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Até pouco tempo atrás, o BMG era apenas um discreto banco de Minas Gerais, fiel ao ditado que diz que todo mineiro trabalha em silêncio. Desse banco, hoje líder absoluto nas operações de crédito consignado, aqueles empréstimos com desconto em folha de pagamento, pouca gente tinha ouvido falar até antes do escândalo do mensalão. O BMG, porém, foi arrastado para o turbilhão logo no início da crise, quando se descobriu que o banco da família Pentagna Guimarães, uma das dinastias mais ricas de Minas Gerais, havia emprestado R$ 2,4 milhões para o Partido dos Trabalhadores ? neste contrato, o aval foi dado por Marcos Valério de Souza, dono das agências DNA e SMP&B, e pelos dirigentes petistas José Genoíno e Delúbio Soares. Depois do primeiro empréstimo, apareceram financiamentos do BMG para as agências de Valério, para outras empresas do publicitário e até mesmo para o advogado dele. Foram mais R$ 41,2 milhões e Valério utilizou contratos de publicidade com os Correios e a com a Eletronorte como prova de que teria condição de honrá-los. Tão próximo do PT, tendo inclusive empregado a ex-mulher do deputado José Dirceu, o BMG passou a ser vasculhado dia e noite. O ataque mais recente partiu do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Ele acusou o banco de ter ganho R$ 209 milhões num negócio de R$ 1,094 bilhão fechado com a Caixa Econômica Federal. Internamente, o BMG também perdeu um de seus principais executivos, o vice-presidente Roberto Rigotto. Insatisfeito com o affaire Marcos Valério, ele pediu para sair. Irritado com as denúncias, o presidente do BMG, Ricardo Guimarães decidiu romper o silêncio e, na terça-feira 22, falou à DINHEIRO. ?Não fomos favorecidos pelo governo federal pelo fato de termos emprestado dinheiro ao PT?, garante Guimarães, cujo banco tem 35% do mercado de crédito consignado no País. ?Somos maiores porque somos focados num nicho que demorou a despertar o interesse dos grandes bancos?.

 

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Tímido, Ricardo Guimarães jamais imaginou que sua instituição estaria sob os holofotes de uma CPI. ?Em 75 anos, nunca estivemos metidos em confusão?, desabafa. A operação com a Caixa Econômica Federal, diz ele, pode ser explicada. Foi uma cessão de créditos de R$ 884 milhões, que a Caixa comprou pagando ágio de R$ 209 milhões. ?Essas operações são tradicionais no mercado e nós fizemos cessões idênticas para instituições privadas, como a Cetelem, ligada ao BNP Paribas, e para o Citibank?, afirma Guimarães. O fato de um banco oficial ter pago um prêmio pela carteira não significa nada, segundo Guimarães. ?Nas operações com bancos privados, a proporção entre o valor da carteira e o valor pago foi a mesma?, garante. O próprio presidente da Caixa, Jorge Mattoso, questionou o senador Álvaro Dias. ?Fomos discriminados?, disse ele, ao afirmar que só a operação entre BMG e Caixa foi posta em suspeição. O senador, por sua vez, não se deu por vencido. ?O fato de o BMG ter feito acordos com o setor privado não justifica a postura da Caixa de fechar um contrato de risco?, disse Dias. ?Querem confundir a opinião do povo?.

Polêmicas públicas são aquilo que Guimarães sempre quis evitar. Avesso a entrevistas e a todo tipo de badalação, ele vive de forma discreta em Belo Horizonte. Seu único hobby é acompanhar o Atlético Mineiro, time que preside, até nos treinamentos. Guimarães hoje está na mira da CPMI dos Correios graças à ação do lobista Rui Guerra, diretor do banco em Brasília. Guerra havia chegado em Brasília nos anos 80, com a missão de defender os interesses dos usineiros paulistas, em especial da Coopersucar. Naquele tempo, conheceu José Dirceu e o apresentou a amigos na área militar. Em 2002, durante a campanha presidencial, foi a vez de Guerra se aproximar do tesoureiro petista Delúbio Soares, de quem se tornou amigo. Um ano depois, logo após a posse de Lula na presidência da República, Delúbio o procurou e pediu a Guerra que o apresentasse à cúpula do BMG. O pedido foi prontamente atendido. ?Foi o Rui Guerra quem nos apresentou o Delúbio?, confirma Guimarães. ?Ele veio, disse que precisava de um empréstimo e mostrou que teria como pagar porque, além do fundo partidário, o número de filiados cresceria, ampliando a receita do PT.?

