07/10/2020 - 16:10
Fiquei três dias fechada em reuniões de trabalho num local isolado, com baixa conexão, sem muita chance de olhar as infindáveis mensagens que recebo nas várias plataformas midiáticas. Por um lado, tivemos a oportunidade de mergulhar sem interrupções nas discussões; por outro lado, quase mil mensagens me esperavam ao final. Não foi uma exceção. Apenas um dos grupos de Whatsapp do qual faço parte acumulou, no último ano, 45 mil mensagens e 15.470.000.000 bytes.
Por algum tempo me orgulhava por não participar assiduamente de grupos em plataformas digitais. Entendia como uma distração. Recusava muitos convites e ainda me dava ao trabalho de explicar minhas razões. Porém, num país onde 79% dos brasileiros tem no WhatsApp sua fonte primária de informação e 60% o utilizam para trabalhar, pretender estar fora ou pouco envolvida significa muito mais do que um simples posicionamento. Como não estar no grupo de pais da sala do seu filho? Como se recusar a participar de um grupo profissional no qual oportunidades e conteúdos relevantes são compartilhados?
Nunca tivemos tanto acesso a tantos conteúdos: Bons e ruins. Profissionais e pessoais. Genéricos e especialistas. Eles chegam por inúmeras portas de entrada. No meu caso, na sua maioria, pelo Whatsapp, e-mail, LinkedIn, Zoom, Facebook, Instagram, nessa ordem. Textos, imagens e vídeos cada vez mais abundantes e onipresentes.
Sempre fui curiosa e sedenta por informações e por tecnologia. Valorizo conteúdos de qualidade. Tanto para aprender ou apenas para me entreter. Porém, ainda assim, nessa sociedade hiperconectada, só consigo consumir uma pequena fração do que me chega. Todas as vezes que recebo o link ou arquivo para um vídeo ou texto que me interessa, o salvo rapidamente numa pasta criada para esse fim. Foi a forma que encontrei, a priori, de lidar com o desconforto de estar deixando passar conteúdos relevantes, e de tentar, inutilmente, contornar uma quase vertigem diante da avalanche de conteúdo que segue chegando a mim. Depois, com calma, volto a eles. Ainda assim, a pasta só cresce e a sensação que a grande maioria nunca será lida também.
E a tendência é que o volume de conteúdo aumente. Vivemos a era do inbound marketing, onde o conteúdo relevante é usado como isca para atrair clientes, usuários, construir reputações e autoridade. Por isso, empresas se engajam também na produção de conteúdo, com textos cada vez mais bem elaborados e frequentes em seus blogs, sejam em artigos breves ou e-books e white papers, que se aprofundam em diferentes temáticas.
E só falamos, até aqui, do que nos chega involuntariamente, mas existe todo um outro universo “on demand” absolutamente sedutor. Tanto pela perspectiva de descobertas voltada aos nossos interesses, como pelas recomendações que nos instigam a consumir mais e mais conteúdos que emergem do nosso comportamento midiático (traqueado pela inteligência artificial das plataformas). São sugestões de filmes, músicas, podcasts, documentários, dentre outros.
Além disso, a conveniência desses serviços e o custo relativo baixo, amplia inexoravelmente suas bases de usuários. Netflix, YouTube e Pinterest são algumas das que me fisgam, mas a lógica funciona para qualquer plataforma minimamente equipada com algoritmos.
Talvez tudo isso, em partes, explique por que a leitura de livros vem caindo nos últimos anos – o Brasil perdeu mais de 4,5 milhões de leitores, em 2019. Falta tempo para os livros? É uma hipótese. Mas, eventualmente, as pessoas estejam lendo até mais, mas em outros formatos.
Mas não tem almoço grátis. Não é novidade que tudo o que fazemos nessas plataformas é meticulosamente registrado e se transforma em matéria-prima para anúncios publicitários. Contudo, em última análise, é nosso o discernimento se compramos, consumimos, ou não – a não ser que seja uma criança, mas esse é um assunto para outro artigo.
Por fim, conteúdo disponibilizado, em especial os gratuitos, raramente são isentos, mas tendo qualidade, não há problema nisso, desde que se tenha consciência desse viés e senso crítico. Assim, o importante é saber refinar nossa própria curadoria e não aceitar qualquer conteúdo como verdade e prioridade absolutas.
* Cecília Andreucci é conselheira de administração, mestre em consumo e doutora em comunicação.