09/11/2001 - 8:00
Quantos egos e ambições cabem em um edifício de 103 andares? Quanta intriga seus alicerces são capazes de suportar? No caso do secular Empire State Building, o arranha-céu mais famoso do mundo, aquele que no dia 11 de setembro passado reassumiu, diante da tragédia das torres gêmeas do World Trade Center, o posto de prédio mais alto de Nova York, não há vilania que abale sua imponência. Quase secular, a história do maior símbolo da pujança da indústria imobiliária é também um movimentado resumo do que há de mais sórdido no mundo dos negócios. Repare no título de uma das mais completas ?biografias? desse ente de Manhattan, recém-lançada nos Estados Unidos: Empire ? A Tale of Obsession, Betrayal and the Battle for na American Icon (?Uma História de Obsessão, Traição e a Batalha por um Ícone Americano?). O autor, Mitchell Pacelle, jornalista do Wall Street Journal, não é chegado a eufemismos.
É bom avisar que a obra de Pacelle não é definitiva ? simplesmente porque parece longe de acabar a guerra dos king-kongs do mercado imobiliário pelo controle do edifício. Quanto mais o tempo passa, mais sedutor o Empire State parece ficar e mais rasteiras magnatas como Leona Hemsley, Donald Trump, Hideki Yokoi e Peter Malkin se mostram propensos a passar nos rivais. Pelo menos dois desses nomes são mais familiares aos brasileiros ? o egocêntrico Trump dispensa apresentações e Leona ficou famosa como a viúva trambiqueira que herdou uma fortuna, foi enganada por um ?amante? gay e acabou presa por sonegação de impostos. Deu para sentir o clima?
Pois essa gente fina protagoniza os últimos 40 anos de disputas pelo gigante de concreto e aço. Leona e o finado marido Harry Helmsey arrendaram o prédio em 1961 em um negócio da China. Juntamente com outros megaempresários do setor, como Malkin, montaram um poderoso consórcio e convenceram a companhia de seguros Prudential, então dona do prédio, a fazer um contrato de leasing de 114 anos. Hoje, 40 anos depois, o acordo continua valendo e a turma paga a US$ 1,9 milhão por ano por um dos mais famosos endereços do mundo, com valor de mercado estimado US$ 1 bilhão.
O negócio foi tão ruim para a Prudential (e tão lucrativo para Leona & cia.) que em 1991 o japonês Yokoi ? colecionador de propriedades como castelos franceses e ingleses ? arrematou o Empire State por singelos US$ 42 milhões. Pouco tempo depois, em dificuldades financeiras, aliou-se a Trump. Juntos, acreditavam, poderiam encontrar um maneira de desfazer o contrato de leasing que tanto deprecia o valor do imóvel. A guerra esquentou com tiros para todos os lados, mesmo dentro dos consórcios que disputam o Empire State. Já viúva, Leona caía em desgraça e brigava com o sócio Malkin. Yokoi acabou preso no Japão, condenado por homicídio em virtude de um incêndio em um hotel que lhe pertencia. Na calada da noite, sua filha, Kiiko Nakahara, apossou-se de seus bens e entregou-os à administração do namorado francês. Trump, que sonha em transformar os andares mais altos da torre em megaapartamentos de luxo, não titubeou. Virou as costas para o velho e renovou a parceria, agora com a jovem nipônica. Então, coisas estranhas começam a acontecer nos corredores do arranha-céu (sempre com intensa cobertura de tablóides nova-iorquinos). Freqüentes notícias de badernas e até de infestação por vermes, coincidentemente, ajudavam na conspiração Trump-Nakahara para expulsar de lá os arrendatários. Se as paredes do Empire State falassem, contariam muito mais. Mas elas estão lá para simbolizar a riqueza ? e não o lado mesquinho do poder em Nova York.