08/08/2012 - 21:00
O sábado 28 começou como outro qualquer para a diretoria da Vilma Alimentos, empresa líder no setor de massas em Minas Gerais. Como fazia frequentemente, o empresário Domingos Costa, seu presidente e principal acionista, embarcou em seu avião particular, um bimotor modelo King Air B-200 GT, da Beechcraft, no aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte. Seu destino era o aeroporto da Serrinha, na cidade de Juiz de Fora, onde participaria de um evento interno da companhia. O céu estava nublado e as condições de voo não eram as ideais. Ao iniciar o pouso, a aeronave colidiu contra o quiosque de uma pousada, localizada a poucos metros do aeroporto e foi ao solo.
Entre as grandes: Domingos Costa foi capaz de competir com gigantes
como Unilever e Nestlé no setor de massas.
Ninguém sobreviveu. Além do presidente, estavam no avião o seu filho Gabriel, de apenas 14 anos, o vice-presidente da empresa e braço direito de Costa, Cesar Tavares, a gerente de controladoria Lidia Colares de Souza, grávida do primeiro filho, e a gerente de recursos humanos Adriana da Conceição Vilela. De uma hora para outra, a companhia perdia seus principais executivos e duas gerentes de áreas importantes. A tragédia abalou não somente os amigos e familiares das vítimas, mas todos os 1.650 funcionários, os fornecedores e os clientes da companhia. A dúvida era se a empresa, que faturou R$ 480 milhões no ano passado, seria capaz de funcionar normalmente sem os responsáveis pela tomada de decisão. Mas a apreensão durou pouco.
Na segunda-feira 30, dois dias depois da tragédia, a Vilma abriu as portas normalmente. E em apenas quatro dias já havia decidido quem assumiria o seu comando — a administradora de empresas Patrícia, filha de Costa e vice-presidente financeira da empresa. Isso só foi possível graças à visão de Costa, que há quatro anos iniciou um processo de profissionalização da fabricante. Casos como esse, infelizmente, não são tão raros. Nos últimos dois anos, companhias como a brasileira Lorenzetti, fabricante de chuveiros, a americana Micron, da área de chips, e a italiana Ferrero, que produz chocolates, também perderam suas lideranças repentinamente em acidentes.
Antes deles, tiveram repercussão episódios como a morte da banqueira Junia Rabello, presidente do Banco Rural, e a do comandante Rolim Amaro, fundador da TAM, em acidentes de helicóptero, em 1999 e 2001, respectivamente. Esses episódios chamam a atenção para uma área que muitas vezes é negligenciada pelas companhias: a gestão de riscos. “É comum as pessoas acharem que esse tipo de coisa só acontece nas outras empresas”, afirma Maria Teresa Roscoe, professora de governança corporativa da Fundação Dom Cabral. Esse tipo de tragédia pode deixar uma empresa sem rumo e, em casos extremos, até levar à bancarrota. Com alguns cuidados, no entanto, é possível enfrentar os piores pesadelos sem maiores sequelas do que o luto pelas vidas perdidas.
O mais importante é ter, de antemão, um plano de sucessão amplamente conhecido. “O substituto deverá manter os parâmetros que sustentaram a empresa até onde ela chegou”, afirma Domingos Ricca, sócio-diretor da Ricca e Associados, consultoria especializada em empresas familiares. No caso da Vilma Alimentos, Patrícia, a herdeira de Costa, já vinha sendo preparada para assumir as funções do pai há algum tempo. Pós-graduada em finanças pela Dom Cabral e dona de um diploma de MBA em marketing pelo Ibmec, ela passou por diversas funções na companhia, até chegar ao posto atual. “O Domingos já não centralizava mais todas as decisões”, afirma José Agostinho da Silveira Neto, presidente do Centro Industrial e Empresarial de Minas Gerais (Ciemg).
Risco não calculado: Cesar Tavares, vice-presidente e braço direito
de Costa, não deveria viajar no mesmo avião do presidente.
“Ele era um grande empreendedor e nos ensinou muito.” De estilo humilde, tranquilo e trabalhador, Costa foi o responsável por levar a empresa mineira à liderança de um mercado disputado por gigantes como Unilever e Nestlé. A grande virada da Vilma aconteceu em 1998, com o lançamento de uma mistura para bolos, em embalagem plástica. Em pouco tempo, a companhia triplicou o faturamento. Dez anos depois, a empresa subiu novamente de patamar ao comprar a fabricante de temperos Pirata. Com a aquisição, Costa conseguiu expandir os negócios da Vilma para além das Alterosas. Sua última grande ação à frente da companhia foi criar um conselho de administração.
Era o primeiro passo para transformar uma empresa familiar em uma grande corporação, com princípios de governança corporativa e regras claras de sucessão. Seu grande equívoco, no entanto, foi não ter acreditado que o pior poderia acontecer. Ao entrar em um avião com seu braço direito, Costa assumiu um risco muito alto. É provável que isso tenha acontecido outras vezes, sem que ninguém percebesse que um acidente poderia colocar em xeque o futuro da companhia. “Executivos de uma mesma empresa não devem viajar juntos”, afirma Maria Teresa, da Dom Cabral. É verdade que fatalidades como essa são muito difíceis de ser evitadas. Por isso, é bom estar preparado, mesmo que as chances de algo dar errado sejam pequenas.