06/02/2008 - 8:00
PELA REESTATIZAÇÃO: PT coletou assinaturas para fazer um plebiscito nacional
Desde que foi privatizada, em maio de 1997, a Vale, antiga Vale do Rio Doce, multiplicou por 12 seu valor. Deixou de ser uma empresa brasileira de US$ 10 bilhões para se transformar numa multinacional avaliada em US$ 120 bilhões. Nos últimos dias, esse mamute vinha se preparando para um salto ainda maior. Se conseguisse comprar a suíça Xstrata, avaliada em US$ 75 bilhões, a Vale se tornaria a segunda mineradora do mundo, ficando atrás apenas da australiana BHP Billiton. Negócios assim são complexos e, muitas vezes, podem esbarrar na resistência dos vendedores, no preço ou na captação de recursos. Desta vez, no entanto, surgiu um problema novo: a má vontade do governo. De Brasília, fontes do Palácio do Planalto fizeram circular a idéia de que poderiam vetar a transação, alegando risco de desnacionalização, como se a Vale estivesse prestes a se transformar numa nova Ambev, hoje controlada pela belga Interbrew. A notícia do veto palaciano correu o mundo, repercutiu mal e deixou no ar a pergunta: a Vale voltou a ser uma estatal?
A questão é delicada. Isso porque, em tese, o governo tem poderes para influir na gestão da Vale. A mineradora é controlada pela Valepar, que tem como acionistas o fundo de pensão Previ (49%), a Bradespar (21,2%), a japonesa Mitsui (18,3%) e a BNDESPar (11,5%). Portanto, com os votos da Previ e do BNDES, o governo pode bloquear qualquer iniciativa da empresa. Só que até agora, para alegria dos investidores, isso não foi feito. A gestão ficou a cargo do executivo Roger Agnelli, ligado à Bradespar, e os resultados foram satisfatórios para os quatro milhões de acionistas da empresa ? especialmente para aqueles que aplicaram seu fundo de garantia na Vale.
Justamente por isso, esse novo foco de tensão criou um mal-estar entre o governo e o Bradesco. Na segunda-feira 28, ao divulgar seus resultados, o presidente do conselho do banco, Lázaro Brandão, comentou o tema de forma protocolar. ?O conselho deu autorização à empresa para que negociasse?, disse ele. Intramuros, porém, há uma insatisfação crescente na Cidade de Deus com a volta do intervencionismo. Alguns lembram até a coleta de assinaturas que o PT liderou, no ano passado, para fazer um plebiscito pela reestatização. Do lado da Previ, o clima é belicoso. Há até quem faça circular a idéia de que Roger Agnelli é um ?executivo que se comporta como dono? da empresa. Os mais radicais defendem que Sérgio Rosa, presidente da fundação, ligado ao PT, assuma o comando da mineradora.
Certamente, há algo no ar. Por conta disso, os principais homens da Vale têm feito um esforço tremendo para aparar as arestas no governo. Há pouco mais de uma semana, Agnelli recebeu o presidente Lula para um jantar em sua casa, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Depois de saborear um linguado com camarões, Lula se disse ?neutro?. E Agnelli, diplomático, reintervencioforçou que não há nenhuma ?sangria?. O negócio só sairá, disse ele, se for bom para a Vale e para o País. Outro executivo da companhia, Demian Fiocca, diretor de tecnologia, reuniu-se com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na segunda-feira 28. Os dois já trabalharam juntos, tanto na Fazenda como no BNDES, e Fiocca fez o que pôde para conseguir a bênção do antigo padrinho. Meses atrás, Lula chegou a dizer que a Vale deveria investir mais no Brasil, em vez de olhar para o Exterior.
PARA O MERCADO, O GOVERNO AGORA ENXERGA O FANTASMA INEXISTENTE DA DESNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA
O mais curioso da história é que o governo parece enxergar um fantasma inexistente. A possível aquisição da Xstrata foi avaliada por vários bancos de investimentos, como UBS, Goldman Sachs, Merrill Lynch e Morgan Stanley. E não há ninguém enxergando a ameaça de desnacionalização. Ao contrário, o que o mercado vê é uma Vale maior, mais globalizada, e ainda sob controle nacional. A Glencore, dona da Xstrata, poderia se tornar sócia da Vale, mas minoritária. ?A Vale deve comprar, porque quer ser a maior do mundo?, escreveu Felipe Hirai, da Merrill Lynch, recomendando a compra das ações da empresa. O risco que alguns apontam é a possível desaceleração da economia chinesa. Se isso ocorrer, a Vale estará se endividando em US$ 50 bilhões, às vésperas de uma queda nos preços dos metais. Essa crítica, de natureza técnica, é aceitável. Difícil de compreender, no entanto, é a volta da xenofobia. Especialmente no momento em que, em outras áreas, como a telefonia, o governo financia a criação de um grupo nacional usando o argumento de que só assim ele poderá competir no Exterior.