Uma das mais espetaculares quedas empresariais de todos os tempos teve um desfecho melancólico na semana passada. Com a tristeza típica dos fados, o banqueiro português Ricardo Espírito Santo Silva Salgado viu seu portentoso Banco Espírito Santo sofrer intervenção do governo e ser divido em dois, uma parte boa e a outra, ruim. Foi um baque para Silva Salgado, um influente magnata que até quatro anos atrás dava conselhos a José Sócrates, então primeiro-ministro em Lisboa, durante as negociações com os credores internacionais e com as autoridades europeias para obter o pacote de ajuda de € 78 bilhões (R$ 234 bilhões) para Portugal.

Depois da humilhação de ter sido preso em sua suntuosa residência em Cascais, acusado de lavagem de dinheiro e de evasão fiscal, e solto após quitar uma fiança de € 3 milhões (R$ 9 milhões), ele entrou para a história como o herdeiro que afundou uma das maiores fortunas da Europa. Na madrugada da segunda-feira 4, vergado por um rombo insolúvel de € 4,9 bilhões (R$ 15 bilhões), o Espírito Santo sofreu uma intervenção do Banco de Portugal, o BC português. Foi o fim da linha para a casa de câmbio fundada em 1869 por José Maria do Espírito Santo e Silva, que chegou a ter o ditador António de Oliveira Salazar e o caudilho espanhol Francisco Franco entre seus clientes.

Ao longo de 145 anos, o Espírito Santo sobreviveu a duas guerras mundiais, ao fim do império colonial e à estatização dos bancos pós-Revolução dos Cravos, em abril de 1974. Para avaliar sua relevância na economia do país bastam duas comparações. No fim de 2013, ele empregava mais de dez mil pessoas, como se um em cada mil portugueses trabalhasse para a família. Um grupo brasileiro desse tamanho teria dois milhões de funcionários. Seu último faturamento registrado foi de € 4 bilhões em 2013, ou 3% do PIB de Portugal – uma importância relativa maior que a da Petrobras para a economia brasileira.

Aqui, os Espírito Santo são acionistas do Grupo Monteiro Aranha, fazem gestão de fortunas e têm empreendimentos imobiliários, como os hotéis Tivoli. Enorme, diversificado – investia em bancos, seguradoras, planos de saúde, energia, hotéis, incorporação imobiliária e agronegócio – e uma das poucas empresas portuguesas realmente internacionalizadas com atividades na Europa, nos Estados Unidos, América Latina e na África, o Espírito Santo era tido como indestrutível. Com ativos de € 78 bilhões em março, era uma das maiores casas bancárias da Europa.

Em 2008, em uma demonstração de força financeira, foi um dos poucos bancos europeus a se capitalizar sem usar dinheiro estatal. No entanto, os sinais de alerta começaram a aparecer em maio, quando uma auditoria realizada pelo Banco de Portugal descobriu que havia problemas de solvência e muitos empréstimos de difícil recebimento. A preocupação dos investidores transformou-se em medo em meados de julho, quando a RioForte, holding não financeira do grupo, deixou de pagar um empréstimo de € 896 milhões (R$ 2,7 bilhões) à Portugal Telecom.

O calote complicou a situação financeira da PT, que possuía 2,1% das ações do grupo, e revelando a situação de insolvência do Espírito Santo. O imbróglio alterou as condições da fusão da Oi com a Portugal Telecom, que viu sua participação na nova empresa, denominada CorpCo, encolher de 37,3% para 25,6%. Poucos dias depois, o patriarca Silva Salgado foi destituído do cargo e substituído pelo economista Vitor Bento, funcionário de carreira do Banco de Portugal. O Espírito Santo reproduziu o que ocorreu deste lado do Atlântico há quase duas décadas com os bancos Econômico, Nacional e Bamerindus.

O grupo tinha características muito parecidas com as dos três brasileiros que quebraram. Confusão entre empresas financeiras e não financeiras, governança corporativa fraca e uma família controladora com gosto por cultivar laços políticos. Essa situação agravou-se a um ponto de não retorno após a crise do subprime, em setembro de 2008. A demonstração de força em recusar fundos estatais ganhou outra conotação. Atualmente, ela é vista como uma tentativa de evitar que técnicos europeus fuçassem as contas do grupo.

A queda machucou alguns dos nomes mais conhecidos do mercado bancário. Em seu esforço para recomprar os bancos que haviam sido nacionalizados e foram privatizados no fim dos anos 1980, o Espírito Santo associou-se a nomes como o americano Goldman Sachs e o francês Crédit Agricole, que possuía 14,6% das ações. No Brasil, o Bradesco detinha cerca de 3,8% do capital do Espírito Santo, fruto da aquisição do Banco Boavista no início de 2001. Com a intervenção, essas participações acionárias agora valem só o que for recuperado com a venda dos ativos do banco ruim, depois que todos os demais credores forem pagos.

Por via das dúvidas, o Bradesco já contabilizou o investimento como perda, lançando em seus livros provisões de R$ 356 milhões, o que deverá reduzir seu lucro no terceiro trimestre. “É um valor pouco representativo, que não afeta muito nossos resultados”, disse Luiz Carlos Trabuco, presidente do banco, em uma apresentação a analistas na segunda-feira 4. Os prognósticos são sombrios. O programa de salvação, que deverá levar dois anos, prevê a divisão dos ativos entre o banco ruim, que vai ficar com empréstimos de difícil recebimento e participações empresariais com pouco valor, e o banco bom, denominado Novo Banco, que deverá ser colocado à venda em 2016.

Qualquer semelhança com o Proer brasileiro não é mera coincidência. A maior parte das operações africanas – as subsidiárias em Angola e na Líbia, por exemplo – ficaram com o banco ruim, assim como algumas das instituições financeiras em Luxemburgo. No Brasil, o espólio foi dividido. O Banco Espírito Santo Investimentos Brasil, presidido por Ricardo Abecassis Espírito Santo Silva, bisneto do fundador e primo de Ricardo Salgado, ficou com o Novo Banco. Os ativos imobiliários – hotéis Tivoli Mofarrej, em São Paulo, e Tivoli Praia do Forte, na Bahia, além de fazendas de cana e laranja no interior paulista – ficaram com o banco ruim e deverão ser postos à venda.

Procurados, o Espírito Santo em Portugal e o banco brasileiro não concederam entrevistas. Os ativos não financeiros têm valor, mas será difícil encontrar comprador para as participações bancárias. Os relatórios finais do Banco de Portugal só devem ser publicados em outubro, mas o cenário que emerge é o de um banco sem controles. Um exemplo é a Portugal Telecom, que, coincidentemente, resgatou € 128 milhões (R$ 384 milhões) três dias antes da intervenção, poupando-se dos dissabores de ter de entrar na fila com os demais credores. O movimento lança mais uma sombra sobre a gestão do grupo Espírito Santo, que perdia dinheiro em negócios mal planejados e usava recursos captados pelo banco para cobrir os rombos em outras atividades.

Bom exemplo disso foi a compra do banco Boavista em 1997, revendido ao Bradesco quatro anos depois com um prejuízo razoável. Questionado sobre a pertinência da operação, Ricardo Abecassis Espírito Santo Silva respondeu por escrito à indagação de um jornalista, e esbanjou sinceridade. “Ao assumir o banco, fomos surpreendidos pela situação do Boavista, que era muito pior do que o Banco Central nos havia informado”, escreveu ele. E foi além. “Isso foi agravado pelo fato de termos fechado o contrato de compra do banco sem ter realizado a necessária auditoria.” Autoexplicativa, a declaração até parece, mas não é uma piada de português.