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No encontro, Guimarães afirma não ter dado a resposta a Delúbio. Era a primeira vez que o banco havia recebido um pedido de empréstimo de um partido político. Sem dar resposta ao PT, Guimarães foi surpreendido por uma ligação do publicitário Marcos Valério. ?E aquele pedido do Delúbio? Vocês vão atender??, perguntou Valério. ?Estamos avaliando?, respondeu Guimarães. ?Se isso puder facilitar, pode colocar um aval meu na operação?, respondeu o publicitário. Mas o que levaria um banco conservador como o BMG a atender um pedido de Valério? ?Ele era um empresário próspero e conhecido, que deu garantias sólidas?, diz Guimarães. ?E que estão sendo executadas?.

O presidente do BMG argumenta que, naquele início de 2003, fazia sentido emprestar para o PT e que o valor concedido representava muito pouco do patrimônio do banco. Na operação, foram pedidos ainda os avais de Delúbio e Genoíno, que jamais teriam patrimônio para honrar uma eventual inadimplência do PT. Por isso, no dia 20 de setembro, data em que Guimarães depôs na CPMI dos Correios, a garantia de Delúbio e Genoíno foi chamada de ?aval moral?. Este termo, porém, não expressaria a realidade, segundo Guimarães. ?O avalista de tudo é Valério?, diz o banqueiro mineiro. ?O Genoíno e o Delúbio apenas reforçam o compromisso do PT?. Depois, Guimarães ainda concedeu os demais empréstimos à trupe de Valério, no valor de

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R$ 41,2 milhões. ?As agências de publicidade tinham baixo endividamento e ofereciam garantias?.
Numa das operações, feita com o advogado Rogério Lanza Tolentino, o BMG emprestou R$ 10 milhões. Tais recursos eram garantidos por um CDB, de igual valor, feito pela agência DNA no próprio BMG. Era como se, num banco qualquer, um cliente tivesse dinheiro aplicado na caderneta de poupança, que rende pouco, e, ainda assim, recorresse ao cheque especial, pagando juros mais altos. Segundo Guimarães, é a operação dos sonhos de um banqueiro.

 

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Essa mesma transação, porém, será usada pela CPMI como prova para o indiciamento de Delúbio Soares e Marcos Valério. ?O empréstimo sinaliza que as operações no BMG foram feitas para mascarar o destino dos recursos transferidos aos parlamentares?, avalia o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), relator da subcomissão de movimentações financeiras da CPMI. O presidente do BMG não terá seu indiciamento proposto no relatório da comissão. ?Ainda não temos elementos para isso?, admite Fruet. Mas a CPMI irá recomendar ao Ministério Público e à Polícia Federal que investigue o BMG sobre dois possíveis ilícitos: o do inciso 1, do artigo 177 do Código Penal, que trata sobre fraudes, e o previsto nos artigos 4 e 6 da Lei 7.492, que versa sobre crime contra o sistema financeiro. Para se defender, Guimarães contratou o advogado Sérgio Bermudes, que hoje está à frente de uma série de casos notórios no mercado financeiro, como os dos bancos Nacional e Santos.

A situação financeira do BMG, no entanto, em nada se assemelha à de empresas em crise. O rating do banco da família Pentagna Guimarães, feito por agências internacionais que medem a solidez de uma instituição financeira, é A. Além disso, a classificação dos fundos administrados pelos mineiros é a maior do mercado, o chamado triple A. ?Eles têm uma liquidez invejável?, garante Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. ?São muito sólidos?. Ricardo Guimarães atribui os bons resultados à estrutura enxuta ? o BMG não trabalha com agências, mas sim com correspondentes bancários ? e ao foco muito bem definido. A questão é que esse mercado de crédito consignado ganhou vulto justamente no governo Lula, graças a medidas aprovadas pela Casa Civil, no tempo em que José Dirceu era ministro. Guimarães chegou a se encontrar com Dirceu, dias após a concessão do primeiro empréstimo para o PT. ?Nós sequer tocamos nesse assunto?, garante. Naquele encontro, Dirceu teria sido apenas convidado para a inauguração de uma fábrica de alimentos, que também pertence aos Pentagna Guimarães, à qual, de fato, compareceu. Mas por que, então, meses depois, o BMG decidiu contratar Maria Ângela Saragoza, ex-mulher de Dirceu. ?Nós precisávamos de uma psicóloga e o Valério a recomendou?, justifica Guimarães. Todos esses gestos de amizade, de
lado a lado, acabaram colocando o banco mineiro no centro da crise. Disso tudo,
ficou uma lição. ?Se Deus quiser, nunca mais faremos negócios com partidos políticos?, diz Guimarães.

Com reportagem de Alexandre Teixeira e Márcio Falcão

R$ 7 bilhões é o volume de operações feitas no crédito consignado

20 mil são os correspondentes bancários do banco, que não tem agências

R$ 266 milhões foi o lucro no semestre, com retorno de 34% sobre o patrimônio

35% é a participação do BMG no mercado total do crédito consignado