10/04/2015 - 20:00
O bilionário Lirio Albino Parisotto, dono da Videolar e uma das maiores fortunas da Bolsa no Brasil, gosta tanto da trilogia O Poderoso Chefão, do cineasta americano Francis Ford Coppola, que desembolsou US$ 50 mil, há oito anos, para comprar um terno de lã azul marinho usado pelo ator Al Pacino durante as filmagens do terceiro filme da série, em 1990. O traje faz parte da decoração do hall de entrada da Videolar, em Barueri, na região metropolitana da capital paulista, um ambiente repleto de memorabilia de som e imagem, como gramofones, pianolas, discos de 78 rotações e DVDs.
“Preciso emagrecer um pouco mais para caber neste terno”, brinca Parisotto, que perdeu seis quilos recentemente, ao receber a DINHEIRO na quinta-feira 9, três dias após protagonizar uma vitória cinematográfica na Assembleia Geral Extraordinária da Usiminas, da qual é um dos maiores investidores, com 3,5% do capital total. Depois de reunir votos suficientes de acionistas minoritários, Parisotto não só se elegeu conselheiro da terceira maior siderúrgica brasileira, como também emplacou o presidente do Conselho de Administração, o advogado catarinense Marcelo Gasparino. Foi a primeira vez que um grupo de minoritários conseguiu assumir o comando do órgão mais alto de gestão de uma empresa aberta no Brasil, contra a vontade dos controladores – no caso, os sócios majoritários Nippon Steel e Ternium, que estão em pé de guerra.
Mas não se engane: apesar da demonstração de força, o empresário não tem a pretensão de vestir-se como Michael Corleone, tampouco de assumir o papel de poderoso chefão da Usiminas. “Minha missão é de paz”, afirma ele. Caberá a Parisotto apaziguar ânimos bastante exaltados na Usiminas, a primeira estatal a ser privatizada no País, em 1991. Detendo apenas 1% das ações que dão direito a voto (ordinárias) da siderúrgica mineira, através do fundo Geração L.Par – que administra na corretora Geração Futuro –, o empresário gaúcho só conseguiu tomar o poder no Conselho da Usiminas porque, desde setembro do ano passado, as duas companhias que formam o bloco de controle não se entendem mais.
A japonesa Nippon Steel é dona de 29,5% das ações ordinárias e a argentina Ternium, ligada ao grupo italiano Techint, da família do empresário milanês Paolo Rocca, possui 27,7%. A relação entre elas se deteriorou de vez quando os japoneses, auxiliados pelo presidente anterior do Conselho de Administração, Paulo Penido, destituíram o argentino Julián Eguren da presidência-executiva da Usiminas, junto com outros dois diretores indicados pelos latino-americanos. A alegação era de que os executivos receberam indevidamente bônus financeiros, que não tinham sido aprovados pela companhia. Foi a gota d’água de uma relação que já se deteriorava.
Nos bastidores da guerra corporativa, circulou até uma charge que retrata os executivos do grupo ítalo-argentino como mafiosos, na qual Rocca é retratado como uma espécie de Don Corleone, o capo de tutti i capi vivido magistralmente por Marlon Brando no cinema. Na vida real, foi nesse cenário belicoso que Parisotto começou a gestar a estratégia que o levaria ao topo da Usiminas. O empresário, nascido numa colônia italiana em Nova Bassano, município de pouco mais de nove mil habitantes, nas cercanias de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, e que construiu uma fortuna pessoal estimada em US$ 1,6 bilhão pela Bloomberg, percebeu que era a hora de fazer o seu movimento.
Ele já conhecia bem os problemas da empresa. Em 2012, foi eleito, pela primeira vez, para o Conselho da Usiminas, mas permaneceu pouco tempo em sua cadeira. “Participei de três reuniões e fiquei de fígado azedo. Comecei a ver algumas coisas estranhas”, diz. “Percebi que teria muito trabalho ali, e, ao mesmo tempo, que havia também muito a se fazer na Videolar, já que a minha empresa estava passando por um momento delicado, com a queda violenta do setor de mídias graváveis.” A solução encontrada na época foi renunciar ao posto no Conselho em favor do advogado Gasparino, que era o seu suplente e que poderia dedicar mais tempo à Usiminas.
