada em 1976, garantiu à CVM uma estabilidade institucional que não existe sequer no Banco Central. As decisões são tomadas por um colegiado de cinco membros, e o presidente é apenas um deles. Ele pode dar o voto de Minerva em caso de empate, mas seu voto pode ser derrotado pela maioria. Esses conselheiros têm mandato, e sua indicação depende de uma sabatina no Senado. Essa estrutura, em funcionamento desde 2001, garantiu à CVM a construção de um arcabouço institucional que lhe permitiu legislar de maneira eficaz. 

 

O aprimoramento da lei não foi uma tarefa isolada da ex-presidente, mas uma continuidade de mais de uma década de trabalho. A vinda de Pereira deverá provocar poucas alterações nessa estrutura. A principal mudança poderá ser uma atuação menos concentrada na letra da lei e mais focada em sua aplicação prática. Ainda há pontos no mercado que precisam ser alterados. Bons exemplos são a fiscalização sobre os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e os fundos imobiliários, além das restrições do período de silêncio antecedente às aberturas de capital por parte das empresas. 

 

As carteiras dos FIDCs são, em boa parte, compostas por operações de crédito de bancos de médio porte, e sua solvência pode representar um risco insuspeito para os investidores. No caso do período de silêncio, discussão que perdeu relevância devido à baixa atividade do mercado, o temor da atuação da autarquia leva empresas e bancos de investimento a reduzir a comunicação ao mínimo – frequentemente privando o investidor de informações. São exemplos de regulamentos necessários e corretos na teoria, mas cuja aplicação provoca distorções na prática – uma discussão em que um presidente oriundo de uma empresa tem muito a acrescentar.