Previa-se uma sessão curta. Um dia antes de prestar seu depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito criada para investigar a corrupção nos Correios, o publicitário Marcos Valério de Souza obteve um habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal. Com ele, Marcos Valério tinha o direito de permanecer calado e evitar quaisquer declarações que o incriminassem. Mas logo que os trabalhos da CPI foram abertos, às 9h35 da quarta-feira 6, Valério surpreendeu. ?Estou aqui para colaborar?, disse a deputados e senadores. E, praticamente impassível, respondeu a centenas de perguntas na sessão mais longa da CPI, que durou quase 14 horas.

Valério esboçou alguma emoção apenas no início, ao falar da morte prematura de um filho, e no fim, quando disse que se pudesse voltar atrás, jamais se relacionaria novamente com governos e partidos políticos. ?Sou um homem que não pode mais sair na rua, nem para ir à escola do meu filho?, disse. ?Se eu visse um buraco, entraria nele?. Acusado de ser o operador do ?mensalão? e de distribuir recursos a deputados, Valério é hoje um dos personagens centrais da CPI. Na sessão, o publicitário negou praticamente todas as acusações feitas contra ele. Mas confirmou que é amigo de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e que foi avalista do empréstimo de R$ 2,4 milhões, feito pelo banco BMG ao PT. Usou o direito de calar-se uma única vez, quando foi indagado sobre o destino dos saques de R$ 20,9 milhões feitos em dinheiro, que foram detectados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). ?Direi no foro adequado?, disse Valério.

Um dia depois do depoimento de Valério, porém, surgiu uma contradição. No depoimento, o empresário foi indagado sobre seu relacionamento com Glênio Guedes, um procurador da Fazenda Nacional encarregado de julgar recursos contra o sistema financeiro. ?Nunca houve qualquer saque de minhas empresas para o senhor Glênio Guedes?, disse Valério. Na quinta-feira 7, a Folha de S. Paulo revelou que, de acordo com dados do Coaf, foram feitas duas transferências de dinheiro para Guedes, totalizando R$ 902 mil. Guedes já julgou processos envolvendo o Banco Rural. E Valério confirmou que tentou interceder no governo em favor do Rural. Disse que participou de uma reunião no Banco Central, onde se discutiu a compra de ativos do Banco Mercantil de Pernambuco pelo Rural. ?Mas entrei mudo e saí calado?, disse Valério. A atuação de Valério em favor do Rural foi confirmada pelo próprio banco, numa nota divulgada na terça-feira 5 (leia reportagem à página 41).

No tocante às suas relações com a cúpula do PT, Valério mencionou vários nomes. Além da amizade com Delúbio, Valério disse que esteve com o ex-ministro José Dirceu, na Casa Civil, acompanhado de José Augusto Dumont, ex-presidente do Rural. ?O Dumont foi informar que ia explorar minas de nióbio na Amazônia?, disse. Em relação a Sílvio Pereira, ex-secretário geral do PT, disse apenas que a relações dos dois era ?estritamente política?. Mas Valério não convenceu. ?Este senhor é uma lavandeira ambulante?, disparou o deputado Onyx Lorenzonni (PFL-RS). ?Seus contratos publicitários não explicam o movimento de dinheiro de suas empresas?. Dados da CPI apontam movimentações superiores a R$ 1 bilhão em cinco anos. Nem os parlamentares governistas ficaram satisfeitos. ?Ele não explicou muitas coisas, especialmente o destino dos saques feitos em dinheiro?, disse a senadora Ideli Salvatti (PT-SC).

Durante o depoimento, Valério negou superfaturamento em seus contratos de publicidade ? o dos Correios é de R$ 28 milhões. ?Com esses R$ 28 milhões, paguei a Rede Globo, a Veja, a Istoé e gráficas; se houvesse superfaturamento, esses veículos teriam que estar mancomunados comigo?. Valério disse ainda que teve conhecimento da primeira entrevista que sua ex-secretária, Fernanda Karina Somaggio, concedeu à revista DINHEIRO, em setembro do ano passado, por meio do assessor de imprensa Gilberto Mansur, com quem veio à sede da Editora Três. Naquele momento, a senadora Heloísa Helena (P-SOL-AL) levantou uma questão de ordem e indagou Valério sobre um pagamento de R$ 300 mil feito a Gilberto Mansur. Em razão disso, alguns deputados levantaram insinuações de que a primeira entrevista não foi publicada em razão da atuação de Mansur. Ele esclareceu que recebeu R$ 300 mil no início de 2004, muitos meses antes da entrevista de Karina à DINHEIRO, em razão de outros trabalhos prestados às agências de Valério. A respeito disso, Domingo Alzugaray, editor-responsável da Editora Três, que publica DINHEIRO, divulgou uma nota. Sobre o fato de a entrevista não ter sido publicada em setembro de 2004, Alzugaray esclareceu: ?Nove meses atrás, Karina fazia acusações sem provas; em junho deste ano, quando o deputado Roberto Jefferson acusou Valério, Karina deixou de estar na condição de acusadora para se transformar numa testemunha central do caso?.

Na quinta-feira 7, foi a vez da ex-secretária de Valério, Karina Somaggio, depor na CPI. Karina confirmou o que já havia dito à DINHEIRO. Negou que tenha recebido qualquer oferta de dinheiro para dar suas entrevistas, quando foi indagada por alguns parlamentares. ?Fui eu que procurei a revista e não pedi dinheiro algum, nem me ofereceram?, disse Karina. Sobre as suas motivações, Karina, mais uma vez, falou em patriotismo. ?Quero um país melhor para minha filha e para os meus netos, se eu os vier a ter?.