No entanto, no ano passado, com a briga declarada entre a Nippon e a Ternium, Parisotto sentiu que precisava intervir. Afinal, os dois lados abandonaram o diálogo e toda a comunicação passou a ser feita por meio de advogados e processos judiciais. Pior: como, pelo acordo de controladores, todas as decisões estratégicas devem ser tomadas em consenso entre os dois grupos, a gestão da siderúrgica ficou simplesmente paralisada. Analisando os estatutos da Usiminas, Gasparino descobriu que os acionistas minoritários poderiam assumir a presidência do Conselho em caso de falta de consenso dos controladores.
Ele e Parisotto convocaram, então, uma assembleia e passaram os últimos quatro meses visitando investidores, para angariar apoio à empreitada. Na agenda, figuravam prioritariamente fundos estrangeiros, como o americano Blackrock e o Vanguard. Até mesmo o interventor da massa falida do banco Econômico, que detém 1% das ações da companhia, foi procurado e votou alinhado com Parisotto. Mas, como nas melhores tramas de filmes de suspense, nada seria tão fácil. Na mesma época, surgiu, entre os acionistas minoritários, um obstáculo para os objetivos da dupla: o BTG Pactual, controlado pelo banqueiro André Esteves. O banco começou a comprar ações da Usiminas e ultrapassou os 3% de participação do capital votante.
Porém, uma vez que somente 10% das ações ordinárias estão nas mãos dos minoritários liberados para votar, isso não seria suficiente para garantir os mais de 5% necessários para vencer a disputa por uma vaga no Conselho. Ainda assim, o BTG indicou, na segunda-feira 6, um candidato próprio, Marco Antônio Bologna, atual presidente do Conselho da empresa aérea TAM. Durante a assembleia, ao perceber que não levaria a melhor sobre Parisotto, o banco mudou sua indicação para Rita Fonseca, conselheira que representa o Previdência Usiminas, o fundo de pensão dos empregados da empresa. Procurado, o BTG não deu entrevista à DINHEIRO.
BATALHÃO DE ADVOGADOS A disputa na assembleia envolveu mais de 50 pessoas, incluindo um batalhão de advogados, que se digladiaram por cinco horas de votações. A Ternium acusou Parisotto de ser apoiado pela Nippon. A Nippon retrucou, afirmando que a Ternium também teria um minoritário atuando em seu favor, o BTG. A Nippon acusou a Ternium de vender ações no mercado aberto para tentar dar mais poder a minoritários afinados com os seus interesses. O BTG e a Ternium afirmaram que podem levar a eleição à Justiça, devido à participação da japonesa Sankyu, responsável por nove milhões dos 22 milhões de votos que deram a vitória a Parisotto, contra os 16 milhões alcançados por Bologna.
Segundo os argentinos, a Sankyu seria “uma subsidiária da Nippon”, que detém 3,09% do seu capital e é uma de suas maiores clientes. A empresa asiática se defendeu. “A Sankyu é totalmente independente da Nippon Steel”, afirmou à DINHEIRO um porta-voz da Nippon. “Temos participação em 900 empresas, sendo que não participamos da gestão de 400 delas.” Depois da briga bem brigada e de um jantar de comemoração oferecido em sua casa, em São Paulo, na terça-feira 7, para outros minoritários, Parisotto agora entra na fase de conciliação. “Não é função do minoritário gerir uma empresa de um setor que não conhece”, diz.
