01/05/2014 - 19:00
O jogador de futebol brasileiro Arthur Friedenreich (1892- 1969), um dos primeiros craques da bola do País, era filho de uma mulata. Para esconder a ascendência africana, ele passava horas alisando o cabelo no vestiário antes dos jogos. No início da década de 1920, o Vasco da Gama foi impedido de disputar o Campeonato Carioca por contratar jogadores pobres e negros – foi o primeiro clube de futebol a democratizar o vestiário. Com eles em seu elenco, o clube de São Januário havia sido bicampeão. Esses são apenas dois exemplos reais de racismo no esporte, que aconteceram em uma época que parecia ter ficado para trás.
Na semana passada, no entanto, dois novos episódios de intolerância, no futebol e no basquete, mostraram que a desprezível chaga do racismo ainda está presente e, pior, vem crescendo. No domingo 27, o brasileiro Daniel Alves, lateral direito do Barcelona, se preparava para cobrar um escanteio quando um torcedor do time oponente, o Villarreal, jogou uma banana em sua direção. Alves, que deve ser convocado para disputar a Copa pela seleção do Brasil, teve uma atitude digna de elogios. Mostrando uma forte presença de espírito, em vez de se abater, ele descascou e comeu a banana.
O ato do jogador disparou uma campanha contra o racismo nas redes sociais, criada pela agência paulistana Loducca e encabeçada pelo craque Neymar, colega de Daniel Alves no clube catalão. O camisa 10 da equipe canarinho publicou no Twitter uma foto ao lado do filho ( loiro, por sinal) também degustando uma banana. Neymar usou a hashtag (tipo de marcador de temas usado nas redes sociais) #somostodosmacacos. Em seguida, vários jogadores e personalidades dos mais diferentes setores publicaram fotos semelhantes. O torcedor responsável pela ofensa foi banido para sempre dos jogos do time.
Um dia depois, foi a vez do bilionário americano Donald Sterling, dono do time de basquete Los Angeles Clippers, ser pego em uma gravação pedindo à sua namorada, a modelo mexicana V. Stiviano, que não divulgasse suas relações com negros. Momentos antes, a modelo, que tem ascendência africana, havia divulgado nas redes sociais fotos suas com o ex-jogador de basquete americano Earvin “Magic” Johnson, o que desgostou Sterling (ele chegou a dizer que admitia até que ela fizesse sexo com afro-americanos, mas que não os levasse aos jogos do Clippers). O episódio custou caro ao ricaço, que já acumula diversos casos de racismo.
Além de perder seis dos sete patrocinadores da equipe, ele foi banido para sempre da NBA, liga de basquete profissional dos Estados Unidos, levou uma multa de US$ 2,5 milhões e será forçado a vender o time. Ironicamente, Magic Johnson é um dos interessados na compra. A questão que surge é como o preconceito pode afetar a Copa do Mundo no Brasil, que começa em junho. Os dois episódios mostram que o racismo tem potencial para manchar o evento. “As marcas precisam lutar pela igualdade”, afirma Guga Ketzer, diretor de criação da Loducca. “Não é preciso fazer uma campanha, mas ter uma atitude contra o racismo.” A ação com Neymar fora elaborada a pedido do próprio jogador, que desejava se posicionar sobre o assunto, antes mesmo do incidente envolvendo Daniel Alves.
“A ideia era acabar com a ofensa”, diz Ketzer. “Acho que conseguimos.” Para o advogado Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga, especialista em direito esportivo, é importante que as autoridades estejam preparadas para punir os responsáveis por casos de racismo. “As punições dadas na Espanha e nos Estados Unidos foram muito importantes”, diz Veiga. Marcas que se sentirem prejudicadas por casos como o de Sterling, por exemplo, podem solicitar a rescisão de contrato, mesmo que não haja uma cláusula sobre racismo. “A miscigenação é uma das responsáveis pelo sucesso do futebol brasileiro”, afirma Veiga. “É preciso acabar de vez com o racismo.”