varig_01.jpg

CONSTANTINO JR., fazendo piada no dia da aquisição

 

A operação não era surpresa. Chegou a ser prevista por analistas de setor e anunciada pela imprensa durante semanas. Ainda assim, quando se confirmou, na quarta-feira 28, sacudiu o mercado. Depois de meses de negociação, a Gol Linhas Aéreas Inteligentes (GLI), holding que controla a Gol Transportes Aéreos, comprou a VRG Linhas Aéreas, operadora da marca Varig, por US$ 320 milhões ? a maior aquisição já realizada entre companhias de aviação no País. Em tese, um negócio como outro qualquer. Mas, na prática, é muito mais do que isso: trata-se de um verdadeiro fenômeno empresarial encabeçado por Constantino de Oliveira Júnior, o jovem presidente da Gol. ?Juntas, as empresas vão construir o mais importante grupo da aviação brasileira e sul-americana, com forte presença global?, anuncia o empresário. Brincalhão, ele relaxa os ombros em seguida e completa: ?No mercado doméstico, manteremos a barrinha de cereal. Para o internacional, já encomendamos uma barra de um quilo?. Constantino tem mesmo motivos de sobra para rir. De uma só tacada, incorporou ao seu grupo o nome mais tradicional na aviação civil brasileira, estruturas de operação prontas, pessoal treinado, slots e espaços em aeroportos disputadíssimos e, o mais importante: abriu as asas da Gol às linhas internacionais de longo curso, uma jóia cobiçada pelas concorrentes.

varig_02.jpg

O EXEMPLO GOL Filosofia de baixo custo será adotada na Varig

 

O que torna mais extraordinária a façanha é a trajetória do empresário e a de sua criação. ?A minhoca comeu a sucuri?, compara um consultor com espantosa precisão. Em 2001 (ou seja, há apenas seis anos), a Gol estreava num mercado ainda dominado pelas empresas aéreas tradicionais ? Varig, Vasp e Transbrasil ? e ambicionado pela dinâmica TAM, na época recém-lançada ao palco internacional. O mineiro Constantino, então com 32 anos de idade, era um completo desconhecido da aviação. Recebido com arrogância pelas dinastias vigentes e rotulado por muitos como aventureiro, ele pretendia fazer frente aos rivais com meia dúzia de aviões, amparando-se no modelo ?low-fare, low-cost? (tarifas baixas, custo baixo) de congêneres estrangeiras bem-sucedidas, como Southwest, JetBlue e Ryanair. De sua cabine de comando, via o desafio à frente. Mesmo atormentada pelo fantasma da crise financeira, a Varig ainda reinava absoluta nos céus, com mais da metade das rotas domésticas e pelo menos 80% das internacionais. O que se viu de lá para cá foi um completo redesenho do cenário. Hoje, a Varig ocupa meros 4,5% do mercado, enquanto os seis aviões de Constantino se transformaram numa frota de 67 jatos de última geração, operando para 56 destinos, oito deles no Exterior. ?Nunca, na história da aviação mundial, uma empresa cresceu tanto, de forma tão sólida, tão avassaladora?, afirma o especialista em aviação Gianfranco Beting em seu Jetsite.

 

varig_03.jpg

NEGÓCIO DA CHINA Chan pagou US$ 20 milhões pela Varig em 2006 e agora vende por US$ 320 milhões

 

De fato, desde os anos 60, a aviação comercial brasileira não vê transformações tão rápidas, intensas e significativas. E muita coisa ainda mudará daqui para a frente. Com a aquisição da ?Nova Varig?, é certo que a Gol, que já detém 40,2% do mercado doméstico e 18,9% do internacional, ficará bem mais próxima da TAM, a atual líder. Perigosamente próxima, prevêem alguns analistas. Projeções apontam que a empresa de Constantino vai superar a rival nas rotas internas ainda em 2007. ?A TAM está furiosa?, revela um consultor ouvido por DINHEIRO. ?Eles não fizeram propostas na Varig para não correr riscos sozinhos. O Bologna (Marco Antônio, presidente da TAM), mais tímido, preferiu, antes, tentar um acordo com a chilena LAN, que também estava no páreo pela Varig. Só que a Gol foi mais audaciosa e saiu na frente.? Procurada, a TAM se recusou a comentar a compra. ?A companhia não vai se manifestar sobre esse negócio?, informou a assessoria de imprensa. De toda forma, a investida de Constantino foi, provavelmente, a melhor alternativa para a Varig. Talvez a única. Eliminou-se o risco de uma desnacionalização do setor com a entrada da LAN e, também, o do desaparecimento da marca, caso a TAM assumisse o manche. O custo para a Gol foi razoável, levando-se em conta o peso do troféu: US$ 98 milhões (menos de 10% do caixa da empresa), a entrega de 6,1 milhões de ações preferenciais (cerca de 3% do total) e o compromisso de honrar a emissão de R$ 100 milhões em debêntures feita pela VRG. Foi um grande negócio também para Lap Chan, do fundo de investimentos Matlin Patterson. Ele pagou US$ 20 milhões pela Varig no leilão de julho do ano passado e agora vende a empresa por US$ 300 milhões a mais.

 

varig_04.jpg

VÔO REGIONAL Hoje, a empresa só tem Fokker (foto) e Embraer.