“Não somos especialistas em aço e em minério.” Seu primeiro objetivo é que a Nippon e a Ternium se entendam o quanto antes. “Sou sócio da Usiminas, não dos argentinos ou dos japoneses”, lembra. A proposta é de paz e amor, mas, se não isso não for possível, Parisotto pretende propor que as partes em conflito recorram a um divórcio amigável (leia entrevista ao final da reportagem). Entre os analistas do setor, não há um consenso quanto às chances de Parisotto ser bem-sucedido em acertar o rumo da empresa. “Não havia um interlocutor que pudesse buscar a conciliação entre as empresas”, afirma Ricardo Kim, analista-chefe da corretora XP Investimentos.
“Esse é o papel que Parisotto e Gasparino podem oferecer”. Daniela Martins, analista da Concórdia Corretora, entende que a entrada dos dois no Conselho não traz uma mudança substancial para a Usiminas. “Nem a Ternium, nem o BTG aceitaram a votação”, afirma. “As brigas devem continuar.” Além dos desentendimentos entre os acionistas, a Usiminas ainda enfrenta os desafios do setor e de uma economia de baixo crescimento. Para Bruno Rezende, economista da Tendências Consultoria, o setor passa por uma situação grave com a queda da demanda doméstica.
“Dois mercados consumidores de aço, como o automotivo e o de construção civil, terão retração neste ano”, diz. Para tornar a missão pacificadora ainda mais complexa, também a concorrente Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, está envolvida na confusão. Maior acionista minoritária da Usiminas, com 14% das ações ordinárias, a CSN foi impedida, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de influenciar na tomada de decisões da rival. Para Steinbruch, o ideal seria efetivar uma saída do negócio sem perder muito dinheiro, já que as ações da Usiminas derreteram, perdendo mais de 90% de seu valor desde 2008.
Do pico de R$ 42 por ação preferencial, naquele ano, eram negociadas a R$ 4,77 na manhã da sexta feira 10, na Bovespa. Não é por outro motivo que Parisotto entrou na guerra da Usiminas, em vez de se desfazer de sua posição, avaliada hoje em “apenas” R$ 200 milhões. “Odeio perder dinheiro”, afirma. O dono da CSN também não se conforma. Segundo Steinbruch, a Ternium teria assumido o controle da Usiminas, em 2011, quando comprou as participações dos grupos Camargo Corrêa e Votorantim. Mas os argentinos não teriam informado essa mudança à Comissão de Valores Mobiliários porque seriam obrigados a lançar uma oferta aos minoritários, pagando um preço equivalente a 80% do valor negociado com os dois grupos brasileiros.
Na época, a Ternium avaliou a ação da Usiminas em R$ 36, o que a obrigaria a fazer uma oferta de R$ 28 por ação dos minoritários. “A Ternium pagou prêmio pelas ações, o que se justifica apenas no caso de compra de controle”, diz Lea Vidigal Medeiros, advogada do escritório Ernesto Tzirulnik, que representa a CSN. Em documento enviado ao Cade, Steinbruch defende que a chegada da Ternium ao controle pode ser comprovada pelo número de executivos com cargos em empresas do grupo Techint que acumularam postos de gestão na Usiminas. Ele também acusa a Nippon de ter compactuado com essa situação, em troca do aumento dos repasses de recursos da Usiminas.
O valor de “contratos fantasmas” pagos pela Usiminas ao sócio japonês, incluindo a transferência de tecnologia, teria mais do que quintuplicado, de R$ 3,9 bilhões, em 2010, para R$ 22 bilhões, em 2014. O problema é que, apesar do aumento dos repasses, essa preocupação com a estrutura e a tecnologia não estaria se refletindo nas instalações da Usiminas. “As condições de trabalho estão péssimas, os trabalhadores estão adoecendo mais e o número de acidentes aumentou”, diz Helio Madalena Pinto, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga e Região.
“Tem muita poeira e gás na coqueria.” A Nippon nega que tenha havido aumento no valor dos seus contratos após a entrada da Ternium e que os investimentos na estrutura da Usiminas não estejam sendo feitos. Os acionistas minoritários suspeitam de outras práticas que teriam lesado a Usiminas, como o pagamento de US$ 25 milhões aos argentinos por um sistema de informática já existente e a aprovação da venda de aço para empresas da Ternium a preço de custo. Diante de tanto ruído, Parisotto terá de se mostrar um grande conciliador para fazer a Usiminas voltar aos trilhos. Com ou sem o terno de Al Pacino.
