DINHEIRO ? Como o sr. tem aplicado seus 33 anos de experiência como diplomata na presidência da Vale?
Jório Dauster ?
A minha experiência como embaixador já não era de uma carreira tradicional, apenas com as funções exclusivamente diplomáticas. Eu havia trabalhado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), nos anos 70, no Rio de Janeiro. Depois estive no Itamaraty por mais de dez anos. Em Londres, mais tarde, atuei na Organização Internacional do Café, onde era a pessoa que lidava com os acordos internacionais. Cheguei, em seguida, a presidente do Instituto Brasileiro do Café. Ali, durante três anos dirigi uma instituição que tinha quatro mil funcionários, escritórios pelo mundo todo, lidando com o cotidiano da economia. Como negociador da dívida externa brasileira, noutra etapa, igualmente tive de tratar de um grande tema. Acertei uma renegociação de US$ 8 bilhões em atrasados, até passar o bastão para o atual ministro Pedro Malan. Por tudo isso, a vinda para a Vale, embora seja uma empresa privada, não chegou a ser um salto no escuro, porque eu já tinha experiência de trabalho em grandes organizações, com questões econômicas amplas, efetivas e concretas.

DINHEIRO ? Numa companhia privada a vida é mais fácil ou mais difícil do que no aparelho de Estado?
Dauster ?
A Vale tem uma equipe extraordinária de funcionários, executivos e gerentes. Se você consegue lidar com o IBC, uma estatal pesada, burocratizada e aviltada, muito destruída por problemas de corrupção dentro e fora da instituição, fica mais fácil trabalhar com uma belíssima empresa privatizada, onde todas essas desvantagens não estão presentes. É realmente muito mais fácil presidir uma Vale do Rio Doce privatizada do que um IBC cansado de guerra, ao final da sua vida útil. Se eu tivesse de assumir a gerência de uma sapataria ou de uma sorveteria, possivelmente ela iria à falência em duas semanas, porque para ser microempresário no Brasil precisa ser realmente um bravo. Por sorte, meu caso é diferente. É inteiramente diferente de você estar no topo de uma estrutura, onde você conta com as pessoas do maior gabarito, do maior preparo. Precisa apenas saber fazer funcionar bem o mix. O que se tem de fazer é estudar muito, ler muito, se informar muito e isso eu continuo fazendo.

DINHEIRO ? A pesada estrutura estatal não deixou marcas na Vale?
Dauster ?
O mais importante é chamar a atenção para o fato de que a Vale que eu encontrei dois anos depois de privatizada já era uma empresa eficiente e competente, apesar de ter sido uma estatal durante mais de 50 anos de sua vida. Isso merece uma reflexão. Vejo como a principal razão disso exatamente o fato de que a Vale não tinha clientes cativos. Muita estatal vivia do seu cliente brasileiro e ele não tinha como escapar, por isso ela podia ser incompetente e ineficiente. Além da questão estrutural, dela viver lutando no exterior contra as suas competidoras, empresas privadas estrangeiras, a Vale teve o benefício de ter contado com dirigentes que a preservaram das distorções mais comuns das estatais brasileiras. Apenas para mencionar um nome que marcou muito na vida da empresa, citaria Eliezer Batista. Sempre havia elementos de eficácia burocrática, mas ao ser privatizada ela exigiu um esforço muito menor do que outras estatais, para chegar a esse grau de excelência. A Vale é hoje a empresa mineradora do mundo que tem as maiores margens. Tem os custos mais baixos do mundo em suas operações. Portanto, ela é hoje o referencial de empresa competente.

DINHEIRO ? Pegar uma empresa funcionando bem e conseguir com que ela continue crescendo é uma façanha, especialmente com o lucro recorde obtido no ano passado. O sr. acreditava poder chegar a este sucesso?
Dauster ?
Sem falsa modéstia, eu não acho que se possa, numa empresa com as dimensões da Vale, querer atribuir a ninguém pessoalmente o mérito do que foi feito. É um trabalho de equipe e depende também fundamentalmente da aprovação do Conselho às iniciativas propostas pela Diretoria. Sem qualquer uma dessas peças, a empresa não marcha. Aqui e nos Estados Unidos há uma tendência de querer caracterizar qualquer coisa em termos de heróis. Falam no fulano de tal que é o senhor da empresa, um grande gênio etc. Daqui a pouco, a empresa dá prejuízo e o cara está na rua. Este é o famoso mal da economia. Neste padrão, quantos gênios podem ser queimados em dois anos? A Vale não é uma empresa que dependa de lampejos de genialidade. Ela depende é de muito trabalho.

DINHEIRO ? Qual a estratégia para chegar ao lucro histórico?
Dauster ?
Depois da privatização, foi possível uma redução de custos relativamente rápida, pela renegociação de contratos, porque não se estava mais amarrado a condicionantes, como as das licitações. Assim, como empresa privada se consegue termos em geral melhores. Isso foi feito tanto em compras como em vendas. Houve, além disso, uma redução de pessoal, de 14 mil funcionários para 11 mil, mediante aposentadorias incentivadas. Houve ainda todo um processo de aprimoramento de técnicas de gerência e de redução de complicações. Para dar um exemplo concreto, lembro que a Docenave ocupava um prédio de seis andares no Rio de Janeiro. Hoje está em apenas um. O resto dos andares foi vendido. Essas correções foram feitas. Os frutos que estavam nos galhos mais baixos foram colhidos. Isso é barbada.

