28/06/2006 - 7:00
Eram 11h da terça-feira 20 quando os funcionários da Varig, liderados por Márcio Marsillac, conseguiram ser recebidos na sede do BNDES, no Rio de Janeiro. ?Vocês não vieram aqui em busca dos US$ 75 milhões??, perguntou, de cara, José Cláudio Aranha, chefe do departamento de investimentos do banco. A quantia referia-se à primeira parcela do leilão da companhia aérea, realizado duas semanas antes e vencido pela NV Participações, sociedade criada pelos funcionários que prometia pagar US$ 449 milhões pela Varig. Marsillac engoliu seco e a reunião, sem a presença de qualquer diretor do BNDES, durou pouco. Não muito longe dali, no Aeroporto Santos Dumont, os passageiros da Varig surpreendiam-se com o cancelamento dos vôos. Naquela terça-feira, 118 não decolaram ? eram mais de 50% do total. Em vários aeroportos, os aviões eram recolhidos aos hangares. Em Brasília, um fatalista Waldir Pires, ministro da Defesa, sinalizava que os funcionários não teriam ajuda do governo. ?As pessoas vivem, as pessoas morrem?, disse ele. ?Assim também as empresas.?
Fotos: Nelson Perez/O Globo |
![]() |
Márcio Marsillac: representante dos funcionários da Varig, fez proposta de US$ 449 milhões, mas os investidores estavam só ?apalavrados? |
![]() |
Nesta semana que passou, parecia estar sendo escrito o último capítulo da história da Varig. Com o iminente fracasso do leilão, o juiz Luiz Roberto Ayoub, responsável pelo processo de concordata, via-se diante de uma escolha de Sofia na tarde da sexta-feira 23: decretar a falência e eliminar 11 mil empregos ou abrir uma segunda disputa ? neste caso, o favorito seria o consórcio VarigLog, liderado pelo fundo americano Matlin Patteson. Em paralelo, o piloto Marsillac, na desconfortável posição de quem dá lances de bolso vazio, ainda buscava reunir investidores para honrar sua promessa. A NV Participações recebeu propostas mirabolantes de empresários com créditos a receber da União e também tentou convencer German Eframovich, da Ocean Air, a se unir aos funcionários ? mas nada de aparecerem os US$ 75 milhões, pelo menos até a tarde da sexta-feira. ?Do leilão até hoje a situação se agravou muito?, disse Marsillac, para justificar o não pagamento. E ele tinha alguma razão. Entre 19 de dezembro do ano passado, data de criação do plano da NV, e 8 de junho, dia do leilão, a Varig reduziu sua frota de 58 para 42 aeronaves. Nos últimos 15 dias, a frota caiu para 19 aviões. Com os vôos cancelados, a geração de caixa é cada vez menor. Por isso, os investidores que estavam ?apalavrados? com a NV teriam retirado seu apoio. Um deles, segundo se especula, seria a Lanchile; o outro, um fundo de investimentos.
Fotos: Roberto Castro |
![]() |
Pires, da Defesa: sugere a passageiros: ?Voltem para casa? |
![]() |
O mais provável é que o juiz Ayoub abra um segundo leilão. Ainda assim, segue delicada a situação de 50 mil passageiros que têm bilhetes Varig ? 15 mil na Alemanha, na Copa do Mundo. Desgovernada, a companhia chegou até a vender passagens de vôos cancelados nos últimos dias. E o governo, poder concedente, parecia perdido. Milton Zuanazzi, da Agência Nacional de Aviação Civil, telefonou aos diretores da Varig, cobrando um plano de contingência. Quando se deu conta de que a empresa suspendeu quase todas as rotas internacionais, à exceção de Frankfurt, anunciou que até a FAB poderia mandar seus aviões, os ?sucatões?, para resgatar brasileiros ? um plano de improvável implementação em aeroportos internacionais. A pior declaração, porém, partiu do ministro Waldir Pires. Ele recomendou paciência e sugeriu aos passageiros amontoados nos aeroportos que ?voltassem para casa?. Mas era exatamente isso o que muitos tentavam fazer.
Crises aéreas já ocorreram em vários países, mas poucas de forma tão degradante como a da Varig. Isso porque, quase sempre, governos agiram rápido. Em 2 de outubro de 2001, a Swissair, até então uma das mais reputadas companhias do mundo, enfrentou uma crise de liquidez e fechou seus guichês nos aeroportos ? os vôos não decolaram e 38 mil passageiros ficaram atordoados. Vinte dias depois, a empresa havia sido estatizada e os sócios e executivos foram punidos. Depois de saneada, a empresa foi vendida para a Lufthansa e hoje opera com a bandeira Swiss. Nos outros países, também se encontraram saídas (veja quadro). A única empresa aérea deixada ao abandono foi a belga Sabena, com a atenuante de que a Bélgica é pouco maior do que Sergipe. Ter uma companhia aérea por lá era mesmo excentricidade.
Hoje, os funcionários da Varig estão com salários atrasados há 60 dias e há um teto de R$ 1 mil para os pagamentos. Segundo relatos internos, há ameaças até de suicídios entre pilotos. Se a empresa vier a falir, o governo fala em dividir rotas nacionais e a tendência é que TAM e Gol, juntas, passem a dominar até 90% da oferta de assentos, configurando um duopólio. Nos Estados Unidos, a maior empresa, a American Airlines, tem 13% do mercado. Na Europa, o market share da líder Lufthansa é de 15%. É por essas e outras que o discurso fatalista do ?deixa quebrar? é tão pouco ouvido fora do Brasil.
![]() |
US$ 75 milhões era o valor da primeira parcela do leilão da Varig |