As famosas espumas, emulsões e gelatinas do genial chef catalão Ferran Adrià não irão mais entreter o paladar de privilegiados frequentadores do seu restaurante elBulli. O lugar, aberto em 1961 numa falésia da litorânea Roses, na Costa Brava, norte da Espanha, famoso por seu menu exótico e as filas de espera de meses, fechou as portas no sábado 30 de julho, após um último ato: um jantar de cinco horas, com 50 pratos para 50 pessoas, ao preço de 270 euros por cabeça. Fizeram parte da última ceia pratos famosos assinados pelo chef, como o suspiro de marisco e o balão de gorgonzola.

 

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Adeus do maestro: Ferran Adrià despede-se, junto com seus cozinheiros,
no último dia de funcionamento do elBulli, no sábado 30, em roses, na espanha

Para terminar, um bolo criado pela brasileira Patrícia Schmidt e seu marido, o catalão Christian Escribà. Durante 27 anos, o espanhol nascido em Barcelona, em 1962, que começou sua vida na cozinha lavando pratos, se dedicou a criar receitas cuja fama correu o mundo e fizeram história, como o caviar de maçã, o tempurá de flores de funcho e o espaguete frozen de foie gras com nitrogênio líquido. Suas criações arrebataram os críticos das caçarolas, como o movimento da Nouvelle Cuisine, que foi a grande coqueluche gastronômica das décadas de 1970 e 1980.  

Foi em 1987, quando assumiu a chefia da cozinha do elBulli, que Adrià passou de chef a mago, dando vazão às suas ideias fundamentadas na culinária molecular – que, através da observação dos desdobramentos físicos e químicos dos ingredientes, promove a desconstrução de suas texturas, mas jamais de seus sabores. “O grande trunfo de Adrià é seu inesgotável poder de surpreender as pessoas”, diz Alex Atala, o chef mais incensado do Brasil e amigo do catalão. “Se sou reconhecido lá fora é por causa dele, que foi o primeiro grande chef europeu a falar de mim.” Atala é  sócio dos restaurantes paulistanos Dalva e Dito e D.O.M., sétimo colocado na lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo da The Restaurant Magazine, lista que o elBulli liderou por cinco vezes na década passada.   

 

A saída de cena do chef é encarada com perplexidade e tristeza pelos seus admiradores. “Por ser feita no auge de sua carreira, é comparável a quando o Pelé parou de jogar futebol”, afirma Atala, frequentador assíduo do restaurante. Apesar de nunca ter se sentado numa das mesas do lugar e de não ser fã da gastronomia molecular, o chef francês radicado no Brasil Erick Jacquin, da La Brasserie, em São Paulo, respeita o colega de dólmã (a vestimenta típica dos cozinheiros). “Seu trabalho fez com que os chefs retomassem uma de nossas grandes bandeiras, a do empirismo”, diz Jacquin. “Agora, me estranha o fato de ele parar neste momento.

 

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Da prancheta para a mesa: ravióli esférico de ervilha, criado pelo chef

 

O Paul Bocuse revolucionou a gastronomia mundial na década de 1970, com a Nouvelle Cuisine, e até hoje, aos 85 anos, está na ativa.” Especulações sobre a saúde financeira do restaurante circularam na mídia internacional, como justificativa real para que Adrià fechasse o elBulli. Alguns veículos disseram que a casa estaria perdendo alguns milhões de euros por ano, por conta da sua gorda estrutura na cozinha (42 cozinheiros), mas magra no salão. O restaurante mantinha somente 50 mesas e só abria para o jantar durante sete meses por ano. 

 

Para os órfãos da inventividade do chef, a boa notícia é que a partir de 2014, após um período sabático, Ferran Adrià vai se dedicar, junto com o sócio, Juli Soler, à Fundação elBulli, cuja manutenção custará cerca de 800 mil euros por ano. Patrocinada pela Telefônica e localizada no mesmo lugar do lendário restaurante, a instituição vai se dedicar ao desenvolvimento de novas receitas e à formação e aperfeiçoamento de novos chefs. Ah! E, em alguns dias do ano, ainda não se sabe quais, o lugar irá servir refeições aos felizardos que estiverem passando por Roses.

 

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Tudo começou com uma carroça

 

O restaurante elBulli conheceu a fama internacional pelas mãos de Ferran Adrià. Mas sua existência data de muito antes de o curioso chef aparecer em sua cozinha, em 1983. Em 1961, o médico alemão Hans Schilling e sua mulher, Marketta, abriram um campo de minigolfe em Roses, cidade espanhola de 15 mil habitantes.

 

Para atender os clientes sedentos e famintos, começaram a vender bebidas e petiscos, armazenados numa carroça, batizada de Bulli Bar – bulli é como os espanhóis chamam o buldogue francês, raça apreciada pelo casal. Em 1970, o lugar ganhou uma cozinha, e, em 1976, ganhava sua primeira estrela no Guia Michelin, com o chef francês Jean-Louis Neichel.   

 

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Colaborou Beatriz Marques