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“Sem acordo, a Usiminas pode até quebrar”
O empresário Lirio Parisotto falou à DINHEIRO sobre seus planos
Depois da vitória no Conselho, o que vem pela frente?
Minha missão para este momento é de paz. Vou fazer o possível e o impossível para tentar apaziguar os ânimos. Vou tentar ajudar, na medida do possível, os acionistas controladores Nippon Steel e Ternium a encontrar uma saída para o conflito.
Como será a gestão da empresa, nesse período?
A gestão é dos controladores. Minha função é fazer com que, o quanto antes, eles se entendam. Se não se entenderem, que encontrem outra solução. Podem dividir a Usiminas, para que um grupo fique com a operação em Cubatão e o outro, com as unidades em Ipatinga. Ou, então, que uma empresa compre a participação da outra.
O que acontecerá com a Usiminas se elas não se entenderem?
Ela pode até quebrar. Numa companhia que vive num mercado tão competitivo, fica difícil operar assim.
O sr. chegou a procurar os controladores para conversar?
Falei com a Ternium e com o pessoal da Nippon Steel. Os dois grupos têm sorte em encontrar alguém com disposição de trabalhar. Encontraram uma terceira parte que é neutra, que pode ouvir os dois lados e apaziguar os ânimos. Não tenho intenção nenhuma de ficar presidindo empresa desse porte e com essa complexidade.
Como surgiram os problemas na companhia?
O excesso de aço no mundo e a situação econômica do Brasil atrapalham, mas o que realmente desandou foi o desentendimento dentro do bloco de controle. Os processos que acarretaram na demissão de três diretores foi a gota d’água. O motivo principal é uma profunda diferença de visões quanto à condução da companhia. Apesar de terem assinado um acordo de acionistas, que vale até 2032, o grupo argentino tem uma estratégia voltada para a produção em grande volume, enquanto a Nippon gostaria de agregar valor ao aço produzido, além de não manter fornos obsoletos em operação. Eu achava que a briga seria rápida e, logo, eles se entenderiam. Mas, para surpresa minha, ela continua e vem se agravando. Esse é um jogo de perde-perde. Perdem os controladores, os minoritários, o mercado, os funcionários e o País, que produz menos.
Quando começou a compor um grupo de minoritários para assumir a presidência do Conselho, o sr. procurou o BTG Pactual?
Fui falar com o André Esteves. Ele ficou de pensar. Não deu uma posição. E, depois, percebemos que se alinhou com a Ternium.
O que acha da reclamação da CSN de que a Ternium assumiu o controle da Usiminas, em 2011?
Eu também acho isso. A Geração Futuro (corretora que administra o fundo Geração L.Par) também entrou com processo pedindo tag along, porque, na verdade, houve troca de controle. A prova ficou muito clara com essa situação em que os controladores não estão se entendendo.
Não seria mais fácil, em vez de entrar na briga, vender as suas ações e sair da empresa?
Não é possível que eu tenha de realizar um prejuízo desse tamanho, depois de mais de 20 anos investindo na Usiminas. O mercado é implacável. Não quero ir embora. A minha característica, a minha visão é de investidor de longo prazo, não de especulador.
A Ternium briga na Justiça de Minas Gerais para a volta do executivo Julián Eguren. Existe a possibilidade de que isso aconteça?
O que a Justiça decidir será acatado. Não tenho nada contra o Eguren. Só tenho tristeza de ver uma companhia desse porte nessa situação. Não tenho a intenção de defender o grupo japonês ou o argentino. Eu defendo a companhia. Portanto, me interessa que a empresa encontre o seu melhor caminho.
Colaborou: Luciele Velluto