DINHEIRO ? A crise na Europa é muito séria?

ANDREAS HÖFERT ? É muito pior do que parece. Pela primeira vez, os países mais endividados correm um risco real de quebrar. Os governos devem demais. Basta olhar um indicador básico, que é a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). Em alguns países, essa relação já supera 100%. Um bom exemplo é a Grécia. Em poucas palavras: a Grécia quebrou e será obrigada a dar um calote em sua dívida ou realizar uma reestruturação unilateral. E as consequências serão imprevisíveis.

 

 

 

DINHEIRO ? Mesmo que a economia grega seja pequena?

 

HÖFERT  ? Sim, porque quando ocorre um evento como esse, só sabemos depois quais são seus efeitos. Apesar do que os políticos dizem, ninguém na Europa se importa com a Grécia, com exceção dos gregos, é claro. Se ela quebrar, o que preocupa os outros europeus é o impacto sobre Irlanda, Portugal e Espanha, em especial. A Espanha é importante e um problema ali poderia provocar grandes prejuízos em toda a Europa, afetando economias sólidas como França e Bélgica.

 

 

 

DINHEIRO ? Quais seriam esses prejuízos?

 

HÖFERT  ? O pior efeito seria a propagação da crise pelo mercado financeiro mundial. A dívida grega é de  340 bilhões. Um terço desse montante está nas mãos de instituições multilaterais, como o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ou seja, esse pedaço está controlado. Outro terço, cerca de  110 bilhões, está nas mãos dos bancos, metade com os bancos gregos e a outra metade com os bancos franceses, alemães, holandeses e ingleses, além das companhias de seguros.

 

 

 

DINHEIRO ? E o outro terço da dívida?

 

HÖFERT ? Eis a questão, ninguém sabe ao certo quem possui esses títulos. Ou seja, um calote grego, embora pequeno, pode provocar um efeito cascata totalmente imprevisível. 

 

 

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Protesto de funcionários públicos gregos contra as medidas de austeridade propostas pelo governo

 

 

DINHEIRO ? Há bancos europeus que podem quebrar?

 

HÖFERT  ? O mais provável é que ocorra uma crise de confiança, como a que houve nos Estados Unidos, em 2008, depois da quebra do Lehman Brothers. Ou seja, poderia haver um fenômeno em que o banco A deixa de confiar no banco B, que por sua vez não faz mais negócios com o banco C, e assim por diante. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) resolveu esse problema afrouxando o crédito e injetando bilhões de dólares no sistema financeiro. Não sei se o BCE fará a mesma coisa, pois eles são muito mais rígidos no combate à inflação. Só que eu não acredito em quebra, o mais provável são nacionalizações, como ocorreu com os bancos na Inglaterra. 

 

 

 

DINHEIRO ? Por que é tão difícil resolver essa questão?

 

HÖFERT  ? Porque a questão não é apenas financeira. Entre maio de 2010 e abril de 2011, o BCE imitou o Fed e realizou um afrouxamento monetário, comprando dívida grega e tirando esses papéis podres dos balanços dos bancos. Isso parou. O BCE considerou que isso não era trabalho dele. A União Europeia terá de resolver o problema de outra forma, usando dinheiro público para salvar a Grécia. Só que aí entra um componente político sério.

 

 

 

DINHEIRO ? Como assim?

 

HÖFERT  ? A questão é: quem vai pagar a conta? A maior parte do dinheiro é alemão, dos contribuintes alemães. Quando um banco central compra essas dívidas, ele também está usando, indiretamente, dinheiro dos contribuintes. E isso enfrenta resistências políticas cada vez maiores. Não é apenas uma questão de transferência de dinheiro, passa pela imposição de restrições e pela exigência de contrapartidas.

 

 

 

DINHEIRO ? Difíceis de implantar…

 

HÖFERT  ? Exatamente. Os países do norte da Europa, a Alemanha em especial, vêm sendo convocados a colocar mais dinheiro nos países do sul. Os eleitores alemães não querem fazer isso. Não por acaso, o governo alemão vem enfrentando uma queda em sua popularidade. Por outro lado, os países do sul não querem se submeter ao que eles veem como uma ?ditadura? dos países do norte. Ou seja, o próprio conceito de comunidade está em risco.

 

 

 

DINHEIRO ? Essas dificuldades não foram solucionadas com a moeda única?

 

HÖFERT  ? Muito ao contrário. Quando a Comunidade surgiu, nos anos 1990, muitos economistas disseram que não ia dar certo. Os países eram muito diferentes. Por exemplo, a idade mínima de aposentadoria na Alemanha é 67 anos. Na Grécia, é 55 anos. Um alemão diz: ?Por que eu tenho de pagar a aposentadoria desses folgados?? Um grego pensa: ?A idade sempre foi 55 anos e agora esses alemães querem mudar as regras?? Os europeus não sentem mais que fazem parte de uma comunidade. O próprio conceito de União Europeia está podre para os europeus.

