19/10/2005 - 8:00
Ainda falta luz na recepção, há salas vazias, nem todos os telefones funcionam e, no pátio, cinco aviões perecem ao relento, sob o sol e a chuva. Contudo, uma mudança sutil podia ser percebida na Vasp, em São Paulo, semana passada. Após meses de tensão ? causada pela crise financeira que tirou a companhia do ar no começo do ano ? os funcionários voltaram a sorrir. É que, na segunda-feira 10, a Justiça aceitou o pedido de recuperação judicial da empresa.
?Foi um alívio?, suspirava uma das recepcionistas, ao combinar com uma colega a ida à churrascada da firma no dia seguinte. ?Vamos comemorar!?, repetia, extasiado, um mecânico. De fato, foi uma boa notícia para os 230 empregados (eles já foram 8 mil) que resistem à tempestade. Sob intervenção judicial desde março, a Vasp ganhou tempo. Por seis meses, ficará protegida da fúria dos credores. Mas, entre o sinal verde da Justiça e uma aeronave Vasp novamente cruzando o céu, há uma pista longa e esburacada a percorrer. Raul de Medeiros, presidente interventor nomeado pela Justiça, adianta a estratégia: ?A idéia é voltar com a Vaspex (transporte de carga) até o final do ano. Depois, retomar o transporte de passageiros (inicialmente com vôos fretados)?, diz. ?Recomeçaremos com oito ou dez aviões, voando para o Norte e Nordeste?, completa o executivo, que já foi diretor comercial da Varig.
Medeiros tem 60 dias para apresentar aos credores e à Justiça o plano de recuperação desenhado com ajuda do escritório de advocacia Esper Chacour. A base desse plano é uma só: fazer dinheiro entrar a todo custo. Por isso, a retomada pela Vaspex. Historicamente, foi um dos negócios mais lucrativos da Vasp desde que Wagner Canhedo a comprou do governo paulista, em 1990. Tinha crescimento previsto de 18% para este ano. Chegou a representar 12% do faturamento da empresa e a ter 3,5 mil franquias ? hoje tem 240, e estão todas fechadas. ?A Vaspex derreteu por obra do Canhedo. Ele começou a criar dificuldades aos franqueados mais rentáveis para comprar deles as lojas. Só que a maioria foi para a VarigLog?, conta uma fonte do mercado.
Mas a maior aposta, no entanto, é fazer algo que Canhedo ?afastado do comando da empresa por decisão judicial ? inexplicavelmente nunca quis: prestar serviços de manutenção a terceiros. O momento pelo menos é propício. Em 2005, esse mercado cresceu pela primeira vez desde o 11 de Setembro. Ele deve movimentar US$ 42 bilhões no mundo e US$ 2 bilhões no Brasil. ?Nossas oficinas são bem equipadas e somos os únicos capacitados a fazer certos reparos na América do Sul?, diz Antônio Cordeiro, diretor de manutenção da Vasp. ?Temos uma boa estrutura, criada na época em que a empresa era estatal e sobrava dinheiro.” Segundo Cordeiro, essa estrutura já está paga e há mecânicos próprios. ?Quase tudo o que entrar será lucro. Podemos executar serviços de US$ 200 mil com custos, em peças, de US$ 50 mil.?
O mercado, porém, acha o plano de recuperação insuficiente. Por um simples motivo: de onde sairá o dinheiro para colocá-lo em prática? ?Sem aportes de um investidor, o plano me parece inviável?, opina Carlos Albano, analista do setor aéreo do Unibanco. ?O pior é que vai ser difícil encontrar alguém disposto a assumir uma companhia com passivo tão grande. Sai mais barato começar outra do zero.? Segundo uma pessoa próxima a Canhedo, o ideal seria que alguém injetasse R$ 100 milhões para alugar (leasing) entre oito e dez aviões mais novos e, assim, colocar a companhia em condições de disputar mercado com as pequenas Webjet e a BRA. A Vasp diz que não há interessados no horizonte. Por isso, ela prefere contar com os famigerados ?créditos tarifários? que teria a receber do governo federal. São R$ 2,7 bilhões referentes a supostas perdas provocadas pelo controle de preços oficial na década de 80. O caso está no Superior Tribunal de Justiça.
Algoz. Resolvido o ?contratempo? da verba, restarão outros. A Vasp precisará de uma espécie de re-homologação do Departamento de Aviação Civil (DAC), que lhe proibiu de voar em janeiro. O órgão é que tem poder legal de dizer se a companhia está com tripulação, frota e oficinas em ordem. Mas, até a quinta-feira 13, ele não havia recebido nenhuma solicitação da Vasp nesse sentido. Mais: a companhia terá também de reaver as posições de check-in, lojas e hangares que perdeu nos aeroportos. ?Não seremos o algoz da Vasp. Não será por falta de espaço que ela deixará de operar, embora nos deva R$ 1,2 bilhão. Mas, aqui dentro, ninguém acredita que ela vá voltar?, diz uma fonte da Infraero, empresa que administra os aeroportos. Por fim, sobrará a tarefa mais árdua: recuperar a credibilidade junto a clientes e consumidores. ?Possível é, pois a Vasp tem tradição. Mas será necessário um trabalho de marketing caro e de longo prazo?, avalia João Fortunato, da Brand Security, consultoria especializada em gestão de crises. ?Podiam começar escondendo três aviões estacionados no Aeroporto de Congonhas que estão ao alcance dos olhos de quem passa na rua. Eles estão imundos. São um testemunho negativo da deterioração física da marca.?
DINHEIRO apurou que a intenção de Canhedo é vender a Vasp. Consciente de que dificilmente voltará ao comando da empresa, o empresário conta com o pagamento dos ?créditos tarifários? para ter sucesso no seu plano. A única exigência: ficar com ?um troco? de, no mínimo, R$ 100 milhões.
Colaborou Hugo Studart
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R$ 3 bilhões é a dívida da empresa, que não voa desde janeiro |