DINHEIRO ? O sr. destaca muito o engajamento dos operários. Como isso acontece numa empresa com a dimensão da Vale?
Dauster ?
Um exemplo extraordinário eu vi numa mina de Carajás. Uma grande escavadeira que trabalha no fundo da mina é comandada por um grupo de operadores e mecânicos, responsáveis por ela. O salário deles tem uma parcela em função do cumprimento das metas estabelecidas para aquela escavadeira. Essa gente tem hoje uma noção perfeita do que custa a substituição de um pneu. Essa concepção de custo não é algo que esteja em nível de diretoria. Foi trazida através de treinamento e remuneração variável, que tende a ser um processo contínuo. Numa estatal, não há como levar essa mentalidade ao funcionário público, porque não pode dar nenhum incentivo. Se o operário não estiver engajado nisso, não adianta a diretoria ficar inventando coisas.

DINHEIRO ? Com a venda de ativos na área de papel e celulose, a Vale está concentrando esforços e verticalizando sua atividade principal?
Dauster ?
A tendência universal é hoje de maior eficiência e redução de custos pela concentração onde está o centro do poder da empresa, no que ela sabe fazer de melhor. Temos condição de sermos um player internacional, um protagonista de peso. Mais exatamente no que somos melhores. Concluímos que não temos influência no mercado de papel e celulose. Temos duas grandes fábricas, mas a produção de 600 mil a 700 mil toneladas em cada planta não se compara a de empresas de fora, que controlam seis milhões de toneladas. Uma empresa como a Vale não tem interesse em ser anã. É melhor que passe esse ativo a um bom preço a quem seja do ramo e possa aí somar suas sinergias para fazer do Brasil um extraordinário player na área de papel e celulose.

DINHEIRO ? Para onde irão os recursos resultantes das vendas desses ativos?
Dauster ?
Vamos fazer investimentos onde somos os melhores. Reforçar não só na área de minério de ferro, onde somos o maior produtor e exportador do mundo, em quantidade, diversidade e qualidade, como vamos alargar a nossa posição na área de mineração, onde temos o know-how, passando a atuar na produção de cobre e de alumínio. Mas a Vale tem pesquisas e licença de lavra em zinco, níquel, ouro e caulim e, por isso, caminha para ser uma grande mineradora diversificada. A diversificação se dará não apenas em termos de produtos, mas também de base geográfica. A Vale hoje é uma empresa que tem quase todos os seus ativos no Brasil. Agora, com a condição de maiores lucros e maior capacidade de investimento, que como estatal não tinha, estaremos atentos para estender nossos ativos fora das fronteiras do Brasil.

DINHEIRO ? Onde?
Dauster ?
Já temos participação de 50% numa siderúrgica da Mongólia, temos 100% de uma planta de ferro-liga na França, acabamos de comprar 50% de uma pelotizadora em Baren, no Golfo. Mas isso é muito pouco para uma empresa das dimensões da Vale. A tendência é de que a gente vá alargar no exterior. A Vale deverá se firmar como uma grande multinacional brasileira. Mas sem pressa, porque no Brasil ela está plantada nas melhores jazidas minerais do planeta.

DINHEIRO ? Para quais novas direções a Vale vai crescer?
Dauster ?
Quando a gente dita isso é o começo da perda. Depois de fazer, a gente avisa. Mas, evidentemente, aqui mesmo, na América do Sul, há países como Peru, Colômbia, Chile e Argentina que possuem recursos minerais importantes. A Vale não tem limites para crescewr. Examina qualquer lugar no mundo onde houver alguma coisa em operação que tenha um custo satisfatório e perspectiva de lucratividade.

DINHEIRO ? O descruzamento acionário da CSN com a Vale está em processo de conclusão. Isso consolida a saída da empresa do ramo sisderúrgico?
Dauster ?
Sim. Todas essas siderúrgicas que o governo fez a Vale assumir, com exceção da Usiminas, eram deficitárias e não tinham nem como pagar a Vale? Do ponto-de-vista contábil, a saída era oferecer ações. A Vale virar acionista de siderúrgicas foi um acidente.

DINHEIRO ? A Vale investirá este ano US$ 1,1 bilhão. Isso envolve a aquisição de novos ativos?
Dauster ?
O investimento de US$ 1,1 bilhão será em novos projetos. Poderemos desde comprar equipamentos como locomotivas até abrir novas minas. Tudo será identificado com precisão, com data de começo e data de fim. Isso não inclui nenhuma compra. Se a Vale amanhã comprar alguma coisa por aí, isso será acima e além desse limite.

DINHEIRO ? Na diretoria, o sr. teria reclamado do vazamento de informações sobre as negociações envolvendo o controle da Caemi. O sr. ainda está bravo?
Dauster ?
Essas questões a gente terá de resolver com o tempo. Não me interessa discutir isso, porque é um assunto que temos de cuidar internamente. Qualquer coisa que não esteja à altura do padrão ideal de uma empresa como a Vale nos preocupa, mas o lugar certo para cuidar dela é dentro de casa. Da minha parte, nada que está em curso eu comento.