 

 

 

DINHEIRO ? Pode ser o fim do euro?

 

HÖFERT  ? É pouco provável. Uma unificação monetária é um processo sem saída. Não é possível retroceder em um processo de construção da Europa, que começou há mais de 50 anos, ainda no pós-guerra. O que deve acontecer é uma piora muito grande das condições econômicas, com retração do crescimento. Atualmente, a Alemanha vem sendo um dos motores da economia global, e uma desaceleração terá um impacto negativo muito forte.

 

 

 

DINHEIRO ? O que pode ocorrer em termos políticos?

 

HÖFERT ? Eu não seria exagerado a ponto de dizer que haverá guerra, mas as pessoas vão começar a adotar atitudes desagradáveis com seus vizinhos. Deverá haver uma retomada do protecionismo e do nacionalismo, algo que foi muito difícil de superar. No campo político, já é possível notar o crescimento de movimentos extremistas, tanto de direita quanto de esquerda.

 

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“A moeda brasileira vai sair mais forte e mais importante dessa crise” Dilma Rousseff, presidente da República

 

 

 

DINHEIRO ? Como essa crise na Europa pode afetar os outros países?

 

HÖFERT  ? Aí temos de analisar caso a caso. Vamos começar pelos Estados Unidos. Eles estão enfrentando um problema agora, que é o fato de a agência de classificação de risco Standard & Poor?s ter colocado o risco americano em revisão para um possível rebaixamento. Todo mundo se surpreendeu com isso, mas não era para surpreender ninguém. A relação entre dívida e PIB dos Estados Unidos é muito pior do que a da Europa, se aproxima de 100% do PIB. Isso fazendo a conta que todo mundo faz, porque os Estados Unidos usam diversas maneiras para reduzir esse indicador. Há países europeus de fato encrencados, mas, se considerarmos os números agregados, a situação europeia não é tão ruim. E solução nos Estados Unidos só em 2013, porque no ano que vem tem eleição e esse é um assunto que os políticos não enfrentam. Nenhum país assim tem a melhor classificação de risco, que é o triplo A. Ou seja, o rebaixamento americano é questão de tempo. 

 

 

 

DINHEIRO ? Mesmo que a economia americana tenha uma capacidade de recuperação maior do que a da Europa?

 

HÖFERT ? Será? Os Estados Unidos cresceram 1,8% no primeiro trimestre deste ano, apesar de o governo ter injetado US$ 600 bilhões na economia e ter feito uma renúncia fiscal de US$ 800 bilhões. Mesmo com tanta ajuda, o desempenho é pífio. O desemprego está alto, a confiança do consumidor está caindo e o mercado imobiliário não reage. Logo, Washington vai inventar um programa com um nome complicado para colocar mais dinheiro na economia e ver se a situação melhora. No entanto, é inegável que, quando a ajuda financeira acabar, a economia vai encolher.

 

 

 

DINHEIRO ? Nenhum país está bem?

 

HÖFERT  ? A China e os países à volta dela estão em uma boa situação, tanto que o governo chinês está tendo de tomar medidas para desaquecer a economia. Mesmo na Europa há boas notícias. Uma das melhores vem da Alemanha. Durante duas décadas, ela foi o patinho feio da região. Sua economia patinava enquanto os vizinhos cresciam a taxas de dois dígitos. Só que, nos últimos anos, os alemães fizeram um esforço excepcional para melhorar sua competitividade e exportar mais. Como resultado, o emprego, as construções e os investimentos alemães estão crescendo aceleradamente. O mesmo vale para Bélgica, Holanda e Luxemburgo, o Benelux. São economias pequenas, mas que têm mostrado uma capacidade notável de recuperação.

 

 

 

DINHEIRO ? E o Japão?

 

HÖFERT  ? O Japão vai ter problemas sérios em 2020, quando a geração que nasceu no pós-guerra se aposentar. A conta simplesmente não vai fechar. O governo não vai conseguir pagar essa conta e não tem mais capacidade de endividamento. Todo mundo fala da enorme poupança dos japoneses, mas as pessoas se esquecem que a dívida pública japonesa é equivalente a 250% do PIB. A conta é um quatrilhão de ienes. Tente imaginar o número 1 seguido por uma fileira de 15 zeros. 

 

 

 

DINHEIRO ? Como toda essa conjuntura pode afetar a América Latina e o Brasil?

 

HÖFERT  ? Minha avaliação do Brasil é de que a economia está em uma situação boa. Há um risco de superaquecimento e de aumento da inflação, mas essas são doenças econômicas cujo tratamento é bem conhecido. Os futuros pacotes de ajuda, especialmente o dos Estados Unidos, vão inundar o mercado de dólares e fazer o dólar perder valor em relação a várias moedas. Nesse caso, o real será uma das moedas beneficiadas, assim como o dólar australiano, o canadense e o de Cingapura. A moeda brasileira vai sair mais forte e mais importante dessa crise.