 

Que a competição entre as duas maiores aéreas do País ficará mais acirrada é evidente. A grande dúvida é: os consumidores ganham ou perdem com a operação? ?Gol e Varig serão mantidas como empresas independentes e o cliente poderá escolher em qual viajar?, garante Constantino. Em comunicado distribuído à imprensa, o empresário explicou que os serviços serão diferenciados e os públicos-alvo, distintos. O programa de milhagem Smiles será preservado e permanecerá válido somente para trechos voados na Varig. Mas nem todos estão satisfeitos com a resposta. Miguel Bechara Júnior, advogado especializado em direito econômico, defende que um duopólio formado pela TAM e o novo grupo da Gol lesará o consumidor. Juntas, as companhias já dominam quase 90% da aviação. ?Não importa o que digam, a Gol não fará concorrência predatória com a Varig, porque as empresas têm capital aberto e precisam apresentar retorno. O que importa a eles é dar lucro, lotar as aeronaves?, diz. Os dois órgãos que têm competência para julgar a concentração de mercado ? Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) ? não se pronunciaram até o fechamento desta edição.

varig_05.jpg

EBNER, PRESIDENTE “Não temos interesse na WebJet.”

 

Agora, o primeiro desafio para Constantino é cumprir as promessas feitas diante do público: recrutar pessoal da antiga para a nova Varig (segundo ele, compromisso assumido), dobrar a frota da empresa para 20 Boeing 737 e 14 aviões 767 e retomar as linhas para Londres, Madri, Milão, Paris, Miami, Nova York, Cidade do México, Santiago e Bogotá, abandonadas no ano passado. Isso pode ser mais difícil do que parece. ?Eles disseram que trarão as aeronaves, mas não especificaram como as conseguirão. O mercado está aquecido, é difícil conseguir aviões a curto prazo?, diz outro consultor entrevistado por DINHEIRO. A Gol precisará resolver esse problema até junho, quando expira o prazo para a Varig operar as rotas em questão. Se não voá-las, perde o direito.

Num segundo momento, o que Constantino terá que enfrentar é a delicada questão da sucessão das dívidas trabalhistas. ?Os credores da Varig concordaram com a venda sem qualquer passivo?, afirma o presidente da Gol. Mas o advogado Bechara insiste que o débito com os funcionários da empresa velha fica com a Gol. ?Ela não pode herdar os ativos e simplesmente esquecer as obrigações. A Justiça do Trabalho, por muito menos, vai em cima?, conta. O que se comenta no mercado é que a Gol tem patrimônio suficiente para cobrir as dívidas, portanto terá que acertar as contas. Ou isso, ou a política resolve o impasse. ?Roberto Teixeira era o advogado VRG e nunca deixou nenhuma dívida da Varig antiga contaminar a nova?, lembra um analista que acompanha as negociações. ?Ele tem uma influência política enorme. Também impedirá que a Gol herde as dívidas.? Detalhe: Teixeira foi um dos principais artífices da operação Gol/Varig. É esperar para ver.

OCEANAIR GANHA ALTITUDE

ROSENILDO GOMES FERREIRA

O empresário German Efromovich, dono da Avianca (sediada na Colômbia) e da brasileira OceanAir tem uma obsessão: tornar-se um dos barões da aviação na América Latina. Um importante passo nesta direção foi dado na quarta-feira 28 com o anúncio da compra de 20 aviões Boeing 787 DreamLiner. O pacote custará US$ 1,5 bilhão e as entregas começam em 2010. ?Somos os primeiros clientes dessas aeronaves na América Latina?, conta Carlos Ebner, presidente da OceanAir. Enquanto o DreamLiner não vem, a empresa vai operar com Boeing 767 nas novas rotas para a Cidade do México, Lagos (Nigéria) e Luanda (Angola). Há, ainda, uma expectativa para abertura da linha até Los Angeles, em parceria com a Avianca. São regiões nas quais diversas companhias brasileiras têm filiais, o que, segundo Ebner, justifica todo o investimento do grupo. No Brasil, o executivo pretende desembolsar US$ 20 milhões em novos aviões Fokker 50 e MK-28. A compra da Varig pela Gol, garante ele, não altera em nada os planos da OceanAir de abocanhar 10% do mercado doméstico até 2010. Hoje ela tem menos de 3%. ?Já vivíamos uma situação de duopólio e esta transação só agrava esse quadro?, avalia. A aquisição da WebJet, por exemplo, poderia apressar os planos da OceanAir? ?Não temos qualquer interesse nesta empresa?, descartou Ebner.

 
Força dupla na aviação brasileira

? A varig tem uma frota composta por 17 aviões
? A participação no mercado doméstico é de 4,5%
? A tradicional companhia voa para 18 cidades
? Fontes do setor apontam um prejuízo mensal de R$ 20 milhões
? A Gol opera com 67 aeronaves. Todas do mesmo modelo
? Em seis anos, alcançou 40,2% do mercado brasileiro
? Os aviões da empresa cobrem 56 destinos
? A aérea lucrou R$ 684,4 milhões em 2006, crescimento de 61,2% sobre 2005

 

R$ 24 milhões é o valor, em dinheiro, que a Gol vai pagar na operação

 

90% é a participação conjunta de Gol e TAM no mercado

 

“Os credores da Varig concordaram em vender
a empresa sem qualquer passivo”
CONSTANTINO JÚNIOR